Devaneios Desintéricos: os suíços, a Convenção de Genebra e as almádenas

20-01-2012
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Langenthal é uma pequena cidade de cerca de 14000 habitantes, situada no cantão de Berna, a cerca de uma hora de caminho de Zürich. Em pleno coração de uma das zonas economicamente mais férteis da Suíça (o chamado mitteland), a pequena urbe especializou-se na produção industrial de maquinaria pesada, sobretudo no ramo automóvel. A vida, naquelas bandas, corre calma, à velocidade tipicamente helvética: sem sobressaltos nem grandes aborrecimentos, com um nível de vida suíço e com um cordial ambiente entre a população. "Grözi" é o cumprimento típico da língua suíça alemã com que todo e qualquer indivíduo da cidade se cumprimenta, mesma não se conhecendo. Naturalmente, onde abunda o trabalho e a vida materialmente desafogada surgirão imigrantes interessados em partilhar das condições de vida, quase sem paralelo, que esta Suíça ainda oferece. Uma vez que cidades como Genebra ou Zürich se encontram já com níveis de estrangeiros superiores a 25%, os imigrantes começaram a espalhar-se pelo restante território suíço. Assim foi com a nossa pequena Langenthal, que viu em relativamente pouco tempo formar-se uma grande comunidade de imigrantes de países de matriz islâmica.Acontece que, aqui há umas semanas atrás, surgiu um sobressalto nesta outrora pacata pequena cidade pré-alpina.A comunidade islâmica, já bastante numerosa, entende que não deve continuar a prosseguir o seu Credo escondida, num qualquer pátio das traseiras de uma mesquita improvisada. Assim, e em concordância, resolveu apresentar à aprovação das autoridades locais um projecto para a construção de uma almádena. A população local indignou-se e, seguindo a tradição de democracia directa helvética, decidiu apresentar um abaixo assinado com milhares de assinaturas. Agitou-se o fantasma do extremismo islâmico à porta de casa. Sucederam-se entrevistas a cidadãos anónimos, preocupados com criminalidade, terrorismo. Ou, pura e simplesmente, preocupados com detalhes arquitectónicos: é que "não faz propriamente parte da paisagem tradicional alpina ver-se uma torre islâmica" onde, cinco vezes ao dia, o almuadem, herdeiro da tarefa confiada ao escravo Bilal por Maomé, chamará os crentes à oração.O Schweizerische Volkspartei SVP, partido de extrema direita que nas últimas eleições conseguiu eleger o sinistro Christoph Blocher para Conselheiro Federal da Justiça (uma espécie de Ministro da Justiça), aproveitou o sucedido em Langenthal para capitalizar a seu favor o descontentamento generalizado contra os estrangeiros.Por tudo isto muito se falou, nos últimos dias, da dita pequena cidade pré alpina. Num referendo em que participei, que teve hoje o seu dia final de votação, o Povo suíço decidiu-se (68%!!), depois de uma intensa campanha xenófoba e demagógica do Schweizerische Volkspartei SVP, pela adopção de uma nova e endurecida Lei de Estrangeiros assim como por uma nova, e também musculada, Lei do Asilo.Agora, o ordenamento suíço passa a prever a possibilidade de um qualquer estrangeiro a quem tenha sido negado o asilo político poder ficar detido até 2 anos à espera de uma decisão sobre o seu futuro. E para se ser recusado como candidato a asilo basta que não se tenha todos os papéis oficiais em dia o que, convenhamos, para um foragido, por exemplo, não é propriamente das coisas mais fáceis.Tudo isto aocmpanhado pela redução abrupta, senão mesmo corte, das prestações sociais aos candidatos.Christoph Blocher rejubila e congratula-se pela "maturidade democrática do Povo helvético".A Amnistia Internacional fala de um dos maiores atentados à dignidade humana por parte de uma Democracia.O Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas avisou Berna que a Suíça poderá estar a desrespeitar...a Convenção de Genebra.Nisto tudo, recolho o paupérrimo contentamento de a Extrema Direita me ter considerado democraticamente imaturo ao me juntar aos pouco mais de 30% de suíços que recusaram esta vergonha. Tenebrosos tempos...


