Devaneios Desintéricos: Teodoro Obiang Nguema

21-01-2012
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Há pouco mais de um ano levantei, aqui no Devaneios, a questão de me parecer provável a adesão da Guiné Equatorial à CPLP. Porque, pelos vistos, a CPLP se prepara hoje para abrir as portas a um trucidário vale a pena republicar o que então aqui escrevi:«Por estes dias em que, de África e da presidência portuguesa do Conselho Europeu, o destaque parece ser - muito pelos esforços da poderosa imprensa britânica - o eventual convite ao trocidário Robert Mugabe para a Cimeira Euro-Africana de Lisboa, pouco espaço tem restado, na imprensa e nos blogues, para analisar o silencioso xadrez de Teodoro Obiang Nguema, ditador nas rédeas da Guiné Equatorial já há algumas dezenas de anos.
Este cavalheiro, cuja família vive na mais arrogante das riquezas num dos países com menor desenvolvimento de toda a África, é considerado pela Forbes o oitavo governante mais rico do mundo. A sua liderança começou em 1979 quando, através de um golpe de estado como tantos outros em terras africanas, depôs o então ditador, desde que o país obtivera a sua independência de Espanha, e seu tio Francisco Macias Nguema. Recorde-se que este território africano, originalmente descoberto e colonizado pela Coroa portuguesa, foi depois passado para a Coroa Espanhola através do Tratado de El Pardo, de 1778, na senda do qual Portugal e Espanha operaram algumas trocas de territórios da actual Guiné Equatorial e América do Sul.
Francisco Macias Nguema esmerava-se no terror. São conhecidas as suas torturas e execuções em massa no Estádio de Malabo, a capital do país, ao som de "Those were the days". Os que eventualmente sobrevivessem eram crucificados um atrás do outro nos quilómetros de estrada desde do estádio até ao Aeroporto de Malabo. À altura, o golpe do seu jovem sobrinho foi largamente e naturalmente aclamado. Todavia, cedo se fez notar que, dentro da família, eram mais as semelhanças que as diferenças. A pequenina Guiné Equatorial que Teodoro Nguema dirige é hoje o terceiro maior produtor de petróleo da África subsaariana, atrás apenas da poderosa Nigéria e da gigante Angola. O PIB per capita é, naturalmente, dos mais elevados de todo o continente. Contudo, confirmando a regra, mais de 95% do povo sobrevive com menos de um euro por dia. Neste país em que a tortura,a fraude e a corrupção imperam, não existe, claro está, imprensa livre: a única rádio privada é propriedade do filho do ditador. Estruturas básicas de saneamento ou de comunicação dentro do território não existem, para além de meia dúzia de estradas utilizadas pela comitiva de mais de 40 jipes lexus do presidente, sempre protegido por um pequeno, privado e autónomo (mas extremamente bem equipado) exército de mercenários marroquinos. Quase todo o dinheiro do petróleo tem sido recanalizado para contas privadas nos EUA em nome da família Nguema. Aliás, são os próprios documentos do Senado e do Departamento de Finanças norte americanos que relatam desvios de avultadas somas públicas efectuados com a ajuda do então Riggs Bank, uma poderosa instituição bancária com sede em Washington.O negócio do petróleo - cuja produção diária do país ascende a 350000 barris - é, quase exclusivamente, controlado pelas americanas Halliburton e Exxon Mobil. É, pois, natural que o trocidário executivo de Malabo seja visto com bons olhos em Washington, recebendo dos governos norte americanos, em particular do actual executivo de Bush, toda a simpatia que os cifrões exigem. A família Nguema tem aos seu serviço, por