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17-10-2015
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O PSD deu esta sexta-feria uma conferência de imprensa para recordar dois casos do passado envolvendo os Presidentes da República Mário Soares e Jorge Sampaio e usando o argumento que fundamentou as suas decisões: "Quem venceu as eleições deve formar governo", afirmou José Matos Correia. O social democrata recordou que nas mesmas circunstâncias, Soares e Sampaio recusaram dar posse a governos chefiados pelo partido que não ganhara as eleições. Na edição desta quinta-feira, dia 15, a SÁBADO tinha escrito precisamente sobre esses dois casos.

Leia aqui parte do artigo da edição impressa da SÁBADO:

Início de 1987: Mário Soares tinha uma decisão a tomar. Perante um governo minoritário, de Aníbal Cavaco Silva, e a opção que o PS e o PRD lhe punham abertamente em cima da mesa, um governo dos dois à esquerda com viabilização pelo PCP, o Presidente da República teria de optar: ou dava posse a esta nova composição, com apoio maioritário no parlamento, ou marcava eleições.Final de 2015: cenário de um governo PS/BE/PCP, liderado pelos socialistas e com apoio parlamentar ou participação no governo dos dois últimos. A decisão de lhe dar posse ou deixar em gestão o governo minoritário, e de mãos atadas, PSD-CDS cabe por agora a Cavaco Silva. Se optar pela segunda via (recusar o acordo PS/BE/PCP mesmo que este faça cair o Governo de direita), e uma vez que não pode dissolver a Assembleia da República por estar em fim de mandato, a escolha passa a ser do próximo Presidente, a eleger no início de 2016. Caberia ao novo inquilino de Belém decidir se dá posse a esse governo ou se marca novas eleições.Tem sido apontado como inédito o cenário de se formar um Governo sem o partido mais votado nas eleições a chefiá-lo. Mas não é verdade. Soares e Sampaio tiveram de decidir em situações muito semelhantes.Soares, em 1987, teve sobre si enormes pressões: tinha o seu próprio partido, liderado por Vítor Constâncio, a pedir-lhe que desse posse ao governo PS-PRD, com apoio parlamentar do PCP – numa situação parecida com a actual. Soares recordou este episódio no livro Mário Soares, uma Vida, de Joaquim Vieira: "Foi a minha razão. As soluções de governo podem-se arranjar no hemiciclo, mas como eu tinha um poder, avisei o Constâncio: ‘Eu não aceito uma moção de censura. Não quero que o governo caia agora [1987, tinha o executivo de Cavaco dois anos], porque está recentemente eleito. Numa altura em que vamos entrar numa nova fase, meter um governo desse género é uma coisa horrível e eu, como Presidente de todos os portugueses, não aceito.’" Soares disse ainda que via no PS "tipos que queriam por força ir para o governo", como, aponta, Almeida Santos, o derrotado das legislativas de 1985: "Queriam tirar o despique daquela desgraça."Sempre que abordou este episódio, Soares foi taxativo, e por vezes duro, com o seu próprio partido. Na longa entrevista a Maria João Avillez publicada em livro, disse: "Fui colocado diante de uma hipotética coligação que sempre considerei contranatura, puramente artificial, e, por