entrevista folhacds

23-04-2015
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FCDS - Sabemos que construiu um cronograma na parede do gabinete. É preciso analisar muitos documentos, do BES, Banco de Portugal, CMVM. Que metodologia usou para esta CPI?

CM: Não foi bem na parede do gabinete, era um cronograma portátil, que conseguia levar comigo para a comissão. Aliás levava também um conjunto de esquemas em folhas A4, que foram crescendo à medida que a informação ia aparecendo. O método foi o seguinte: comecei a juntar a informação que já tinha sobre as questões essenciais, e de cada vez que estudava um documento acrescentava ao esquema o que me parecesse mais importante. Enquanto as audições decorriam ia também acrescentando a informação à medida que as perguntas eram respondidas. Claro que comecei com 10 folhas de esquemas e acabei com mais de 30, mas acho que foi um método que acabou por resultar bem.

FCDS – No seu entender o que aconteceu no BES para ter chegado ao ponto de ser insolvente?

CM: Eu divido os problemas do BES em três questões principais. A primeira tem a ver com aquilo que o Banco de Portugal detectou no chamado ETRICC2: o BES tinha emprestado muito dinheiro, quer directamente, quer através dos seus clientes, a uma empresa chamada ESI. Essa empresa tinha ocultado das suas contas cerca de 1300 milhões de euros de passivo. Quando isto se descobriu, a empresa ficou com capitais próprios negativos e em muito má situação, o que colocava em causa os créditos do BES e dos seus clientes. Mais, esta empresa não era uma empresa qualquer, era uma holding que indirectamente era dona do próprio banco, o que tornou a situação muito mais grave. É para tentar resolver este problema que o Banco de Portugal escolhe traçar a chamada estratégia de ring fencing, ou seja, separar completamente o banco do grupo, e tentar que os problemas gravíssimos do grupo não se estendam ao banco.

E aqui aparece a segunda questão principal: é que o BES não só não cumpriu as instruções do Banco de Portugal, como também criou alguns problemas novos. Continuou a financiar o grupo de forma indirecta, e criou um esquema de emissão de obrigações que gerou uma grande mais-valia num intermediário financeiro chamado Eurofin, mas representou custos e perdas para o banco. Parte desta mais-valia terá sido usada para ressarcir clientes do BES, mas resta apurar o que aconteceu à totalidade do dinheiro e se os clientes que foram "salvos" eram de retalho ou, pelo contrário, eram escolhidos a dedo com critérios desconhecidos. Durante este tempo, o Banco de Portugal ou não se apercebe do que o BESA está a fazer ou, apercebendo-se, não o consegue evitar.

A terceira questão tem a ver com a exposição a Angola, ou seja, com o facto de o BES ter emprestado mais de 3000 milhões de euros ao BES Angola. Tanto quanto hoje se sabe, grande parte, para não dizer a totalidade, estava mal parado ou tinha destino desconhecido. Foi muito difícil apurar o que se passou em Angola, e ainda desconhecemos muito do que de facto aconteceu. O que é certo é que teve de haver uma intervenção pública no BES, e que no âmbito dessa intervenção grande parte deste crédito não foi pago, o que representou um duro golpe para o BES. Para onde foi este dinheiro é uma das perguntas que ficou por responder, pelo menos completamente, na comissão.

FCDS - Quem foi a pessoa mais difícil de questionar nesta Comissão de Inquérito?

CM: Foi o Presidente da KPMG, tanto pelo facto de serem perguntas muito técnicas, como pela pouca vontade que ele demonstrou de realmente esclarecer o que se tinha passado. Claro que percebo bem que é muito difícil para o auditor dizer, e defender, que não se tinha apercebido do que se passava no Grupo, e em particular em Angola, onde também tinha um papel importante e era auditor. Mas a maneira como ele utilizava muito tempo nas respostas, dizendo muitas coisas, mas ocultando ou omitindo o que era importante, foi particularmente exasperante.

FCDS - Acha que conseguiu alcançar os objectivos a que o CDS se propôs nesta CPI?

CM: Espero que sim. O CDS nunca entrou nesta Comissão para comprovar teses pré-concebidas, pelo contrário, sempre quisemos procurar respostas com independência, isenção e espírito crítico. À medida que o tempo foi passando e a comissão foi progredindo nos trabalhos, acho que as pessoas acabaram por reconhecer essa postura, e por ver que muitas vezes era o CDS que colocava as perguntas que muitos portugueses faziam a si próprios. E isso foi verdade para os administradores do BES, para os dirigentes do GES, para os auditores externos e também para o Banco de Portugal e para a CMVM.