exemplo, um novíssimo Boeing 737/700 Business Jet, versão de alto luxo, que aquela construtora americana disponibiliza no mercado aeronáutico dos mais abastados. O mesmo avião, numa companhia normal, transportaria até 170 pessoas. Neste caso, Nguema e sua família têm-no só para si, numa decoração interna especial que não olhou a custos para proporcionar o melhor luxo em aeronáutica.As relações especiais não se ficam por aqui. Diz-se, é certo algures entre o mito e a verdade, que o Golpe de Estado pró Democracia que em 2004 tentou depor Nguema foi orquestrado e apoiado directamente pelos CNI - Centro Nacional de Inteligencia, ou seja, os serviços secretos espanhóis. Tal golpe apenas teria sido travado graças as informações contra golpe que Nguema obteve e que se diz terem sido fornecidas pela CIA, interessada que estaria na defesa do status quo norte americano.Fracassado o golpe, é certo que as relações entre Madrid e Malabo se deterioram ao ponto de Nguema acusar os "Espanhóis e seus amigos Europeus" de o tentarem afastar do poder para "roubarem de novo as riquezas da Guiné". Madrid, e mais recentemente Zapataero por seu turno, responderam dando cobertura e asilo político ao Governo democrático da Guiné Equatorial no Exílio, com assento justamente na capital espanhola.Há, no entanto, um governo europeu que é sempre simpático com Nguema e que este namora: nada mais nada menos que o português, com quem o trocidário ditador mantém contactos frequentes. Ainda há uns dias, no quadro de uma reunião informal com os representantes da CPLP que se deslocaram a Malabo, o ditador admitiu vir a estabelecer o português como língua oficial, de modo a aderir plenamente à CPLP. Para tanto, Nguema pediu às repúblicas de Angola, Portugal e Brasil que enviassem professores para que o português passe a ser ensinado. Tudo indica que a adesão será aceite na próxima cimeira da CPLP a ocorrer em Bissau, de 11 a 17 de Julho.Pergunta-se:Porque se aproxima uma ditadura cruel do Governo de Lisboa e da CPLP? Porque dará Sócrates, muito provavelmente, o seu beneplácito á adesão da Guiné Equatorial? Quem perde e, sobretudo, quem ganha com mais este silêncio conivente com um tirano?»


Há pouco mais de um ano levantei, aqui no Devaneios, a questão de me parecer provável a adesão da Guiné Equatorial à CPLP. Porque, pelos vistos, a CPLP se prepara hoje para abrir as portas a um trucidário vale a pena republicar o que então aqui escrevi:«Por estes dias em que, de África e da presidência portuguesa do Conselho Europeu, o destaque parece ser - muito pelos esforços da poderosa imprensa britânica - o eventual convite ao trocidário Robert Mugabe para a Cimeira Euro-Africana de Lisboa, pouco espaço tem restado, na imprensa e nos blogues, para analisar o silencioso xadrez de Teodoro Obiang Nguema, ditador nas rédeas da Guiné Equatorial já há algumas dezenas de anos.
Este cavalheiro, cuja família vive na mais arrogante das riquezas num dos países com menor desenvolvimento de toda a África, é considerado pela Forbes o oitavo governante mais rico do mundo. A sua liderança começou em 1979 quando, através de um golpe de estado como tantos outros em terras africanas, depôs o então ditador, desde que o país obtivera a sua independência de Espanha, e seu tio Francisco Macias Nguema. Recorde-se que este território africano, originalmente descoberto e colonizado pela Coroa portuguesa, foi depois passado para a Coroa Espanhola através do Tratado de El Pardo, de 1778, na senda do qual Portugal e Espanha operaram algumas trocas de territórios da actual Guiné Equatorial e América do Sul.