isso mesmo, repetidamente avisei que jamais favoreceria um acordo político desse tipo, que, na minha opinião, seria nefasto para o País." Constâncio chegou a avisá-lo: "Ó Mário Soares, você vai ter de mudar de opinião, porque o partido todo está a fazer contas." Soares contou que lhe respondeu: "Já não é a primeira vez [que estou contra o partido]."Soares chegou a enviar Alfredo Barroso, chefe da sua Casa Civil, para tentar demover Constâncio: "Fui a casa dele em Oeiras", recorda Barroso à SÁBADO, "mas não o convenci". O PCP estava no barco, a viabilização parlamentar estava garantida: "Sim, havia também conversas com o PCP", confirma Barroso.Constâncio arriscou, votou, com o PRD e o PCP, a moção de censura. Cavaco Silva teria nas eleições seguintes maioria absoluta, mas o PRD, concorrente directo do PS, também deixou de contar como actor político. Barroso faz no entanto questão de destacar uma diferença: a formação desse governo foi recusada na sequência de uma moção de censura, "não de eleições".1996: o PS de Carlos César acabou de ganhar, pela primeira vez, as eleições regionais dos Açores. Problema: ganhou em votos, mas em mandatos está empatado com o PSD, 24 para cada um. PSD e CDS, perdedores das eleições, mudaram de liderança. Deu -se uma aproximação entre PSD e CDS (que não existira até aí) e o novo líder social--democrata avançou com o projecto de um governo maioritário, com apoio do CDS, bastando para isso fazer cair o governo do socialista Carlos César com uma moção de rejeição. "Estava tudo entendido com o CDS, tudo feito", recorda Carlos Costa Neves, o então líder do PSD-Açores.De resto, aponta, de acordo com o estatuto dos Açores, a autonomia é um "sistema parlamentar puro, não é semipresidencialista, uma mudança nas alianças parlamentares deveria dar uma mudança no governo". Não foi isso que aconteceu. "Tive uma audiência com o Presidente Jorge Sampaio, em que ele me disse preto no branco que não daria posse a esse governo e convocaria eleições." O argumento, recorda, é que quem "tinha ganho as eleições era a linha adversa ao PSD, esquecendo ou tomando como irrelevante o argumento da maioria parlamentar".Costa Neves admite que ainda assim teria arriscado, mas o seu grupo parlamentar dividiu-se e o PSD já não apresentou moção de rejeição. O ex-dirigente diz que Sampaio "interpretou abusivamente a Constituição": disse-lhe que usaria o artigo da Constituição que permite a um Presidente da República dissolver o parlamento regional quando estão em causa actos contrários à constituição, "o que não era manifestamente o caso, tratava-se de uma mera alteração da maioria parlamentar".O ex-chefe da Casa Civil de Jorge Sampaio, João Serra, recordou ao Público, em Junho último, as razões de Sampaio: "Fez saber que convocaria eleições e que não dava governo a quem não tivesse ganho nas urnas." Ou seja, ao PSD. Ficou tudo na mesma em matéria de governo. Por coincidência, Carlos César, hoje presidente do PS, tem integrado com António Costa as rondas negociais para viabilizar uma solução de governo. "Tenho-me lembrado muito daquele episódio nos últimos dias", remata Costa Neves.

