Devaneios Desintéricos: autarcas, acusações e presunções

20-01-2012
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Com a condenação de Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, a sete anos de prisão e a perda de mandato‎ ressurgiu na arena pública a discussão de um alegado projecto lei posto na gaveta que prevê a inelegibilidade de cidadãos acusados da prática de crimes como corrupção ou o peculato. Trata-se de uma sugestão muito perigosa, potencialmente inconstitucional, que não deveria ser posta nos termos em que alguns sectores políticos a estão a colocar.Mas vejamos por partes.Parece por mais óbvio que a legitimidade política de um cidadão acusado ou pronunciado por crimes especialmente graves estará notoriamente posta em causa na sua percepção pública de autoridade, credibilidade e isenção e nas condições para o exercício do cargo político a que se candidata. E sim, a credibilidade das instituições e da vida política sai afectada por isso.Mas trata-se, antes de mais, de um problema político. E, porque político, na sua resolução devem ser exigidas medidas de natureza estritamente política.Esteve bem, por exemplo, Marques Mendes quando, sem necessidade de qualquer medida legislativa, afastou das listas das autárquicas de 2005 Isaltino Morais e Valentim Loureiro, entre outros. A coragem e uma determinada compreensão daquilo que deve ser a salubridade política são, nesta temática, claramente identificáveis nessa sua decisão. E, aqui chegados, é por isso que a questão é assaz simples: ou se tem coragem de reconhecer a falta de credibilidade política, assumindo-se decisão conforme, ou não se tem. Marques Mendes teve-a. Manuela Ferreira Leite não.Assim sendo, é por isto mesmo que a decisão de alterar a lei no sentido acima descrito me parece tudo menos uma questão de arrojo ou coragem política. Antes pelo contrário, os seus objectivos denunciam um facilitismo evidente por parte de quem, por imprudência ou incúria, parece negligenciar princípios basilares do Estado de Direito Democrático a bem de uma solução onde, muito simplesmente, se possa resguardar numa impossibilidade jurídica ao invés de assumir a escolha política de de facto excluir das suas listas eleitorais quem manifestamente se encontrar em estado de duvidosa legitimidade política.Enveredar pelo trilho traçado significa dar de barato a presunção constitucional de inocência, impondo-se uma limitação evidente de um direito, liberdade e garantia (a de um cidadão se candidatar a um cargo político) por uma mera acusação da prática de um crime de onde poderá a jusante sair inocente. E - nunca demais enfatizar! - essa presunção não existe por distracção ou mero formalismo anacrónico. Trata-se de um reduto essencial da Democracia e do seu Estado de Direito: um indíviduo é havido por culpado uma vez esgotadas e esclarecidas todas as questões que sobre a sua causa. E só então, sim, será admissível que o mesmo seja responsabilizado, sofrendo as consequências que se mostrarem devidas. Mal vamos neste país quando até alguma magistratura judicial mediática parece não perceber isso.‎ Permitir semelhante orientação legislativa seria conceder um privilégio exorbitante a órgãos potencialmente instrumentalizáveis de impedirem que determinado cidadão se candidatasse a uma cargo público, sem qualquer culpa provada ou assente, assim se corrompendo flagrantemente o ideal democrático. Até porque sempre se dirá que, no enquadramento jurídico actual, um determinado autarca suspeito poderá ver ser-lhe imposta a suspensão do exercício de funções públicas mas como medida coactiva em sede de instrução criminal.A Demagogia, especialmente quando travestida de honra e asseio político, pode render muitos votos em Época eleitoral. Mas, aos políticos o que é da Política. E à Justiça o que é dela.

Com a condenação de Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, a sete anos de prisão e a perda de mandato‎ ressurgiu na arena pública a discussão de um alegado projecto lei posto na gaveta que prevê a inelegibilidade de cidadãos acusados da prática de crimes como corrupção ou o peculato. Trata-se de uma sugestão muito perigosa, potencialmente inconstitucional, que não deveria ser posta nos termos em que alguns sectores políticos a estão a colocar.Mas vejamos por partes.Parece por mais óbvio que a legitimidade política de um cidadão acusado ou pronunciado por crimes especialmente graves estará notoriamente posta em causa na sua percepção pública de autoridade, credibilidade e isenção e nas condições para o exercício do cargo político a que se candidata. E sim, a credibilidade das instituições e da vida política sai afectada por isso.Mas trata-se, antes de mais, de um problema político. E, porque político, na sua resolução devem ser exigidas medidas de natureza estritamente política.Esteve bem, por exemplo, Marques Mendes quando, sem necessidade de qualquer medida legislativa, afastou das listas das autárquicas de 2005 Isaltino Morais e Valentim Loureiro, entre outros. A coragem e uma determinada compreensão daquilo que deve ser a salubridade política são, nesta temática, claramente identificáveis nessa sua decisão. E, aqui chegados, é por isso que a questão é assaz simples: ou se tem coragem de reconhecer a falta de credibilidade política, assumindo-se decisão conforme, ou não se tem. Marques Mendes teve-a. Manuela Ferreira Leite não.Assim sendo, é por isto mesmo que a decisão de alterar a lei no sentido acima descrito me parece tudo menos uma questão de arrojo ou coragem política. Antes pelo contrário, os seus objectivos denunciam um facilitismo evidente por parte de quem, por imprudência ou incúria, parece negligenciar princípios basilares do Estado de Direito Democrático a bem de uma solução onde, muito simplesmente, se possa resguardar numa impossibilidade jurídica ao invés de assumir a escolha política de de facto excluir das suas listas eleitorais quem manifestamente se encontrar em estado de duvidosa legitimidade política.Enveredar pelo trilho traçado significa dar de barato a presunção constitucional de inocência, impondo-se uma limitação evidente de um direito, liberdade e garantia (a de um cidadão se candidatar a um cargo político) por uma mera acusação da prática de um crime de onde poderá a jusante sair inocente. E - nunca demais enfatizar! - essa presunção não existe por distracção ou mero formalismo anacrónico. Trata-se de um reduto essencial da Democracia e do seu Estado de Direito: um indíviduo é havido por culpado uma vez esgotadas e esclarecidas todas as questões que sobre a sua causa. E só então, sim, será admissível que o mesmo seja responsabilizado, sofrendo as consequências que se mostrarem devidas. Mal vamos neste país quando até alguma magistratura judicial mediática parece não perceber isso.‎ Permitir semelhante orientação legislativa seria conceder um privilégio exorbitante a órgãos potencialmente instrumentalizáveis de impedirem que determinado cidadão se candidatasse a uma cargo público, sem qualquer culpa provada ou assente, assim se corrompendo flagrantemente o ideal democrático. Até porque sempre se dirá que, no enquadramento jurídico actual, um determinado autarca suspeito poderá ver ser-lhe imposta a suspensão do exercício de funções públicas mas como medida coactiva em sede de instrução criminal.A Demagogia, especialmente quando travestida de honra e asseio político, pode render muitos votos em Época eleitoral. Mas, aos políticos o que é da Política. E à Justiça o que é dela.

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