Ela canta, pobre ceifeira,Julgando-se feliz talvez; Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave No ar limpo como um limiar, E há curvas no enredo suave Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece, Na sua voz há o campo e a lida, E canta como se tivesse Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão ! O que em mim sente 'stá pensando. Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !
Ah, poder ser tu, sendo eu! Ter a tua alegre inconsciência, E a consciência disso! Ó céu ! Ó campo ! Ó canção ! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve! Entrai por mim dentro! Tornai Minha alma a vossa sombra leve! Depois, levando-me, passai ! Fernando PessoaNa ilustração, postal CTT de 1941 alusivo às ceifeiras alentejanas.
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Ela canta, pobre ceifeira,Julgando-se feliz talvez; Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave No ar limpo como um limiar, E há curvas no enredo suave Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece, Na sua voz há o campo e a lida, E canta como se tivesse Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão ! O que em mim sente 'stá pensando. Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !
Ah, poder ser tu, sendo eu! Ter a tua alegre inconsciência, E a consciência disso! Ó céu ! Ó campo ! Ó canção ! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve! Entrai por mim dentro! Tornai Minha alma a vossa sombra leve! Depois, levando-me, passai ! Fernando PessoaNa ilustração, postal CTT de 1941 alusivo às ceifeiras alentejanas.