Clube de Reflexão Política: Não se pode servir a dois senhores

30-06-2011
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Desde há uns anos a esta parte que se vem discutindo sobre a legitimidade, capacidade e mesmo a legalidade de acumulação de cargos políticos e/ou públicos. A controvérsia nesta matéria já levou, por razões constitucionais, Cavaco Silva a abdicar do seu salário – mais por conveniência pessoal do que nobreza ou patriotismo – e, mais recentemente, António Costa a apresentar-se como candidato à liderança do Partido Socialista – alegando que o PS precisa de um líder a tempo inteiro, assim como a Câmara de Lisboa e ele é só um. Na última edição, um comentador do Expresso refere-se à decisão de Costa dizendo que este “mostra respeito pelos eleitores, um bem escasso que dignifica quem o possui”.
Esta é uma questão controversa e coloca-se aqui, não num quadro legal, mas num quadro ético-profissional. Ninguém se consegue desdobrar em dois para conseguir levar a bom porto dois papéis tão importantes em duas organizações de peso institucional. A atenção, dedicação, empenho e estratégia que são exigidas em cada uma, trazendo o pressuposto de que se pretende fazer um trabalho bem feito, é de tal forma que acaba, mais cedo do que tarde, por confirmar a incompatibilidade de tal imprudência.
Talvez haja uma razão para a própria constituição se pronunciar contra este tipo de prática, uma vez que ajuda a prevenir a possibilidade de movimentações latentes entre cargos e os seus protagonistas ou, então, de não movimentações. O popularizado e corriqueiramente designado de “tacho” acaba por ver o caminho dificultado nesta posição ético-profissional a que se obrigam todos os que desempenham funções em cargos públicos. Existem, portanto, mecanismos legais de protecção do Estado e do interesse dos cidadãos relativamente a estas questões que, até onde é permitido legalmente, podem ser accionados e aplicados.
A questão ético-profissional coloca-se para lá do preâmbulo do funcionalismo público, onde a regulação já não é tão forte, assentando no princípio de que só se consegue ser eficaz e eficiente quando se dedica a uma de duas grandes organizações. Ignorar este facto é condenar uma dessas organizações ao fracasso, por menor que ele seja.
António Costa, na verdade, teve uma atitude que honra os seus eleitores e enobrece o cargo que ocupa. Deixando de parte a discussão se foi calculismo político ou não, o facto é que é inegável o bom trabalho que tem feito à frente da Câmara de Lisboa e a dedicação com que tem servido a capital do país. Seria bom que outros tantos lhe pudessem seguir o exemplo e respeitassem mais os cidadãos e zelassem menos pelos seus “tachos” e pensões. O texto bíblico coloca este dilema de forma interessantemente clara: não se pode servir a dois senhores, pois há-de servir a um e desprezar o outro. Os manuais de gestão afirmam o mesmo princípio de focagem no trabalho, para quem quer ter a curto, médio e longo prazo uma maior concretização e, consequentemente, uma maior taxa de sucesso.
João Elyseu


Desde há uns anos a esta parte que se vem discutindo sobre a legitimidade, capacidade e mesmo a legalidade de acumulação de cargos políticos e/ou públicos. A controvérsia nesta matéria já levou, por razões constitucionais, Cavaco Silva a abdicar do seu salário – mais por conveniência pessoal do que nobreza ou patriotismo – e, mais recentemente, António Costa a apresentar-se como candidato à liderança do Partido Socialista – alegando que o PS precisa de um líder a tempo inteiro, assim como a Câmara de Lisboa e ele é só um. Na última edição, um comentador do Expresso refere-se à decisão de Costa dizendo que este “mostra respeito pelos eleitores, um bem escasso que dignifica quem o possui”.
Esta é uma questão controversa e coloca-se aqui, não num quadro legal, mas num quadro ético-profissional. Ninguém se consegue desdobrar em dois para conseguir levar a bom porto dois papéis tão importantes em duas organizações de peso institucional. A atenção, dedicação, empenho e estratégia que são exigidas em cada uma, trazendo o pressuposto de que se pretende fazer um trabalho bem feito, é de tal forma que acaba, mais cedo do que tarde, por confirmar a incompatibilidade de tal imprudência.
Talvez haja uma razão para a própria constituição se pronunciar contra este tipo de prática, uma vez que ajuda a prevenir a possibilidade de movimentações latentes entre cargos e os seus protagonistas ou, então, de não movimentações. O popularizado e corriqueiramente designado de “tacho” acaba por ver o caminho dificultado nesta posição ético-profissional a que se obrigam todos os que desempenham funções em cargos públicos. Existem, portanto, mecanismos legais de protecção do Estado e do interesse dos cidadãos relativamente a estas questões que, até onde é permitido legalmente, podem ser accionados e aplicados.
A questão ético-profissional coloca-se para lá do preâmbulo do funcionalismo público, onde a regulação já não é tão forte, assentando no princípio de que só se consegue ser eficaz e eficiente quando se dedica a uma de duas grandes organizações. Ignorar este facto é condenar uma dessas organizações ao fracasso, por menor que ele seja.
António Costa, na verdade, teve uma atitude que honra os seus eleitores e enobrece o cargo que ocupa. Deixando de parte a discussão se foi calculismo político ou não, o facto é que é inegável o bom trabalho que tem feito à frente da Câmara de Lisboa e a dedicação com que tem servido a capital do país. Seria bom que outros tantos lhe pudessem seguir o exemplo e respeitassem mais os cidadãos e zelassem menos pelos seus “tachos” e pensões. O texto bíblico coloca este dilema de forma interessantemente clara: não se pode servir a dois senhores, pois há-de servir a um e desprezar o outro. Os manuais de gestão afirmam o mesmo princípio de focagem no trabalho, para quem quer ter a curto, médio e longo prazo uma maior concretização e, consequentemente, uma maior taxa de sucesso.
João Elyseu

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