E se os homossexuais puderem adoptar?

11-10-2014
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Jorge Gato escreve no seu livro que a “legitimação da homoparentalidade” se deve ao “processo de individualização em curso desde o fim do século XIX” e às transformações sociais da década de 1960, como as lutas feministas, a revolução sexual, as técnicas de procriação medicamente assistida e o movimento de defesa de direitos das pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero). Em Portugal, o assunto ganha forma na segunda metade dos anos 90.

Em 1998, é distribuído em Lisboa um manifesto que entre outros aspetos pede a “não discriminação na adoção”. Os subscritores são a associação ILGA Portugal (formada três anos antes), o Grupo de Trabalho Homossexual do PSR (um dos partidos que dariam origem ao Bloco de Esquerda), a associação Opus Gay e a Abraço.

Em 1999, o BE apresenta uma proposta para permitir a adoção por casais unidos de facto, tendo em conta que estava para breve o alargamento das uniões de facto aos homossexuais. A iniciativa acaba por não ter seguimento e a questão só começa a parecer concretizável a partir de 2000, quando a Holanda se torna o primeiro país do mundo a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sem excluir o direito à adoção (lei que entrou em vigor em 2001).

Nesse ano, ficam claras as resistências da esquerda. A então deputada do PS Maria de Belém Roseira declara ao Diário de Notícias que “não é altura para discutir” a adoção por gays, porque “está em causa não o direito a adotar, mas sim o direito a ser adotado”. A deputada comunista Odete Santos diz que “não há estudos unânimes em relação às repercussões nas crianças.”

O processo vai acelerar-se nos anos seguintes.

A atual proposta do BE é ainda uma resposta à lei portuguesa do casamento gay, de 2010, que criou uma cláusula de exceção no domínio da adoção. O BE ajudou a aprovar a iniciativa, que partiu do governo de José Sócrates, mas, como justifica agora a deputada Cecília Honório, o partido “apresentou logo uma proposta de alteração a essa exceção”.

Os adversários da alteração entendem que gays e lésbicas têm uma influência negativa sobre as crianças. “As referências de um pai e de uma mãe são mais adequadas para salvaguardar e acautelar” os interesses da criança, do que as referências que um casal homossexual pode dar, dizia o parecer que a Ordem dos Advogados foi chamada a dar, em 2011, durante a discussão do diploma do BE. Um parecer subscrito pelo então bastonário António Marinho e Pinto.

Aparentemente, subsiste a ideia de que aumentariam as hipóteses de uma criança vir a formar uma orientação homossexual se vivesse numa família de dois homens ou duas mulheres, uma vez que o potencial hétero e homossexual das crianças seria influenciado pelo modelo familiar.

Jorge Gato rejeita esse ponto de vista: “É um receio que radica na ideia de que é melhor ser heterossexual do que homossexual”, logo, “trata-se de um preconceito”. O psicólogo garante que vários estudos científicos “verificaram que a proporção de lésbicas e gays entre pessoas que foram educadas em contexto homoparental é semelhante à encontrada na população geral, isto é, entre 0 a 10%”.

Ainda baseado em estudos que consultou para a tese de doutoramento, Jorge Gato afirma que “são mais as semelhanças que as diferenças” entre famílias homoparentais e heteroparentais.

A credibilidade deste tipo de estudos é muitas vezes posta em causa, por serem realizados com homossexuais em contextos socioeconómicos favorecidos, o que os protege a eles e aos filhos de muitas formas de discriminação.

O investigador concede: “Dúvidas que se relacionam com questões metodológicas são perfeitamente legítimas.” Mas sustenta o seu ponto de vista. “As limitações em termos da composição das amostras aplicam-se sobretudo aos primeiros estudos com famílias homoparentais, que é um corpo de investigação com cerca de 40 anos. No entanto, na última década, investigações com amostras de maior dimensão e com amostras representativas têm replicado os resultados encontrados nos estudos anteriores.”

O que quase todos dizem estar em causa, apoiantes ou detratores da adoção gay, é o direito das crianças a serem adotadas, não o direito de um conjunto de pessoas a adotar. Entende-se que é esse o espírito do conceito legal “superior interesse da criança”.

Neste aspeto, Cecília Honório apressa-se a explicar que “o diploma proposta não redefine o conceito legal de adoção, antes desbloqueia os impedimentos objetivos que estão noutras leis.” Por seu lado, a socióloga Sofia Aboim diz que “é preciso dissociar as competências parentais da orientação sexual” porque a “orientação sexual não é, de todo, um critério que interfira na capacidade de alguém ser mãe ou pai”.

