Devaneios Desintéricos: a memória histórica espanhola

20-01-2012
marcar artigo

Um caro leitor, e vizinho blogger, cujo nome/blog não revelarei por respeito àquilo que me pareceu ser a sua solicitação implícita, endereçou-me uma interessante questão através do e-mail do Devaneios:«(...)Em vários posts apelidou os irmãos Kaczynski de anti-democráticos (que o são em muitos aspectos) e de fazerem um caça às bruxas aos antigos colaboradores do regime comunista. Por isso acho pertinente perguntar se acha que esta acção patrocinada pelo governo espanhol deverá ir adiante ou deveria ainda ser mais forte ou, por outro lado, considera que será uma caça às bruxas?(...)» Em resposta, atentemos em alguns dos artigos da proposta de lei hoje aprovada, publicada na série A do Boletim Oficial das Cortes Gerais - Congresso dos Deputados, de 8 de Setembro de 2007:
Artículo 1. Objeto de la Ley.
La presente Ley tiene por objeto reconocer y ampliar derechos en favor de quienes padecieron persecución o violencia, por razones políticas o ideológicas, durante la Guerra Civil y la Dictadura, promover su reparación moral y la recuperación de su memoria personal y familiar, y adoptar medidas complementarias destinadas a suprimir elementos de división entre los ciudadanos, todo ello con el fin de fomentar la cohesión y solidaridad entre las diversas generaciones de españoles en torno a los principios, valores y libertades constitucionales.
Artículo 2. Reconocimiento general.
1. Como expresión del derecho de todos los ciudadanos a la reparación de su memoria personal y familiar, se reconoce y declara el carácter injusto de las condenas, sanciones y cualquier forma de violencia personal producidas, por razones políticas o ideológicas, durante la Guerra Civil, cualquiera que fuera el bando o la zona en la que se encontraran quienes las padecieron, así como las sufridas por las mismas causas durante la Dictadura que, a su término, se prolongó hasta 1975.
2. Las razones políticas o ideológicas a que se refiere el apartado anterior incluyen la pertenencia o colaboración con partidos políticos, sindicatos, organizaciones religiosas o militares, minorías étnicas, sociedades secretas, logias masónicas y grupos de resistencia, así como el ejercicio de conductas vinculadas con opciones culturales, lingüísticas o de orientación sexual.
Assentes estes dois artigos iniciais, cuja leitura aconselho acompanhada da exposição de motivos do diploma, temos assaz nítida a vontade do legislador espanhol. Procura-se, antes de mais e acima de tudo, a reparação de todos aqueles que sofreram qualquer forma de violência, por razões políticas ou ideológicas, durante a Guerra Civil. Repare-se a tónica colocada pela letra da lei, não na delimitação ou beneficiação de qualquer grupo ideológico ou facção, mas sim de todos aqueles que sofreram qualquer forma de violência em resultado de opções ideológicas ou políticas.A lei faz, é certo, uma condenação do Franquismo. Mas isso, per si, não constitui nada de novo nem tão pouco está (ou deveria estar) sujeito a qualquer dúvida: fê-lo o próprio Congresso Espanhol, em 2002, quando nele mandava o PP, em que ainda militam tantas simpatias e saudosismos do Franquismo; fê-lo o Conselho da Europa em 2006, em nome de todo um património e adquirido humanitário.A lei faz um esforço de higienização do espaço público. Isso não é normal em todos os sistemas políticos que se operou uma transição de regime? Leningrado voltou a ser são Petersburgo, Estalinegrado passou a Volgogrado e a Ponte Salazar passou, e bem, a Ponte 25 de Abril.O diploma prevê uma indemnização a todos os que, em luta pelo Regime Democrático, perderam a sua vida. A Democracia é um valor supremo no presente adquirido humanitário. Louvar quem, por ela, deu a vida não deveria ser matéria controvertida.Posto isto, porque aceito a lei da memória histórica espanhola e tanto critiquei a Lei da Lustração polaca? Na senda daquilo que o próprio Tribunal Constitucional polaco afirmou aquando da declaração de inconstitucionalidade da Lei da Lustração, o que o então executivo de Varsóvia procurava era, não a responsabilização objectiva e pessoal de determinado indivíduo pela sua colaboração com o regime ditatorial, mas sim uma punição revanchista de toda uma comunidade ideológica. Mais ainda, a lei revestia-se de perigosíssimos detalhes proto totalitários ao criar, administrativamente, uma lista de cidadãos com credos políticos dissonentes daqueles do governo polaco. Mais, a não colaboração implicava a expulsão da função pública durante 10 anos. Seria, sejamos claros, uma perigosíssima machadada na liberdade de pensamento.A Lei da Memória Histórica espanhola é totalmente diferente. Aqui, não se ataca a voz política dissonante. Reconhece-se, nas palavras da própria lei, o sofrimento de todos aqueles vítimas de qualquer violência por razões políticas ou ideológicas. À Esquerda e à Direita. Premeia-se, tão somente, quem lutou por valores universais.PS: Ainda sobre Espanha e o Franquismo, no Devaneios:O espectro Franquista da Espanha do séc XXIerradicando as résteas do franquismoerradicando as résteas do franquismo #2

