Devaneios Desintéricos: bloco central, pactos de regime, cooperações estratégicas, estabilidades dinâmicas e outros apelos ao silêncio

20-01-2012
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João Cravinho, deputado do PS, veio hoje proferir os seguintes dizeres:
«A solução de Bloco Central não tem muita coisa que a recomende. Perante a crise, o problema pode vir a tornar-se praticamente inevitável(...)o mais provável é que, de facto, se caminhe para um Governo PS-PSD, em função da necessidade de estabelecer uma política de ataque e de reacção à crise muito forte» Eis-nos chegados àquilo que, de mansinho, se vem instalando na sociedade portuguesa. O consenso. Faltava só mesmo a crise para o consagrar. Cavaco Silva vem, aliás, dando o mote há anos, da sua boca saíndo toda uma panóplia de sinónimos para o silêncio que deseja: de "cooperação estratégica" à "estabilidade dinâmica", dos "pactos de regime" ao repúdio constante por tudo aquilo que traga debate à sociedade portuguesa. Ora, é por todos sabido - aliás, como incessantemente tenho escrito neste Devaneios - que o sacro caminho para a Felicidade Plena do País, visto de Belém, não comporta qualquer cisão. Nem qualquer diferenciamento, opiniões alternativas ou altercações. É preciso, contudo, tornar evidente o caciquismo político que este posicionamento presidencial denuncia.Em primeiro lugar, diga-se que o dito caciquismo político tem muito da pesada influência salazarista de décadas de ditadura mas é, saibamos reconhecer, bem anterior a isso. Nota-se, por exemplo, em Eça de Queirós ou Júlio Dinis. Existe, é certo, uma desconfiança constante transversal à sociedade portuguesa face ao aparelho político e à necessidade de discórdia, dissonância e debate. Em sua "Carta aos Eleitores do Círculo de Cintra" de 1858, Alexandre Herculano formula numerosíssimas críticas aos partidos e, por extensão, ao Estado liberal, evidenciando a sua desconfiança pelo sistema partidário. Por outro lado, autores como António de Serpa Pimentel (Questões de Política Positiva, 1881) ou Augusto Fuschini (O Presente e o Futuro de Portugal - 1899) atentaram recorrentemente na ausência de uma base cultural propícia ao desenvolvimento das verdadeiras instituições liberais, denunciando não raras vezes a corrupção política do aparelho político dos partidos que se sucediam no Poder.É certo que poderá ser dito que estes eram tempos singulares, de uma particularidade histórica evidente; Mas, não será menos rigoroso considerar que neste primórdios reside grande parte da origem da actual desconfiança no sistema partidário.O Salazarismo soube, tão-simplesmente, compreender e sintetizar essa desconfiança, promovendo o consenso e a mansidão como essenciais a uma determinada visão de Patriotismo. O repúdio popular pela sucessão política e a diferenciação dogmática é evidente. São recorrentes as vozs públicas que, na rua, acreditam ser "impossivel governar um país que muda de politicas em cada 8 anos, porque de cada vez que chega um novo governo destrói-se o que está feito pelo seu antecessor".É neste contexto que a actual Sociedade Portuguesa parece ainda pronta a deixar-se seduzir pela política do Silêncio. A classe política é vista como incompetente (não obstante poder, de facto, sê-lo) o que, aliado à circunstância de, na percepção pública, "raramente se entenderem uns com os outros", poderá ser tremendamente perigoso e lesivo da salubridade democrática. Aqui chegados, a linguagem da crise constantemente utilizada fará percorrer os trilhos ainda necessários para que as conclusões que alguns parecem tomar se tornem evidentes para todos: não precisamos de dissonância; "A crise" justifica "a responsabilidade de esses senhores se entenderem e governarem juntos", dando-se assim por adquirido a necessidade dos consensos em face da sugestão terrível do pesadelo, da vertigem, do declínio da Nação em face da crise. Algo que, nesta lógica, o verdadeiro patriota procurará evitar. É, convenhamos, Appeasement pelo Medo.Junte-se à defesa desta solução os usuais beneficiários do Clientelismo do Regime, e aí temos o advento dos Consensos bafientos e acríticos, como todos aqueles que estão na base das inércias, atrasos e subdesenvolvimentos endémicos deste país.


