Adam Smith, perigoso defensor do Estado forte

06-01-2015
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Adam Smith, perigoso defensor do Estado forte

Filipe Alves

filipe.alves@economico.pt

29 Dez 2014

O deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim deu há dias uma grande alegria à Esquerda e uma desilusão a uma certa Direita, com a sua admissão, a contra-gosto, de que "o Estado tem de ter força".

"Já não sou um liberal", desabafou o deputado, quiçá inspirado pelas desgraças que tem descoberto na comissão de inquérito ao caso BES.

Por dolorosa e genuína que seja, esta renúncia de Carlos Abreu Amorim ao liberalismo não deixa de ser sintomática da nossa propensão para a caricatura. Para muita gente, ser liberal é defender a iniciativa privada a todo o custo, bem como a existência de um Estado mínimo, que chateie o menos possível.

Em Portugal, defensores e oponentes acreditam que ser liberal é poder despedir a torto e a direito, gastar o que é seu como melhor entender e não ter qualquer obrigação para com o seu semelhante. Talvez por isso, salvo honrosas excepções, o liberalismo luso seja uma espécie de tatcherismo ingénuo e à ‘la carte'. Todos conhecemos gestores e empresários que se dizem muito "liberais", mas apenas no que lhes interessa. No dia-a-dia, comportam-se como senhores feudais, muito ciosos da sua coutada e desejosos de fazer de homens livres seus servos. E, suprema ironia, todos conhecemos empresas públicas que foram "privatizadas" através da venda a companhias estatais de outros países.

Para desfazer estes e outros equívocos, nada como recordar o pai do liberalismo clássico, Adam Smith, para compreender que um liberal não só pode como deve defender um Estado forte, que assegure as condições necessárias para que a tal "mão invísivel" possa trabalhar no sentido da maximização da riqueza, em benefício de toda a sociedade.

As ideias de Smith estão expressas em duas obras, a "Teoria dos Sentimentos Morais" e a conhecida "A Riqueza das Nações". Nesses livros, o escocês defendia algumas medidas que hoje escandalizariam muitos dos pretensos "liberais".

Smith defendia que o Governo devia, em primeiro lugar, assegurar a segurança e a justiça. Mas também deve "criar e manter as instituições públicas e os trabalhos públicos que, embora sejam vantajosos, ao mais alto grau, para uma grande sociedade, tenham uma natureza não permita obter um lucro que cubra as despesas". Ou seja, o Estado deve assegurar os serviços que, não sendo lucrativos, são essenciais à sociedade.

Smith entendia, por isso, que o Estado deve financiar a construção de escolas, estradas e de outros equipamentos públicos. Bem como definir os currículos escolares, regular as companhias cotadas no mercado de capitais, fixar as taxas de juro máximas (para combater a usura), aplicar medidas para evitar a propagação de doenças contagiosas, assegurar a cunhagem de moeda e o serviço postal, obrigar ao pagamento de salários em dinheiro e proibir as remunerações em espécie, entre outras medidas.

Mas antes de ser o primeiro economista, Adam Smith era sobretudo um filósofo moral, que considerava que "onde existem grandes propriedades, existe desigualdade". E que escreveu estas linhas, na sua "Teoria dos Sentimentos Morais": "Esta disposição para admirar e quase para adorar, os ricos e poderosos, e para desprezar, ou pelo menos, negligenciar os pobres, embora necessária para estabelecer e manter a distinção entre classes na sociedade, é, ao mesmo tempo, a maior e mais universal causa de corrupção dos nossos sentimentos morais".

Adam Smith, perigoso defensor do Estado forte

Filipe Alves

filipe.alves@economico.pt

29 Dez 2014

O deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim deu há dias uma grande alegria à Esquerda e uma desilusão a uma certa Direita, com a sua admissão, a contra-gosto, de que "o Estado tem de ter força".

"Já não sou um liberal", desabafou o deputado, quiçá inspirado pelas desgraças que tem descoberto na comissão de inquérito ao caso BES.

Por dolorosa e genuína que seja, esta renúncia de Carlos Abreu Amorim ao liberalismo não deixa de ser sintomática da nossa propensão para a caricatura. Para muita gente, ser liberal é defender a iniciativa privada a todo o custo, bem como a existência de um Estado mínimo, que chateie o menos possível.

Em Portugal, defensores e oponentes acreditam que ser liberal é poder despedir a torto e a direito, gastar o que é seu como melhor entender e não ter qualquer obrigação para com o seu semelhante. Talvez por isso, salvo honrosas excepções, o liberalismo luso seja uma espécie de tatcherismo ingénuo e à ‘la carte'. Todos conhecemos gestores e empresários que se dizem muito "liberais", mas apenas no que lhes interessa. No dia-a-dia, comportam-se como senhores feudais, muito ciosos da sua coutada e desejosos de fazer de homens livres seus servos. E, suprema ironia, todos conhecemos empresas públicas que foram "privatizadas" através da venda a companhias estatais de outros países.

Para desfazer estes e outros equívocos, nada como recordar o pai do liberalismo clássico, Adam Smith, para compreender que um liberal não só pode como deve defender um Estado forte, que assegure as condições necessárias para que a tal "mão invísivel" possa trabalhar no sentido da maximização da riqueza, em benefício de toda a sociedade.

As ideias de Smith estão expressas em duas obras, a "Teoria dos Sentimentos Morais" e a conhecida "A Riqueza das Nações". Nesses livros, o escocês defendia algumas medidas que hoje escandalizariam muitos dos pretensos "liberais".

Smith defendia que o Governo devia, em primeiro lugar, assegurar a segurança e a justiça. Mas também deve "criar e manter as instituições públicas e os trabalhos públicos que, embora sejam vantajosos, ao mais alto grau, para uma grande sociedade, tenham uma natureza não permita obter um lucro que cubra as despesas". Ou seja, o Estado deve assegurar os serviços que, não sendo lucrativos, são essenciais à sociedade.

Smith entendia, por isso, que o Estado deve financiar a construção de escolas, estradas e de outros equipamentos públicos. Bem como definir os currículos escolares, regular as companhias cotadas no mercado de capitais, fixar as taxas de juro máximas (para combater a usura), aplicar medidas para evitar a propagação de doenças contagiosas, assegurar a cunhagem de moeda e o serviço postal, obrigar ao pagamento de salários em dinheiro e proibir as remunerações em espécie, entre outras medidas.

Mas antes de ser o primeiro economista, Adam Smith era sobretudo um filósofo moral, que considerava que "onde existem grandes propriedades, existe desigualdade". E que escreveu estas linhas, na sua "Teoria dos Sentimentos Morais": "Esta disposição para admirar e quase para adorar, os ricos e poderosos, e para desprezar, ou pelo menos, negligenciar os pobres, embora necessária para estabelecer e manter a distinção entre classes na sociedade, é, ao mesmo tempo, a maior e mais universal causa de corrupção dos nossos sentimentos morais".

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