Filibuster

15-09-2015
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por Pedro Delgado Alves, em 19.06.14

Republicano de sempre, preferia que se hasteasse a tricolor no país vizinho. Não é uma evidência que os Espanhóis o queiram - a monarquia assumiu-se como restauradora da Democracia e colocou-se, por isso, como parte integrante do compromisso constitucional de 1978.

Na partida de Juan Carlos, contudo, a dívida que lhe é reconhecida na transição para a Democracia e na estabilização do País depois de décadas de Ditadura permite recordar, a título de legado, a máxima de que mais do que monárquicos, os Espanhóis seriam juancarlistas. Os últimos tempos abalaram esta adesão generalizada e praticamente consensual, mas não chegam para beliscar o reconhecimento do seu papel histórico fundamental no desenho da Espanha moderna e democrática.

Daí que as dúvidas mais pertinentesdo momento sejam as que se prendem com o novo rei, Filipe VI. Alguns sinais simbólicos são interessantes, desde a não utilização do título de "Rei Católico", passando pela recusa de missa de entronização, afirmando alguma laicização da função real, até aos piscares de olhos muito discretos a uma Espanha plurinacional no discurso da proclamação, rematado com um um agradecimento em quatro línguas, castelhano, catalão, basco e galego. Será o suficiente para enraizar a instituição? Há hoje um sentimento republicano crescente que as crises económicas e de credibilidade do sistema político ajudam a alimentar, mas ainda é cedo para qualquer balanço. Para já, Filipe VI goza de um estado de graça que pode gerir em defesa de uma pacificação da instituição monárquica com os cidadãos.

Já agora, e assumindo a fama de nerd, é de assinalar, arregimentanto uma lista de curiosidades históricas, que, ainda que motivada por uma abdicação (provavlmente o caminho do futuro para as monarquias europeias, sendo esta já a terceira num só ano) esta foi a primeira sucessão pacífica por terras de Espanha desde a morte de Carlos III em 1788, revelando que a ideia de estabilidade associada às monarquias não é tão certeira quanto isso. Senão vejamos:

- Em 1808, Carlos IV seria forçado por Napoleão a abdicar no seu filho, Fernando VII, que depois abdicou em Napoleão, que depois cedeu a coroa ao seu irmão mais velho, José - animadíssimo;

- José Bonaparte seria expulso pelos exércitos aliados no final da Guerra Peninsular, em 1813, restaurando-se por essa via Fernando VII;

- Isabel II sucederia ao seu pai em 1833, num quadro de guerra civil, contestada pelo partido Carlista que recusava a possibilidade de sucessão feminina admitida por Fernando VII. Mais tarde, Isabel viria a ter de exilar-se em Paris, em 1868, abdicando dois anos depois;

- Amadeu de Sabóia, eleito pelas cortes para suceder a Isabel, pouco mais de dois anos se aguentou, dando lugar à I República espanhola em 1873;

- Restaurada a monarquia no final da primeira experiência republicana, com Afonso XII, e apesar de alguma estabilização, o próprio processo sucessório desencadado pela sua morte precoce trouxe a peculiaridade associada às monarquias e a sucessão dinástica, tendo em conta que o falecimento do rei ocorreu ainda no decurso da gravidez da rainha consorte. Uma vez que o sexo da criança determinaria quem herdaria a coroa, foi necessário um curto interegno de alguns meses, tendo Afonso XIII vindo ao mundo já diretamente como rei de Espanha;

- Afonso XIII, por seu turno, caíria em 1931, abrindo caminho à II República, sendo que o final da guerra civil, apesar de o franquismo recuperar a forma monárquica, não trouxe de volta um monarca ao trono de Espanha senão após a morte de Franco, em 1975.

A ver vamos...

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Pedro Delgado Alves, em 19.06.14

Republicano de sempre, preferia que se hasteasse a tricolor no país vizinho. Não é uma evidência que os Espanhóis o queiram - a monarquia assumiu-se como restauradora da Democracia e colocou-se, por isso, como parte integrante do compromisso constitucional de 1978.

Na partida de Juan Carlos, contudo, a dívida que lhe é reconhecida na transição para a Democracia e na estabilização do País depois de décadas de Ditadura permite recordar, a título de legado, a máxima de que mais do que monárquicos, os Espanhóis seriam juancarlistas. Os últimos tempos abalaram esta adesão generalizada e praticamente consensual, mas não chegam para beliscar o reconhecimento do seu papel histórico fundamental no desenho da Espanha moderna e democrática.

Daí que as dúvidas mais pertinentesdo momento sejam as que se prendem com o novo rei, Filipe VI. Alguns sinais simbólicos são interessantes, desde a não utilização do título de "Rei Católico", passando pela recusa de missa de entronização, afirmando alguma laicização da função real, até aos piscares de olhos muito discretos a uma Espanha plurinacional no discurso da proclamação, rematado com um um agradecimento em quatro línguas, castelhano, catalão, basco e galego. Será o suficiente para enraizar a instituição? Há hoje um sentimento republicano crescente que as crises económicas e de credibilidade do sistema político ajudam a alimentar, mas ainda é cedo para qualquer balanço. Para já, Filipe VI goza de um estado de graça que pode gerir em defesa de uma pacificação da instituição monárquica com os cidadãos.

Já agora, e assumindo a fama de nerd, é de assinalar, arregimentanto uma lista de curiosidades históricas, que, ainda que motivada por uma abdicação (provavlmente o caminho do futuro para as monarquias europeias, sendo esta já a terceira num só ano) esta foi a primeira sucessão pacífica por terras de Espanha desde a morte de Carlos III em 1788, revelando que a ideia de estabilidade associada às monarquias não é tão certeira quanto isso. Senão vejamos:

- Em 1808, Carlos IV seria forçado por Napoleão a abdicar no seu filho, Fernando VII, que depois abdicou em Napoleão, que depois cedeu a coroa ao seu irmão mais velho, José - animadíssimo;

- José Bonaparte seria expulso pelos exércitos aliados no final da Guerra Peninsular, em 1813, restaurando-se por essa via Fernando VII;

- Isabel II sucederia ao seu pai em 1833, num quadro de guerra civil, contestada pelo partido Carlista que recusava a possibilidade de sucessão feminina admitida por Fernando VII. Mais tarde, Isabel viria a ter de exilar-se em Paris, em 1868, abdicando dois anos depois;

- Amadeu de Sabóia, eleito pelas cortes para suceder a Isabel, pouco mais de dois anos se aguentou, dando lugar à I República espanhola em 1873;

- Restaurada a monarquia no final da primeira experiência republicana, com Afonso XII, e apesar de alguma estabilização, o próprio processo sucessório desencadado pela sua morte precoce trouxe a peculiaridade associada às monarquias e a sucessão dinástica, tendo em conta que o falecimento do rei ocorreu ainda no decurso da gravidez da rainha consorte. Uma vez que o sexo da criança determinaria quem herdaria a coroa, foi necessário um curto interegno de alguns meses, tendo Afonso XIII vindo ao mundo já diretamente como rei de Espanha;

- Afonso XIII, por seu turno, caíria em 1931, abrindo caminho à II República, sendo que o final da guerra civil, apesar de o franquismo recuperar a forma monárquica, não trouxe de volta um monarca ao trono de Espanha senão após a morte de Franco, em 1975.

A ver vamos...

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