Devaneios Desintéricos: Partout où nécessité fait loi

21-01-2012
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Onde quer que a necessidade seja lei. É este o lema da DGSE - Direction Générale de la Sécurite Extérieure - os serviços secretos da República Francesa que, poucos saberão, foi responsável pelo assassinato do fotógrafo português Fernando Pereira, a 10 de Julho de 1985, num ataque à bomba ao navio Rainbow Warrior, da Greenpeace, à altura fundeado no porto de Auckland, Nova Zelândia. O episódio constitui, ainda hoje, um dos pontos fortes de polémica da discussão política neozelandesa, tendo sido responsável por muito da tradição não alinhada e anti nuclear daquele país do Pacífico sul. O navio em causa, baptizado Rainbow Warrior em honra à profecia nativa norte americana que diz que quando o mundo estiver doente, moribundo, as pessoas levantar-se-ão para o defender como guerreiros do Arco Íris, estava, desde o início de 1985, a navegar pelas águas do Pacífico em campanha anti-nuclear. Havia já passado pelas Ilhas Marshall, onde evacuou ilheus que lá habitavam já infectados com altos níveis cancerígenos em consequência dos testes nucleares das forças militares dos EUA. Posteriormente, navegou para Sul rumo às àguas territoriais da Nova Zelândia, à altura no centro de uma guerra fria (quase quente, aliás) com os EUA e Austrália por ter proibido a energia nuclear em seu território e, consequentemente, inviabilizado qualquer passagem militar norteamericana pelas suas àguas. Governada, então, pelo primeiro ministro David Lange, a população kiwi - conhecida ainda hoje pela sua tradição pacifista- acolheu de braços abertos a chegada do Rainbow Warrior ao porto de Auckland. O contexto era de agitação sócio política naquela zona do globo uma vez que o Commissariat à l'Énergie Atomique procurava, então, desenvolver novas ogivas nucleares, que assentavam num sistema de lançamento de base submarina: as famosas M4. Para tanto, o Governo de Paris pretendia testá-las no Atol de Moruroa, na Polinésia Francesa, o que motivou o protesto do Governo de Wellington assim como, naturalmente, aquele da Greenpeace. Esta última organizou, à altura, uma frota de veleiros e iates privados que, liderados pelo Rainbow Warrior, navegariam até Moruroa em protesto. Aproveitando a escala em Auckland, os agentes secretos da DGSE armadilharam o navio, afundando-o em apenas 4 minutos. Com ele, soçobrou o português Fernando Pereira. Não obstante Paris se ter apressado a condenar "veementemente" o "ataque terrorista a uma ONG indefesa", o que se seguiu foi um dos maiores sarilhos diplomáticos da História Francesa em que, estranhamente, Lisboa não se envolveu. A Polícia Neozelandesa, numa investigação brilhante, descobriu que o dito acto terrorista havia sido ordenado pelo próprio Governo Francês, conseguindo ainda capturar os dois agentes secretos responsáveis: Alain Mafart e Dominique Prieur. A opinião pública neozelandesa agitou-se em raiva, exigindo o corte de relações diplomáticas com Paris. O protesto formal de Wellington nas Nações Unidas, foi acompanhado e ampliado pelo eco de investigações de grandes jornais mundiais como o Le Monde e o The Times, que concluíram que a ordem havia sido dada directamente pelo próprio presidente François Mitterrand. Na vã tentativa de acalmar as opiniões públicas, as chefias militares e o ministro da Defesa francês Charles Hernu foram demitidos. Tudo isto não bastou, tendo o primeiro ministro Laurent Fabius sido obrigado a, reconhecendo a sua anterior mentira, admitir o envolvimento francês. Na recente comemoração dos 20 anos do sucedido, a República Francesa admitiu oficialmente ter sido uma ordem directa do Presidente e do Primeiro Ministro. Os testes nucleares, esses, foram evitados e a Nova Zelândia passou a assumir, quase como ícone nacional, uma política pacifista orgulhosamente anti nuclear. Há uns dias atrás, o Supremo Tribunal de Justiça da Nova Zelândia, depois de um longo processo judicial, autorizou, neste acórdão, que a emissora televisiva estatal TVNZ transmita um docmentário sobre o vigésimo aniversário do ataque ao Rainbow Warrior, no qual se incluem as gravações da confissão judicial dos agentes acusados, julgados, considerados culpados e condenados a prisão efectiva. Os juízes do Supremo neozelandês advogam a "necessidade presente, dado o momento actual das relações internacionais, de dar a conhecer à população os perigos de um Mundo feito de tensões nucleares". Semelhante pedagogia e activismo judicial não podiam vir em melhor altura.