Um caro leitor, e vizinho blogger, cujo nome/blog não revelarei por respeito àquilo que me pareceu ser a sua solicitação implícita, endereçou-me uma interessante questão através do e-mail do Devaneios:«(...)Em vários posts apelidou os irmãos Kaczynski de anti-democráticos (que o são em muitos aspectos) e de fazerem um caça às bruxas aos antigos colaboradores do regime comunista. Por isso acho pertinente perguntar se acha que esta acção patrocinada pelo governo espanhol deverá ir adiante ou deveria ainda ser mais forte ou, por outro lado, considera que será uma caça às bruxas?(...)» Em resposta, atentemos em alguns dos artigos da proposta de lei hoje aprovada, publicada na série A do Boletim Oficial das Cortes Gerais - Congresso dos Deputados, de 8 de Setembro de 2007:
Artículo 1. Objeto de la Ley.
La presente Ley tiene por objeto reconocer y ampliar derechos en favor de quienes padecieron persecución o violencia, por razones políticas o ideológicas, durante la Guerra Civil y la Dictadura, promover su reparación moral y la recuperación de su memoria personal y familiar, y adoptar medidas complementarias destinadas a suprimir elementos de división entre los ciudadanos, todo ello con el fin de fomentar la cohesión y solidaridad entre las diversas generaciones de españoles en torno a los principios, valores y libertades constitucionales.
Artículo 2. Reconocimiento general.
1. Como expresión del derecho de todos los ciudadanos a la reparación de su memoria personal y familiar, se reconoce y declara el carácter injusto de las condenas, sanciones y cualquier forma de violencia personal producidas, por razones políticas o ideológicas, durante la Guerra Civil, cualquiera que fuera el bando o la zona en la que se encontraran quienes las padecieron, así como las sufridas por las mismas causas durante la Dictadura que, a su término, se prolongó hasta 1975.
2. Las razones políticas o ideológicas a que se refiere el apartado anterior incluyen la pertenencia o colaboración con partidos políticos, sindicatos, organizaciones religiosas o militares, minorías étnicas, sociedades secretas, logias masónicas y grupos de resistencia, así como el ejercicio de conductas vinculadas con opciones culturales, lingüísticas o de orientación sexual.
Assentes estes dois artigos iniciais, cuja leitura aconselho acompanhada da exposição de motivos do diploma, temos assaz nítida a vontade do legislador espanhol. Procura-se, antes de mais e acima de tudo, a reparação de todos aqueles que sofreram qualquer forma de violência, por razões políticas ou ideológicas, durante a Guerra Civil. Repare-se a tónica colocada pela letra da lei, não na delimitação ou beneficiação de qualquer grupo ideológico ou facção, mas sim de todos aqueles que sofreram qualquer forma de violência em resultado de opções ideológicas ou políticas.A lei faz, é certo, uma condenação do Franquismo. Mas isso, per si, não constitui nada de novo nem tão pouco está (ou deveria estar) sujeito a qualquer dúvida: fê-lo o próprio Congresso Espanhol, em 2002, quando nele mandava o PP, em que ainda militam tantas simpatias e saudosismos do Franquismo; fê-lo o Conselho da Europa em 2006, em nome de todo um património e adquirido humanitário.A lei faz um esforço de higienização do espaço público. Isso não é normal em todos os sistemas políticos que se operou uma transição de regime? Leningrado voltou a ser são Petersburgo, Estalinegrado passou a Volgogrado e a Ponte Salazar passou, e bem, a Ponte 25 de Abril.O diploma prevê uma indemnização a todos os que, em luta pelo Regime Democrático, perderam a sua vida. A Democracia é um valor supremo no presente adquirido humanitário. Louvar quem, por ela, deu a vida não deveria ser matéria controvertida.Posto isto, porque aceito a lei da memória histórica espanhola e tanto critiquei a Lei da Lustração polaca? Na senda daquilo que o próprio Tribunal Constitucional polaco afirmou aquando da declaração de inconstitucionalidade da Lei da Lustração, o que o então executivo de Varsóvia procurava era, não a responsabilização objectiva e pessoal de determinado indivíduo pela sua colaboração com o regime ditatorial, mas sim uma punição revanchista de toda uma comunidade ideológica. Mais ainda, a lei revestia-se de perigosíssimos detalhes proto totalitários ao criar, administrativamente, uma lista de cidadãos com credos políticos dissonentes daqueles do governo polaco. Mais, a não colaboração implicava a expulsão da função pública durante 10 anos. Seria, sejamos claros, uma perigosíssima machadada na liberdade de pensamento.A Lei da Memória Histórica espanhola é totalmente diferente. Aqui, não se ataca a voz política dissonante. Reconhece-se, nas palavras da própria lei, o sofrimento de todos aqueles vítimas de qualquer violência por razões políticas ou ideológicas. À Esquerda e à Direita. Premeia-se, tão somente, quem lutou por valores universais.PS: Ainda sobre Espanha e o Franquismo, no Devaneios:O espectro Franquista da Espanha do séc XXIerradicando as résteas do franquismoerradicando as résteas do franquismo #2

marcar artigo