João Cravinho, deputado do PS, veio hoje proferir os seguintes dizeres:
«A solução de Bloco Central não tem muita coisa que a recomende. Perante a crise, o problema pode vir a tornar-se praticamente inevitável(...)o mais provável é que, de facto, se caminhe para um Governo PS-PSD, em função da necessidade de estabelecer uma política de ataque e de reacção à crise muito forte» Eis-nos chegados àquilo que, de mansinho, se vem instalando na sociedade portuguesa. O consenso. Faltava só mesmo a crise para o consagrar. Cavaco Silva vem, aliás, dando o mote há anos, da sua boca saíndo toda uma panóplia de sinónimos para o silêncio que deseja: de "cooperação estratégica" à "estabilidade dinâmica", dos "pactos de regime" ao repúdio constante por tudo aquilo que traga debate à sociedade portuguesa. Ora, é por todos sabido - aliás, como incessantemente tenho escrito neste Devaneios - que o sacro caminho para a Felicidade Plena do País, visto de Belém, não comporta qualquer cisão. Nem qualquer diferenciamento, opiniões alternativas ou altercações. É preciso, contudo, tornar evidente o caciquismo político que este posicionamento presidencial denuncia.Em primeiro lugar, diga-se que o dito caciquismo político tem muito da pesada influência salazarista de décadas de ditadura mas é, saibamos reconhecer, bem anterior a isso. Nota-se, por exemplo, em Eça de Queirós ou Júlio Dinis. Existe, é certo, uma desconfiança constante transversal à sociedade portuguesa face ao aparelho político e à necessidade de discórdia, dissonância e debate. Em sua "Carta aos Eleitores do Círculo de Cintra" de 1858, Alexandre Herculano formula numerosíssimas críticas aos partidos e, por extensão, ao Estado liberal, evidenciando a sua desconfiança pelo sistema partidário. Por outro lado, autores como António de Serpa Pimentel (Questões de Política Positiva, 1881) ou Augusto Fuschini (O Presente e o Futuro de Portugal - 1899) atentaram recorrentemente na ausência de uma base cultural propícia ao desenvolvimento das verdadeiras instituições liberais, denunciando não raras vezes a corrupção política do aparelho político dos partidos que se sucediam no Poder.É certo que poderá ser dito que estes eram tempos singulares, de uma particularidade histórica evidente; Mas, não será menos rigoroso considerar que neste primórdios reside grande parte da origem da actual desconfiança no sistema partidário.O Salazarismo soube, tão-simplesmente, compreender e sintetizar essa desconfiança, promovendo o consenso e a mansidão como essenciais a uma determinada visão de Patriotismo. O repúdio popular pela sucessão política e a diferenciação dogmática é evidente. São recorrentes as vozs públicas que, na rua, acreditam ser "impossivel governar um país que muda de politicas em cada 8 anos, porque de cada vez que chega um novo governo destrói-se o que está feito pelo seu antecessor".É neste contexto que a actual Sociedade Portuguesa parece ainda pronta a deixar-se seduzir pela política do Silêncio. A classe política é vista como incompetente (não obstante poder, de facto, sê-lo) o que, aliado à circunstância de, na percepção pública, "raramente se entenderem uns com os outros", poderá ser tremendamente perigoso e lesivo da salubridade democrática. Aqui chegados, a linguagem da crise constantemente utilizada fará percorrer os trilhos ainda necessários para que as conclusões que alguns parecem tomar se tornem evidentes para todos: não precisamos de dissonância; "A crise" justifica "a responsabilidade de esses senhores se entenderem e governarem juntos", dando-se assim por adquirido a necessidade dos consensos em face da sugestão terrível do pesadelo, da vertigem, do declínio da Nação em face da crise. Algo que, nesta lógica, o verdadeiro patriota procurará evitar. É, convenhamos, Appeasement pelo Medo.Junte-se à defesa desta solução os usuais beneficiários do Clientelismo do Regime, e aí temos o advento dos Consensos bafientos e acríticos, como todos aqueles que estão na base das inércias, atrasos e subdesenvolvimentos endémicos deste país.

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