Devaneios Desintéricos: Envelope nº 9

24-01-2012
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Tenho andado o dia todo a pensar no que deveria pensar desta nova polémica lançada pelo 24 Horas. Confesso que li muitos jornais e muitos blogues e ouvi muito "especialistas". Em todos os sítios encontrei opiniões (pretensamente ou de facto) iluminadas, demagogias, excessos ou até mesmo disparates travestidos de opinião jurídica doutrinária. Desde da peixeira do Mercado de Olhão até ao mais educado especialista na ciência jurídica, todos tiveram o seu minuto de direito de antena. Mas que dizer de mais esta polémica associada aquele fastio processual também conhecido por caso Casa Pia?Em primeiro lugar, assume-se como particularmente interessante a pronta e generalizada exigência de demissão do Procurador Geral da República. Não nutro especial simpatia pela actuação de Souto Moura. Considero o seu estilo suspeito e, sim, também duvido das suas capacidades de liderança da Procuradoria Geral da República. Mas tenho as mais sérias dúvidas que outro qualquer, no seu lugar, tivesse evitado a fuga sucessiva de informações a que se vem assistindo no caso Casa Pia. A sociedade portuguesa caminha, aberta e rapidamente, para a tabloidização política. Cada vez mais se assiste a um progressivo agudizar do tom demagógico da retórica social vigente, contribuindo crescentemente para que a Res Pública se encontre progressivamente mais presa ao imediato e à superfície em detrimento da procura de soluções material e democraticamente consistentes que o País necessita. e é nesta sociedade do imediatamente escandaloso que o sucesso da política "tablóide" se impõe como contra face da generalização do acesso à informação. E aqui chegados, o "bombástico" ocupa o lugar do "rigor". E é no 'bombástico' que perigosamente respondem os instintos, em detrimento da Razão. Tudo isto para dizer que, no entender da ratazana que assina este blog de desinteressantes desinterias e devaneios, o imediato apelo à demissão do Procurador Geral da república acaba por roçar a Demagogia ao ser visceral e instintivo, em detrimento de uma certa razoabilidade que se impõe. De que serveria agora a demissão de Souto Moura? Para toda a sociedade considerar, num exercício algo catársico, que o Mal estava definitivamente expurgado e rapidamente esquecer-se o assunto? Não...nada disso!O Mal é muito mais profundo e passa, desde logo, pelo Sistema Processual Penal enquanto um todo. Num país onde se pode manter um cidadão sem culpa formada detido em prisão preventiva até um ano, sem que o seu advogado de defesa possa saber de que está o seu constituinte acusado (mas, pelos vistos e quando necessário, os jornais sabem); Onde, por falta de meios, o Ministério Público - dominus da fase de inquérito - demora uma eternidade a constituir processos básicos deixando arguidos a apodrecer em prisão preventiva que, na sua larga maioria, virão a ser absolvidos na fase de julgamento...será que nos devemos espantar perante as notícias vindas hoje a público? Penso, salvo melhor entendimento, que não. É, isso sim, o todo da arquitectura jurídica de Direitos, Liberdades e Garantias que falha quando o Estado, incapaz que é de colmatar as suas falhas, consegue suprimir direitos essenciais de um arguido e pôr em causa as mais básicas disposições garantísticas ao serviço do cidadão. E, neste ponto, devo dizer que foram, em meu entender, muito significativas as intervenções de hoje dos candidatos presidenciais: à excepção de Mário Soares, todos os restantes se preocuparam com o significado de "altas figuras do Estado terem sido controladas". Ora, como referiu o candidato presidencial socialista, a questão ultrapassa a barreira do controlo das figuras do Estado. O que verdadeiramente deve chocar é o facto de todo e qualquer cidadão poder ver a sua privacidade devassada de forma tão ligeira, passando para a sociedade uma certa ideia de impunidade e prepotência da Justiça. É que, como bem atenta o blog do amigo , parece que a malta política só se começou a interessar quando foram eles os devassados. E os outros cidadãos alvos atitudes objectivamente abusivas dos seus direitos? Serão, como diz o Dito Cujo, "reles criminosos" para os quais não valerá, ao contrário dos políticos, o princípio da presunção da inocência? De facto, um bom ponto a ter em conta...No entanto, não se entenda nas minhas palavras uma vontade de desdramatizar o controlo aparentemente efectuado a figuras de Estado. É particularmente preocupante pensarmos que o Sistema Democrático Português é frágil ao ponto de permitir tal devassa da vida privada das figuras de Estado. Já imaginaram, caríssimos leitores deste bocejante post de cortar os pulsos, as consequências de tão poderosa arma mal utilizada? É um risco objectivo de completa subversão da lógica democrática! Não obstante, cômputo final, entendo que deverá ser pedida a devida razoabilidade aos actores de mais esta telenovela da Justiça lusa. O problema está a montante: na deficiente política legislativa, na falta de cultura de garantia da cidadania pelos órgãos de estado e, acima de tudo, na inexistência de uma lógica cívica de exigência de perfeição nas opções propugnadas pelo Estado. Sem isto, caminhamos para a marginalidade...