Francisco Macias Nguema esmerava-se no terror. São conhecidas as suas torturas e execuções em massa no Estádio de Malabo, a capital do país, ao som de "Those were the days". Os que eventualmente sobrevivessem eram crucificados um atrás do outro nos quilómetros de estrada desde do estádio até ao Aeroporto de Malabo. À altura, o golpe do seu jovem sobrinho foi largamente e naturalmente aclamado. Todavia, cedo se fez notar que, dentro da família, eram mais as semelhanças que as diferenças. A pequenina Guiné Equatorial que Teodoro Nguema dirige é hoje o terceiro maior produtor de petróleo da África subsaariana, atrás apenas da poderosa Nigéria e da gigante Angola. O PIB per capita é, naturalmente, dos mais elevados de todo o continente. Contudo, confirmando a regra, mais de 95% do povo sobrevive com menos de um euro por dia. Neste país em que a tortura,a fraude e a corrupção imperam, não existe, claro está, imprensa livre: a única rádio privada é propriedade do filho do ditador. Estruturas básicas de saneamento ou de comunicação dentro do território não existem, para além de meia dúzia de estradas utilizadas pela comitiva de mais de 40 jipes lexus do presidente, sempre protegido por um pequeno, privado e autónomo (mas extremamente bem equipado) exército de mercenários marroquinos. Quase todo o dinheiro do petróleo tem sido recanalizado para contas privadas nos EUA em nome da família Nguema. Aliás, são os próprios documentos do Senado e do Departamento de Finanças norte americanos que relatam desvios de avultadas somas públicas efectuados com a ajuda do então Riggs Bank, uma poderosa instituição bancária com sede em Washington.O negócio do petróleo - cuja produção diária do país ascende a 350000 barris - é, quase exclusivamente, controlado pelas americanas Halliburton e Exxon Mobil. É, pois, natural que o trocidário executivo de Malabo seja visto com bons olhos em Washington, recebendo dos governos norte americanos, em particular do actual executivo de Bush, toda a simpatia que os cifrões exigem. A família Nguema tem aos seu serviço, por exemplo, um novíssimo Boeing 737/700 Business Jet, versão de alto luxo, que aquela construtora americana disponibiliza no mercado aeronáutico dos mais abastados. O mesmo avião, numa companhia normal, transportaria até 170 pessoas. Neste caso, Nguema e sua família têm-no só para si, numa decoração interna especial que não olhou a custos para proporcionar o melhor luxo em aeronáutica.As relações especiais não se ficam por aqui. Diz-se, é certo algures entre o mito e a verdade, que o Golpe de Estado pró Democracia que em 2004 tentou depor Nguema foi orquestrado e apoiado directamente pelos CNI - Centro Nacional de Inteligencia, ou seja, os serviços secretos espanhóis. Tal golpe apenas teria sido travado graças as informações contra golpe que Nguema obteve e que se diz terem sido fornecidas pela CIA, interessada que estaria na defesa do status quo norte americano.Fracassado o golpe, é certo que as relações entre Madrid e Malabo se deterioram ao ponto de Nguema acusar os "Espanhóis e seus amigos Europeus" de o tentarem afastar do poder para "roubarem de novo as riquezas da Guiné". Madrid, e mais recentemente Zapataero por seu turno, responderam dando cobertura e asilo político ao Governo democrático da Guiné Equatorial no Exílio, com assento justamente na capital espanhola.Há, no entanto, um governo europeu que é sempre simpático com Nguema e que este namora: nada mais nada menos que o português, com quem o trocidário ditador mantém contactos frequentes. Ainda há uns dias, no quadro de uma reunião informal com os representantes da CPLP que se deslocaram a Malabo, o ditador admitiu vir a estabelecer o português como língua oficial, de modo a aderir plenamente à CPLP. Para tanto, Nguema pediu às repúblicas de Angola, Portugal e Brasil que enviassem professores para que o português passe a ser ensinado. Tudo indica que a adesão será aceite na próxima cimeira da CPLP a ocorrer em Bissau, de 11 a 17 de Julho.Pergunta-se:Porque se aproxima uma ditadura cruel do Governo de Lisboa e da CPLP? Porque dará Sócrates, muito provavelmente, o seu beneplácito á adesão da Guiné Equatorial? Quem perde e, sobretudo, quem ganha com mais este silêncio conivente com um tirano?»

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