Jorge Gato escreve no seu livro que a “legitimação da homoparentalidade” se deve ao “processo de individualização em curso desde o fim do século XIX” e às transformações sociais da década de 1960, como as lutas feministas, a revolução sexual, as técnicas de procriação medicamente assistida e o movimento de defesa de direitos das pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero). Em Portugal, o assunto ganha forma na segunda metade dos anos 90.

Em 1998, é distribuído em Lisboa um manifesto que entre outros aspetos pede a “não discriminação na adoção”. Os subscritores são a associação ILGA Portugal (formada três anos antes), o Grupo de Trabalho Homossexual do PSR (um dos partidos que dariam origem ao Bloco de Esquerda), a associação Opus Gay e a Abraço.

Em 1999, o BE apresenta uma proposta para permitir a adoção por casais unidos de facto, tendo em conta que estava para breve o alargamento das uniões de facto aos homossexuais. A iniciativa acaba por não ter seguimento e a questão só começa a parecer concretizável a partir de 2000, quando a Holanda se torna o primeiro país do mundo a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sem excluir o direito à adoção (lei que entrou em vigor em 2001).

Nesse ano, ficam claras as resistências da esquerda. A então deputada do PS Maria de Belém Roseira declara ao Diário de Notícias que “não é altura para discutir” a adoção por gays, porque “está em causa não o direito a adotar, mas sim o direito a ser adotado”. A deputada comunista Odete Santos diz que “não há estudos unânimes em relação às repercussões nas crianças.”

O processo vai acelerar-se nos anos seguintes.

A atual proposta do BE é ainda uma resposta à lei portuguesa do casamento gay, de 2010, que criou uma cláusula de exceção no domínio da adoção. O BE ajudou a aprovar a iniciativa, que partiu do governo de José Sócrates, mas, como justifica agora a deputada Cecília Honório, o partido “apresentou logo uma proposta de alteração a essa exceção”.

Os adversários da alteração entendem que gays e lésbicas têm uma influência negativa sobre as crianças. “As referências de um pai e de uma mãe são mais adequadas para salvaguardar e acautelar” os interesses da criança, do que as referências que um casal homossexual pode dar, dizia o parecer que a Ordem dos Advogados foi chamada a dar, em 2011, durante a discussão do diploma do BE. Um parecer subscrito pelo então bastonário António Marinho e Pinto.

Aparentemente, subsiste a ideia de que aumentariam as hipóteses de uma criança vir a formar uma orientação homossexual se vivesse numa família de dois homens ou duas mulheres, uma vez que o potencial hétero e homossexual das crianças seria influenciado pelo modelo familiar.

Jorge Gato rejeita esse ponto de vista: “É um receio que radica na ideia de que é melhor ser heterossexual do que homossexual”, logo, “trata-se de um preconceito”. O psicólogo garante que vários estudos científicos “verificaram que a proporção de lésbicas e gays entre pessoas que foram educadas em contexto homoparental é semelhante à encontrada na população geral, isto é, entre 0 a 10%”.

Ainda baseado em estudos que consultou para a tese de doutoramento, Jorge Gato afirma que “são mais as semelhanças que as diferenças” entre famílias homoparentais e heteroparentais.

A credibilidade deste tipo de estudos é muitas vezes posta em causa, por serem realizados com homossexuais em contextos socioeconómicos favorecidos, o que os protege a eles e aos filhos de muitas formas de discriminação.

O investigador concede: “Dúvidas que se relacionam com questões metodológicas são perfeitamente legítimas.” Mas sustenta o seu ponto de vista. “As limitações em termos da composição das amostras aplicam-se sobretudo aos primeiros estudos com famílias homoparentais, que é um corpo de investigação com cerca de 40 anos. No entanto, na última década, investigações com amostras de maior dimensão e com amostras representativas têm replicado os resultados encontrados nos estudos anteriores.”

O que quase todos dizem estar em causa, apoiantes ou detratores da adoção gay, é o direito das crianças a serem adotadas, não o direito de um conjunto de pessoas a adotar. Entende-se que é esse o espírito do conceito legal “superior interesse da criança”.

Neste aspeto, Cecília Honório apressa-se a explicar que “o diploma proposta não redefine o conceito legal de adoção, antes desbloqueia os impedimentos objetivos que estão noutras leis.” Por seu lado, a socióloga Sofia Aboim diz que “é preciso dissociar as competências parentais da orientação sexual” porque a “orientação sexual não é, de todo, um critério que interfira na capacidade de alguém ser mãe ou pai”.

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