Da Literatura: ARY DOS SANTOS

03-07-2011
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José Carlos Ary dos Santos (1937-1984) morreu faz hoje 22 anos. Tinha 46 anos. Após a estreia precoce, em 1953, com Asas, publicou um punhado de livros de que destacaria A Liturgia do Sangue (1963), Adereços, Endereços (1965), Fotos-Grafias (1971) e, já póstumo, VIII Sonetos (1984), com estudo introdutório de Manuel Gusmão. Vários discos recuperam a sua voz admirável, dizendo poesia sua e de outros. A música popular deve-lhe alguns dos seus maiores êxitos dos anos 1960-70. Embora exista uma fotobiografia, permanece inexplicavelmente inédito o volume da sua autobiografia. Em Alfama, onde viveu, existe um largo com o seu nome. Cedo o descobri, por ter sido um dos poetas antologiados por António Ramos Rosa na quarta série das Líricas Portuguesas (1969), juntamente com, entre outros, Herberto Helder, António José Forte, Ruy Belo, Pedro Tamen, M. S. Lourenço, Fernando Assis Pacheco, Maria Teresa Horta, Manuel Alegre, Armando Silva Carvalho, Fiama Hasse Pais Brandão, António Barahona, Luiza Neto Jorge e Gastão Cruz. O estabelecimento literário nunca gostou dele. A Academia sempre o olhou de soslaio. O PCP tinha vergonha da sua declarada homossexualidade, e o mais que permitiu foi uma filiação espúria na filial, o MDP-CDE. O jornalismo cultural tratou-o sempre com o desdém que reserva aos letristas. David Mourão-Ferreira foi dos poucos a sublinhar a singularidade da obra. A classe ignorava. O comunista das classes altas que mandou a boa sociedade às urtigas (saiu de casa aos dezasseis anos) nunca poupou no sarcasmo. Fica aqui um excerto da sua Brevíssima Antologia da Poesia Com Certeza.Morramos todos por issomais por isto e por aquilo:no açougue do toutiçoa poesia morre ao quilo.[...]Diz o Alexandre O’Neillque às vezes lhe falta um til.[...]Mas se não fosse O’NeillPortugal não tinha Abril[...]Também Natália é paridado parto de suas dorese faz poemas que dançamtoucados de mosto e flores.[...]Sei bem que tal não agradaa Dom Frei Gastão da Cruzque só não é agostinhopor falta de gás e luz.Mas um poeta mesquinhoa própria água reduzquando mija em vez de vinhodesperdícios de alcatruz— Pois que mije a toda a horae que vá puxando à nora...[...]E tu e tu que me põesum mago dentro da camafilho do pai de CamõesMário de rosas e lamaCesariny Vasconcelosnomes que a choldra não gramaporque tu não vais com elese ficas em verde ramatocando no bolso esquerdoos nomes de quem te chama.[...]Ficam por transcrever outros 78 versos, os quais reportam, por esta ordem, a Melo e Castro, Luiz Pacheco, Fiama, Cecília Meireles, Régio, José Gomes Ferreira, Manuel da Fonseca, Torga e Eugénio de AndradeEtiquetas: AAA

José Carlos Ary dos Santos (1937-1984) morreu faz hoje 22 anos. Tinha 46 anos. Após a estreia precoce, em 1953, com Asas, publicou um punhado de livros de que destacaria A Liturgia do Sangue (1963), Adereços, Endereços (1965), Fotos-Grafias (1971) e, já póstumo, VIII Sonetos (1984), com estudo introdutório de Manuel Gusmão. Vários discos recuperam a sua voz admirável, dizendo poesia sua e de outros. A música popular deve-lhe alguns dos seus maiores êxitos dos anos 1960-70. Embora exista uma fotobiografia, permanece inexplicavelmente inédito o volume da sua autobiografia. Em Alfama, onde viveu, existe um largo com o seu nome. Cedo o descobri, por ter sido um dos poetas antologiados por António Ramos Rosa na quarta série das Líricas Portuguesas (1969), juntamente com, entre outros, Herberto Helder, António José Forte, Ruy Belo, Pedro Tamen, M. S. Lourenço, Fernando Assis Pacheco, Maria Teresa Horta, Manuel Alegre, Armando Silva Carvalho, Fiama Hasse Pais Brandão, António Barahona, Luiza Neto Jorge e Gastão Cruz. O estabelecimento literário nunca gostou dele. A Academia sempre o olhou de soslaio. O PCP tinha vergonha da sua declarada homossexualidade, e o mais que permitiu foi uma filiação espúria na filial, o MDP-CDE. O jornalismo cultural tratou-o sempre com o desdém que reserva aos letristas. David Mourão-Ferreira foi dos poucos a sublinhar a singularidade da obra. A classe ignorava. O comunista das classes altas que mandou a boa sociedade às urtigas (saiu de casa aos dezasseis anos) nunca poupou no sarcasmo. Fica aqui um excerto da sua Brevíssima Antologia da Poesia Com Certeza.Morramos todos por issomais por isto e por aquilo:no açougue do toutiçoa poesia morre ao quilo.[...]Diz o Alexandre O’Neillque às vezes lhe falta um til.[...]Mas se não fosse O’NeillPortugal não tinha Abril[...]Também Natália é paridado parto de suas dorese faz poemas que dançamtoucados de mosto e flores.[...]Sei bem que tal não agradaa Dom Frei Gastão da Cruzque só não é agostinhopor falta de gás e luz.Mas um poeta mesquinhoa própria água reduzquando mija em vez de vinhodesperdícios de alcatruz— Pois que mije a toda a horae que vá puxando à nora...[...]E tu e tu que me põesum mago dentro da camafilho do pai de CamõesMário de rosas e lamaCesariny Vasconcelosnomes que a choldra não gramaporque tu não vais com elese ficas em verde ramatocando no bolso esquerdoos nomes de quem te chama.[...]Ficam por transcrever outros 78 versos, os quais reportam, por esta ordem, a Melo e Castro, Luiz Pacheco, Fiama, Cecília Meireles, Régio, José Gomes Ferreira, Manuel da Fonseca, Torga e Eugénio de AndradeEtiquetas: AAA

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