Langenthal é uma pequena cidade de cerca de 14000 habitantes, situada no cantão de Berna, a cerca de uma hora de caminho de Zürich. Em pleno coração de uma das zonas economicamente mais férteis da Suíça (o chamado mitteland), a pequena urbe especializou-se na produção industrial de maquinaria pesada, sobretudo no ramo automóvel. A vida, naquelas bandas, corre calma, à velocidade tipicamente helvética: sem sobressaltos nem grandes aborrecimentos, com um nível de vida suíço e com um cordial ambiente entre a população. "Grözi" é o cumprimento típico da língua suíça alemã com que todo e qualquer indivíduo da cidade se cumprimenta, mesma não se conhecendo. Naturalmente, onde abunda o trabalho e a vida materialmente desafogada surgirão imigrantes interessados em partilhar das condições de vida, quase sem paralelo, que esta Suíça ainda oferece. Uma vez que cidades como Genebra ou Zürich se encontram já com níveis de estrangeiros superiores a 25%, os imigrantes começaram a espalhar-se pelo restante território suíço. Assim foi com a nossa pequena Langenthal, que viu em relativamente pouco tempo formar-se uma grande comunidade de imigrantes de países de matriz islâmica.Acontece que, aqui há umas semanas atrás, surgiu um sobressalto nesta outrora pacata pequena cidade pré-alpina.A comunidade islâmica, já bastante numerosa, entende que não deve continuar a prosseguir o seu Credo escondida, num qualquer pátio das traseiras de uma mesquita improvisada. Assim, e em concordância, resolveu apresentar à aprovação das autoridades locais um projecto para a construção de uma almádena. A população local indignou-se e, seguindo a tradição de democracia directa helvética, decidiu apresentar um abaixo assinado com milhares de assinaturas. Agitou-se o fantasma do extremismo islâmico à porta de casa. Sucederam-se entrevistas a cidadãos anónimos, preocupados com criminalidade, terrorismo. Ou, pura e simplesmente, preocupados com detalhes arquitectónicos: é que "não faz propriamente parte da paisagem tradicional alpina ver-se uma torre islâmica" onde, cinco vezes ao dia, o almuadem, herdeiro da tarefa confiada ao escravo Bilal por Maomé, chamará os crentes à oração.O Schweizerische Volkspartei SVP, partido de extrema direita que nas últimas eleições conseguiu eleger o sinistro Christoph Blocher para Conselheiro Federal da Justiça (uma espécie de Ministro da Justiça), aproveitou o sucedido em Langenthal para capitalizar a seu favor o descontentamento generalizado contra os estrangeiros.Por tudo isto muito se falou, nos últimos dias, da dita pequena cidade pré alpina. Num referendo em que participei, que teve hoje o seu dia final de votação, o Povo suíço decidiu-se (68%!!), depois de uma intensa campanha xenófoba e demagógica do Schweizerische Volkspartei SVP, pela adopção de uma nova e endurecida Lei de Estrangeiros assim como por uma nova, e também musculada, Lei do Asilo.Agora, o ordenamento suíço passa a prever a possibilidade de um qualquer estrangeiro a quem tenha sido negado o asilo político poder ficar detido até 2 anos à espera de uma decisão sobre o seu futuro. E para se ser recusado como candidato a asilo basta que não se tenha todos os papéis oficiais em dia o que, convenhamos, para um foragido, por exemplo, não é propriamente das coisas mais fáceis.Tudo isto aocmpanhado pela redução abrupta, senão mesmo corte, das prestações sociais aos candidatos.Christoph Blocher rejubila e congratula-se pela "maturidade democrática do Povo helvético".A Amnistia Internacional fala de um dos maiores atentados à dignidade humana por parte de uma Democracia.O Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas avisou Berna que a Suíça poderá estar a desrespeitar...a Convenção de Genebra.Nisto tudo, recolho o paupérrimo contentamento de a Extrema Direita me ter considerado democraticamente imaturo ao me juntar aos pouco mais de 30% de suíços que recusaram esta vergonha. Tenebrosos tempos...

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