FCDS - Sabemos que construiu um cronograma na parede do gabinete. É preciso analisar muitos documentos, do BES, Banco de Portugal, CMVM. Que metodologia usou para esta CPI?

CM: Não foi bem na parede do gabinete, era um cronograma portátil, que conseguia levar comigo para a comissão. Aliás levava também um conjunto de esquemas em folhas A4, que foram crescendo à medida que a informação ia aparecendo. O método foi o seguinte: comecei a juntar a informação que já tinha sobre as questões essenciais, e de cada vez que estudava um documento acrescentava ao esquema o que me parecesse mais importante. Enquanto as audições decorriam ia também acrescentando a informação à medida que as perguntas eram respondidas. Claro que comecei com 10 folhas de esquemas e acabei com mais de 30, mas acho que foi um método que acabou por resultar bem.

FCDS – No seu entender o que aconteceu no BES para ter chegado ao ponto de ser insolvente?

CM: Eu divido os problemas do BES em três questões principais. A primeira tem a ver com aquilo que o Banco de Portugal detectou no chamado ETRICC2: o BES tinha emprestado muito dinheiro, quer directamente, quer através dos seus clientes, a uma empresa chamada ESI. Essa empresa tinha ocultado das suas contas cerca de 1300 milhões de euros de passivo. Quando isto se descobriu, a empresa ficou com capitais próprios negativos e em muito má situação, o que colocava em causa os créditos do BES e dos seus clientes. Mais, esta empresa não era uma empresa qualquer, era uma holding que indirectamente era dona do próprio banco, o que tornou a situação muito mais grave. É para tentar resolver este problema que o Banco de Portugal escolhe traçar a chamada estratégia de ring fencing, ou seja, separar completamente o banco do grupo, e tentar que os problemas gravíssimos do grupo não se estendam ao banco.

E aqui aparece a segunda questão principal: é que o BES não só não cumpriu as instruções do Banco de Portugal, como também criou alguns problemas novos. Continuou a financiar o grupo de forma indirecta, e criou um esquema de emissão de obrigações que gerou uma grande mais-valia num intermediário financeiro chamado Eurofin, mas representou custos e perdas para o banco. Parte desta mais-valia terá sido usada para ressarcir clientes do BES, mas resta apurar o que aconteceu à totalidade do dinheiro e se os clientes que foram "salvos" eram de retalho ou, pelo contrário, eram escolhidos a dedo com critérios desconhecidos. Durante este tempo, o Banco de Portugal ou não se apercebe do que o BESA está a fazer ou, apercebendo-se, não o consegue evitar.

A terceira questão tem a ver com a exposição a Angola, ou seja, com o facto de o BES ter emprestado mais de 3000 milhões de euros ao BES Angola. Tanto quanto hoje se sabe, grande parte, para não dizer a totalidade, estava mal parado ou tinha destino desconhecido. Foi muito difícil apurar o que se passou em Angola, e ainda desconhecemos muito do que de facto aconteceu. O que é certo é que teve de haver uma intervenção pública no BES, e que no âmbito dessa intervenção grande parte deste crédito não foi pago, o que representou um duro golpe para o BES. Para onde foi este dinheiro é uma das perguntas que ficou por responder, pelo menos completamente, na comissão.

FCDS - Quem foi a pessoa mais difícil de questionar nesta Comissão de Inquérito?

CM: Foi o Presidente da KPMG, tanto pelo facto de serem perguntas muito técnicas, como pela pouca vontade que ele demonstrou de realmente esclarecer o que se tinha passado. Claro que percebo bem que é muito difícil para o auditor dizer, e defender, que não se tinha apercebido do que se passava no Grupo, e em particular em Angola, onde também tinha um papel importante e era auditor. Mas a maneira como ele utilizava muito tempo nas respostas, dizendo muitas coisas, mas ocultando ou omitindo o que era importante, foi particularmente exasperante.

FCDS - Acha que conseguiu alcançar os objectivos a que o CDS se propôs nesta CPI?

CM: Espero que sim. O CDS nunca entrou nesta Comissão para comprovar teses pré-concebidas, pelo contrário, sempre quisemos procurar respostas com independência, isenção e espírito crítico. À medida que o tempo foi passando e a comissão foi progredindo nos trabalhos, acho que as pessoas acabaram por reconhecer essa postura, e por ver que muitas vezes era o CDS que colocava as perguntas que muitos portugueses faziam a si próprios. E isso foi verdade para os administradores do BES, para os dirigentes do GES, para os auditores externos e também para o Banco de Portugal e para a CMVM.

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