Fotos: pva 04/05 - folhas de Morus alba (Quinta de Sto. Inácio); Morus nigra no Inverno (Palácio de Cristal)«Não cabe aqui a história do bicho-da-seda nem a do tecido proveniente do casulo. Essas duas histórias, a natural e a industrial, deparam-se ao leitor nas enciclopédias. (...) Lembre-se aqui apenas que Portugal, entre os países da velha cristandade, foi o primeiro que produziu seda. E veio a suceder que Trás-os-Montes foi a província que mais produziu durante séculos. Houve fábrica em Chacim e importantes filatórios noutros povoados. Mas, em qualquer casa rural se cultivava o bicho. Dava dinheiro e era fácil de criar. (...) Trás-os-Montes, principalmente Bragança, foi empório do sirgo. Pobre insecto, a troco de folhas de amoreira, seu único alimento, enriqueceu Trás-os-Montes.Mas, não há bem que sempre dure. No século XVIII, apareceram nas sirgarias de França várias doenças que dizimaram o bicho. Essas doenças, a pouco e pouco, propagaram-se a Portugal. (...) O sirgo transmontano resistiu à epidemia por obséquio da natureza. Foi-lhe propício o clima. Atribuiu-se a resistência à qualidade da folha. Mas, não havia folha que chegasse na maré alta das exportações. Fome e má higiene das oficinas enfraqueceram o bicho a ponto de contrair a peste. Neste conflito, acudiu à seda o governo português, mandando plantar amoreiras nos baldios, praças públicas e caminhos. À parte outras provisões, insistiu no plantio da amoreira branca, porque a preta não serve. O bicho é esquisito.Devem datar de 1863 as últimas amoreiras que nós por aí vemos, na estrada de Lamego, na do Rodo e na de Vila-Real. A indústria do sirgo foi suplantada pela indústria da seda vegetal. (...) Portugal abandonou uma cultura que, noutros países, ainda é fonte de receita. Não há seda como a seda natural.Tornemos às nossas amoreiras. Inclinadas e carcomidas, ainda se revestem de esplêndida folhagem. Lembram, à beira das estradas, uma riqueza perdida. (...) À memória de uma indústria poética extinta deveria erguer-se um monumento. Seria, em cada cidade, vila e aldeia dos nossos sítios uma rua plantada de amoreiras. As amoreiras são ornamentais, ó municípios!»João de Araújo Correia, Pátria pequena (1964)
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Fotos: pva 04/05 - folhas de Morus alba (Quinta de Sto. Inácio); Morus nigra no Inverno (Palácio de Cristal)«Não cabe aqui a história do bicho-da-seda nem a do tecido proveniente do casulo. Essas duas histórias, a natural e a industrial, deparam-se ao leitor nas enciclopédias. (...) Lembre-se aqui apenas que Portugal, entre os países da velha cristandade, foi o primeiro que produziu seda. E veio a suceder que Trás-os-Montes foi a província que mais produziu durante séculos. Houve fábrica em Chacim e importantes filatórios noutros povoados. Mas, em qualquer casa rural se cultivava o bicho. Dava dinheiro e era fácil de criar. (...) Trás-os-Montes, principalmente Bragança, foi empório do sirgo. Pobre insecto, a troco de folhas de amoreira, seu único alimento, enriqueceu Trás-os-Montes.Mas, não há bem que sempre dure. No século XVIII, apareceram nas sirgarias de França várias doenças que dizimaram o bicho. Essas doenças, a pouco e pouco, propagaram-se a Portugal. (...) O sirgo transmontano resistiu à epidemia por obséquio da natureza. Foi-lhe propício o clima. Atribuiu-se a resistência à qualidade da folha. Mas, não havia folha que chegasse na maré alta das exportações. Fome e má higiene das oficinas enfraqueceram o bicho a ponto de contrair a peste. Neste conflito, acudiu à seda o governo português, mandando plantar amoreiras nos baldios, praças públicas e caminhos. À parte outras provisões, insistiu no plantio da amoreira branca, porque a preta não serve. O bicho é esquisito.Devem datar de 1863 as últimas amoreiras que nós por aí vemos, na estrada de Lamego, na do Rodo e na de Vila-Real. A indústria do sirgo foi suplantada pela indústria da seda vegetal. (...) Portugal abandonou uma cultura que, noutros países, ainda é fonte de receita. Não há seda como a seda natural.Tornemos às nossas amoreiras. Inclinadas e carcomidas, ainda se revestem de esplêndida folhagem. Lembram, à beira das estradas, uma riqueza perdida. (...) À memória de uma indústria poética extinta deveria erguer-se um monumento. Seria, em cada cidade, vila e aldeia dos nossos sítios uma rua plantada de amoreiras. As amoreiras são ornamentais, ó municípios!»João de Araújo Correia, Pátria pequena (1964)