O PSD deu esta sexta-feria uma conferência de imprensa para recordar dois casos do passado envolvendo os Presidentes da República Mário Soares e Jorge Sampaio e usando o argumento que fundamentou as suas decisões: "Quem venceu as eleições deve formar governo", afirmou José Matos Correia. O social democrata recordou que nas mesmas circunstâncias, Soares e Sampaio recusaram dar posse a governos chefiados pelo partido que não ganhara as eleições. Na edição desta quinta-feira, dia 15, a SÁBADO tinha escrito precisamente sobre esses dois casos.

Leia aqui parte do artigo da edição impressa da SÁBADO:

Início de 1987: Mário Soares tinha uma decisão a tomar. Perante um governo minoritário, de Aníbal Cavaco Silva, e a opção que o PS e o PRD lhe punham abertamente em cima da mesa, um governo dos dois à esquerda com viabilização pelo PCP, o Presidente da República teria de optar: ou dava posse a esta nova composição, com apoio maioritário no parlamento, ou marcava eleições.Final de 2015: cenário de um governo PS/BE/PCP, liderado pelos socialistas e com apoio parlamentar ou participação no governo dos dois últimos. A decisão de lhe dar posse ou deixar em gestão o governo minoritário, e de mãos atadas, PSD-CDS cabe por agora a Cavaco Silva. Se optar pela segunda via (recusar o acordo PS/BE/PCP mesmo que este faça cair o Governo de direita), e uma vez que não pode dissolver a Assembleia da República por estar em fim de mandato, a escolha passa a ser do próximo Presidente, a eleger no início de 2016. Caberia ao novo inquilino de Belém decidir se dá posse a esse governo ou se marca novas eleições.Tem sido apontado como inédito o cenário de se formar um Governo sem o partido mais votado nas eleições a chefiá-lo. Mas não é verdade. Soares e Sampaio tiveram de decidir em situações muito semelhantes.Soares, em 1987, teve sobre si enormes pressões: tinha o seu próprio partido, liderado por Vítor Constâncio, a pedir-lhe que desse posse ao governo PS-PRD, com apoio parlamentar do PCP – numa situação parecida com a actual. Soares recordou este episódio no livro Mário Soares, uma Vida, de Joaquim Vieira: "Foi a minha razão. As soluções de governo podem-se arranjar no hemiciclo, mas como eu tinha um poder, avisei o Constâncio: ‘Eu não aceito uma moção de censura. Não quero que o governo caia agora [1987, tinha o executivo de Cavaco dois anos], porque está recentemente eleito. Numa altura em que vamos entrar numa nova fase, meter um governo desse género é uma coisa horrível e eu, como Presidente de todos os portugueses, não aceito.’" Soares disse ainda que via no PS "tipos que queriam por força ir para o governo", como, aponta, Almeida Santos, o derrotado das legislativas de 1985: "Queriam tirar o despique daquela desgraça."Sempre que abordou este episódio, Soares foi taxativo, e por vezes duro, com o seu próprio partido. Na longa entrevista a Maria João Avillez publicada em livro, disse: "Fui colocado diante de uma hipotética coligação que sempre considerei contranatura, puramente artificial, e, por isso mesmo, repetidamente avisei que jamais favoreceria um acordo político desse tipo, que, na minha opinião, seria nefasto para o País." Constâncio chegou a avisá-lo: "Ó Mário Soares, você vai ter de mudar de opinião, porque o partido todo está a fazer contas." Soares contou que lhe respondeu: "Já não é a primeira vez [que estou contra o partido]."Soares chegou a enviar Alfredo Barroso, chefe da sua Casa Civil, para tentar demover Constâncio: "Fui a casa dele em Oeiras", recorda Barroso à SÁBADO, "mas não o convenci". O PCP estava no barco, a viabilização parlamentar estava garantida: "Sim, havia também conversas com o PCP", confirma Barroso.Constâncio arriscou, votou, com o PRD e o PCP, a moção de censura. Cavaco Silva teria nas eleições seguintes maioria absoluta, mas o PRD, concorrente directo do PS, também deixou de contar como actor político. Barroso faz no entanto questão de destacar uma diferença: a formação desse governo foi recusada na sequência de uma moção de censura, "não de eleições".1996: o PS de Carlos César acabou de ganhar, pela primeira vez, as eleições regionais dos Açores. Problema: ganhou em votos, mas em mandatos está empatado com o PSD, 24 para cada um. PSD e CDS, perdedores das eleições, mudaram de liderança. Deu -se uma aproximação entre PSD e CDS (que não existira até aí) e o novo líder social--democrata avançou com o projecto de um governo maioritário, com apoio do CDS, bastando para isso fazer cair o governo do socialista Carlos César com uma moção de rejeição. "Estava tudo entendido com o CDS, tudo feito", recorda Carlos Costa Neves, o então líder do PSD-Açores.De resto, aponta, de acordo com o estatuto dos Açores, a autonomia é um "sistema parlamentar puro, não é semipresidencialista, uma mudança nas alianças parlamentares deveria dar uma mudança no governo". Não foi isso que aconteceu. "Tive uma audiência com o Presidente Jorge Sampaio, em que ele me disse preto no branco que não daria posse a esse governo e convocaria eleições." O argumento, recorda, é que quem "tinha ganho as eleições era a linha adversa ao PSD, esquecendo ou tomando como irrelevante o argumento da maioria parlamentar".Costa Neves admite que ainda assim teria arriscado, mas o seu grupo parlamentar dividiu-se e o PSD já não apresentou moção de rejeição. O ex-dirigente diz que Sampaio "interpretou abusivamente a Constituição": disse-lhe que usaria o artigo da Constituição que permite a um Presidente da República dissolver o parlamento regional quando estão em causa actos contrários à constituição, "o que não era manifestamente o caso, tratava-se de uma mera alteração da maioria parlamentar".O ex-chefe da Casa Civil de Jorge Sampaio, João Serra, recordou ao Público, em Junho último, as razões de Sampaio: "Fez saber que convocaria eleições e que não dava governo a quem não tivesse ganho nas urnas." Ou seja, ao PSD. Ficou tudo na mesma em matéria de governo. Por coincidência, Carlos César, hoje presidente do PS, tem integrado com António Costa as rondas negociais para viabilizar uma solução de governo. "Tenho-me lembrado muito daquele episódio nos últimos dias", remata Costa Neves.

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