Tenho andado o dia todo a pensar no que deveria pensar desta nova polémica lançada pelo 24 Horas. Confesso que li muitos jornais e muitos blogues e ouvi muito "especialistas". Em todos os sítios encontrei opiniões (pretensamente ou de facto) iluminadas, demagogias, excessos ou até mesmo disparates travestidos de opinião jurídica doutrinária. Desde da peixeira do Mercado de Olhão até ao mais educado especialista na ciência jurídica, todos tiveram o seu minuto de direito de antena. Mas que dizer de mais esta polémica associada aquele fastio processual também conhecido por caso Casa Pia?Em primeiro lugar, assume-se como particularmente interessante a pronta e generalizada exigência de demissão do Procurador Geral da República. Não nutro especial simpatia pela actuação de Souto Moura. Considero o seu estilo suspeito e, sim, também duvido das suas capacidades de liderança da Procuradoria Geral da República. Mas tenho as mais sérias dúvidas que outro qualquer, no seu lugar, tivesse evitado a fuga sucessiva de informações a que se vem assistindo no caso Casa Pia. A sociedade portuguesa caminha, aberta e rapidamente, para a tabloidização política. Cada vez mais se assiste a um progressivo agudizar do tom demagógico da retórica social vigente, contribuindo crescentemente para que a Res Pública se encontre progressivamente mais presa ao imediato e à superfície em detrimento da procura de soluções material e democraticamente consistentes que o País necessita. e é nesta sociedade do imediatamente escandaloso que o sucesso da política "tablóide" se impõe como contra face da generalização do acesso à informação. E aqui chegados, o "bombástico" ocupa o lugar do "rigor". E é no 'bombástico' que perigosamente respondem os instintos, em detrimento da Razão. Tudo isto para dizer que, no entender da ratazana que assina este blog de desinteressantes desinterias e devaneios, o imediato apelo à demissão do Procurador Geral da república acaba por roçar a Demagogia ao ser visceral e instintivo, em detrimento de uma certa razoabilidade que se impõe. De que serveria agora a demissão de Souto Moura? Para toda a sociedade considerar, num exercício algo catársico, que o Mal estava definitivamente expurgado e rapidamente esquecer-se o assunto? Não...nada disso!O Mal é muito mais profundo e passa, desde logo, pelo Sistema Processual Penal enquanto um todo. Num país onde se pode manter um cidadão sem culpa formada detido em prisão preventiva até um ano, sem que o seu advogado de defesa possa saber de que está o seu constituinte acusado (mas, pelos vistos e quando necessário, os jornais sabem); Onde, por falta de meios, o Ministério Público - dominus da fase de inquérito - demora uma eternidade a constituir processos básicos deixando arguidos a apodrecer em prisão preventiva que, na sua larga maioria, virão a ser absolvidos na fase de julgamento...será que nos devemos espantar perante as notícias vindas hoje a público? Penso, salvo melhor entendimento, que não. É, isso sim, o todo da arquitectura jurídica de Direitos, Liberdades e Garantias que falha quando o Estado, incapaz que é de colmatar as suas falhas, consegue suprimir direitos essenciais de um arguido e pôr em causa as mais básicas disposições garantísticas ao serviço do cidadão. E, neste ponto, devo dizer que foram, em meu entender, muito significativas as intervenções de hoje dos candidatos presidenciais: à excepção de Mário Soares, todos os restantes se preocuparam com o significado de "altas figuras do Estado terem sido controladas". Ora, como referiu o candidato presidencial socialista, a questão ultrapassa a barreira do controlo das figuras do Estado. O que verdadeiramente deve chocar é o facto de todo e qualquer cidadão poder ver a sua privacidade devassada de forma tão ligeira, passando para a sociedade uma certa ideia de impunidade e prepotência da Justiça. É que, como bem atenta o blog do amigo , parece que a malta política só se começou a interessar quando foram eles os devassados. E os outros cidadãos alvos atitudes objectivamente abusivas dos seus direitos? Serão, como diz o Dito Cujo, "reles criminosos" para os quais não valerá, ao contrário dos políticos, o princípio da presunção da inocência? De facto, um bom ponto a ter em conta...No entanto, não se entenda nas minhas palavras uma vontade de desdramatizar o controlo aparentemente efectuado a figuras de Estado. É particularmente preocupante pensarmos que o Sistema Democrático Português é frágil ao ponto de permitir tal devassa da vida privada das figuras de Estado. Já imaginaram, caríssimos leitores deste bocejante post de cortar os pulsos, as consequências de tão poderosa arma mal utilizada? É um risco objectivo de completa subversão da lógica democrática! Não obstante, cômputo final, entendo que deverá ser pedida a devida razoabilidade aos actores de mais esta telenovela da Justiça lusa. O problema está a montante: na deficiente política legislativa, na falta de cultura de garantia da cidadania pelos órgãos de estado e, acima de tudo, na inexistência de uma lógica cívica de exigência de perfeição nas opções propugnadas pelo Estado. Sem isto, caminhamos para a marginalidade...

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