Onde quer que a necessidade seja lei. É este o lema da DGSE - Direction Générale de la Sécurite Extérieure - os serviços secretos da República Francesa que, poucos saberão, foi responsável pelo assassinato do fotógrafo português Fernando Pereira, a 10 de Julho de 1985, num ataque à bomba ao navio Rainbow Warrior, da Greenpeace, à altura fundeado no porto de Auckland, Nova Zelândia. O episódio constitui, ainda hoje, um dos pontos fortes de polémica da discussão política neozelandesa, tendo sido responsável por muito da tradição não alinhada e anti nuclear daquele país do Pacífico sul. O navio em causa, baptizado Rainbow Warrior em honra à profecia nativa norte americana que diz que quando o mundo estiver doente, moribundo, as pessoas levantar-se-ão para o defender como guerreiros do Arco Íris, estava, desde o início de 1985, a navegar pelas águas do Pacífico em campanha anti-nuclear. Havia já passado pelas Ilhas Marshall, onde evacuou ilheus que lá habitavam já infectados com altos níveis cancerígenos em consequência dos testes nucleares das forças militares dos EUA. Posteriormente, navegou para Sul rumo às àguas territoriais da Nova Zelândia, à altura no centro de uma guerra fria (quase quente, aliás) com os EUA e Austrália por ter proibido a energia nuclear em seu território e, consequentemente, inviabilizado qualquer passagem militar norteamericana pelas suas àguas. Governada, então, pelo primeiro ministro David Lange, a população kiwi - conhecida ainda hoje pela sua tradição pacifista- acolheu de braços abertos a chegada do Rainbow Warrior ao porto de Auckland. O contexto era de agitação sócio política naquela zona do globo uma vez que o Commissariat à l'Énergie Atomique procurava, então, desenvolver novas ogivas nucleares, que assentavam num sistema de lançamento de base submarina: as famosas M4. Para tanto, o Governo de Paris pretendia testá-las no Atol de Moruroa, na Polinésia Francesa, o que motivou o protesto do Governo de Wellington assim como, naturalmente, aquele da Greenpeace. Esta última organizou, à altura, uma frota de veleiros e iates privados que, liderados pelo Rainbow Warrior, navegariam até Moruroa em protesto. Aproveitando a escala em Auckland, os agentes secretos da DGSE armadilharam o navio, afundando-o em apenas 4 minutos. Com ele, soçobrou o português Fernando Pereira. Não obstante Paris se ter apressado a condenar "veementemente" o "ataque terrorista a uma ONG indefesa", o que se seguiu foi um dos maiores sarilhos diplomáticos da História Francesa em que, estranhamente, Lisboa não se envolveu. A Polícia Neozelandesa, numa investigação brilhante, descobriu que o dito acto terrorista havia sido ordenado pelo próprio Governo Francês, conseguindo ainda capturar os dois agentes secretos responsáveis: Alain Mafart e Dominique Prieur. A opinião pública neozelandesa agitou-se em raiva, exigindo o corte de relações diplomáticas com Paris. O protesto formal de Wellington nas Nações Unidas, foi acompanhado e ampliado pelo eco de investigações de grandes jornais mundiais como o Le Monde e o The Times, que concluíram que a ordem havia sido dada directamente pelo próprio presidente François Mitterrand. Na vã tentativa de acalmar as opiniões públicas, as chefias militares e o ministro da Defesa francês Charles Hernu foram demitidos. Tudo isto não bastou, tendo o primeiro ministro Laurent Fabius sido obrigado a, reconhecendo a sua anterior mentira, admitir o envolvimento francês. Na recente comemoração dos 20 anos do sucedido, a República Francesa admitiu oficialmente ter sido uma ordem directa do Presidente e do Primeiro Ministro. Os testes nucleares, esses, foram evitados e a Nova Zelândia passou a assumir, quase como ícone nacional, uma política pacifista orgulhosamente anti nuclear. Há uns dias atrás, o Supremo Tribunal de Justiça da Nova Zelândia, depois de um longo processo judicial, autorizou, neste acórdão, que a emissora televisiva estatal TVNZ transmita um docmentário sobre o vigésimo aniversário do ataque ao Rainbow Warrior, no qual se incluem as gravações da confissão judicial dos agentes acusados, julgados, considerados culpados e condenados a prisão efectiva. Os juízes do Supremo neozelandês advogam a "necessidade presente, dado o momento actual das relações internacionais, de dar a conhecer à população os perigos de um Mundo feito de tensões nucleares". Semelhante pedagogia e activismo judicial não podiam vir em melhor altura.

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