O interminável processo de Barros Basto

01-10-2015
marcar artigo

Há três gerações que a família do Capitão Arthur Barros Basto, fundador da Comunidade Israelita do Porto, luta pela sua reintegração no Exército, de onde foi expulso em 1937. Tudo parecia encaminhado para que o assunto fosse resolvido há duas semanas, mas a falta de consenso no Parlamento empurrou o processo de novo para a casa de partida

D.R

Primeiro aviso ao leitor: esta é a história de um ato de justiça que esperou 78 anos para se concretizar, apenas para voltar à estaca zero. Há dias, a 22 de julho, a reabilitação e reintegração do Capitão Arthur Barros Basto no Exército, de onde fora expulso em 1937, foi levada a votação na Assembleia da República sob a forma de projeto de lei. Mas a falta de consenso entre os partidos impediu que esta tivesse lugar. Ao não ser votada, a lei morreu, não sendo possível que transite para a próxima legislatura.

A bancada 'culpada' pela ausência de consenso é a do PCP, que invocou questões procedimentais para se opor a uma votação que não estava agendada e que “passava por cima de todas as regras”, segundo o deputado António Filipe. “Não se deve subverter o funcionamento do Parlamento”, acrescenta. O facto de outros partidos, como o CDS/PP ou o PSD, garantirem que a atitude do PCP não passou de uma “vingança por não lhe terem permitido avançar com uma votação semelhante”, é irrelevante para o caso. O que importa, diz António Filipe, resume-se em três pontos: “Havia dúvidas do Exército, do Ministério da Defesa e a oposição dos próprios herdeiros do Capitão Barros Basto. Eram aspetos a clarificar.”

O falhado projeto de lei N.º1047/XII/4.ª é o último episódio de um longo e sinuoso percurso no qual, por razões várias, a reabilitação formal do Capitão Barros Basto não chegou a concretizar-se. Expulso do Exército em junho de 1937, por falta de “capacidade moral para prestígio da sua função oficial e decoro da sua farda”, este oficial da Infantaria que foi condecorado por bravura pela sua participação na I Guerra Mundial — e que hasteou a bandeira republicana no Porto durante o 5 de outubro — enfrentava na realidade acusações bem mais insidiosas. Barros Basto era condenado por ser judeu e por praticar abertamente a sua religião. Segundo aviso ao leitor: o que se segue é o resumo possível de décadas de acusações, burocracia, indecisões, erros, documentação contraditória e tentativas mal sucedidas de resolução.

Rui Duarte Silva

O processo militar teve origem em duas cartas anónimas que lhe imputavam comportamentos homossexuais, dos quais o Conselho Superior de Disciplina do Exército o acabou por absolver. Não o absolveu, porém, de ter posto em causa a sua “respeitabilidade” e “decoro militar” por participar nas operações de circuncisão dos alunos do Instituto Teológico do Porto (de que foi fundador) e por ter com estes “intimidades exageradas, beijando-os e acariciando-os frequentemente” (hábito entre os judeus sefarditas de Tânger, onde Barros Basto se converteu ao judaísmo). O capitão, que nos anos 20 empreendeu a revitalização da comunidade judaica local — construindo o Instituto Teológico [Yeshiva] e a sinagoga do Porto, e fundando a Comunidade Israelita do Porto — e que partiu em busca de outros judeus marranos nas Beiras e no norte do país numa "obra de resgate" conhecida mundialmente, morreu em 1961 e quis ser enterrado com a farda de militar, apesar de nunca ter conseguido reverter a sua condenação.

Condenado duas vezes

“Isto afetou profundamente o meu avô, em dois sentidos. No pessoal, pela ofensa de ter vivido o antissemitismo. No profissional, porque ele adorava ser militar — era-o de alma e coração. Ficou com a vida completamente destruída e a família chegou a ter medo que fizesse o pior”, diz ao Expresso a neta de Barros Basto. Isabel Ferreira Lopes recorda como a avó e a mãe lutaram para que a figura do capitão fosse reabilitada moralmente e para que o Exército reconhecesse o seu erro. Ainda para mais, sublinham, “não houve uma condenação, mas sim duas condenações”. “Uma primeira em 1937, com a separação do meu avô do Exército por prática de preceitos da religião judaica então considerados imorais. E uma segunda condenação, imediatamente após o 25 de abril, quando o Exército, em resposta ao apelo da minha avó, imputou ao meu avô factos declarados falsos por unanimidade em 1937.”

O revês de 1975 é ainda mais difícil de explicar que o de 1937, época de ascensão do nacional-socialismo na Alemanha e do antissemitismo um pouco por toda a Europa. Em 1975, Lea Monteiro Azancot Barros Basto, viúva do capitão e na altura com 84 anos, dirigiu ao presidente General Costa Gomes um pedido de reabilitação moral e reintegração no Exército do seu marido, a título póstumo. A resposta veio negativa, dando como provados factos dos quais o marido tinha sido absolvido em 1937 — nomeadamente, a acusação de práticas homossexuais — e impedindo que o caso fosse tratado como o de tantos outros militares afastados por motivos políticos antes do 25 de abril, e que foram reintegrados.

Marcos Borga

“A decisão de 1975 é juridicamente insustentável e moralmente arrepiante”, escreve o deputado Carlos Abreu Amorim (PSD) num parecer datado de fevereiro de 2012. Este surge na sequência de um novo pedido de reabilitação moral e reintegração no Exército de Barros Basto interposto, desta vez, por Isabel Ferreira Lopes na Assembleia da República. Não tardaria a acontecer o que há muito a neta e a restante família do capitão esperavam: em julho desse mesmo ano era aprovada na AR por unanimidade a Resolução 416/XII, na qual se reconhece o “atropelo dos mais elementares direitos fundamentais” de que Barros Basto foi alvo e se recomenda ao Governo que proceda à sua “reabilitação moral e reintegração”, “numa categoria nunca inferior” à que o militar teria direito se não tivesse sido expulso.

A partir daqui, cabia ao Governo tomar a iniciativa. Só que não o fez. Até julho deste ano, quando exprimiu “dúvidas sobre o objetivo” da Resolução, não sabendo se a intenção era revisitar a lei 173/74 (que em 1974 reintegrava os "servidores do Estado" compulsivamente afastados das suas funções por motivos políticos) ou se todo o processo disciplinar do capitão devia ser revisto — o que só seria possível se existissem factos novos que o justificassem. A primeira hipótese foi desde logo posta de parte no documento, pois tal era matéria já “decidida em sentido contrário” na própria Resolução, que incluía um inciso onde se salvaguardava que a reintegração não envolveria “qualquer responsabilidade indemnizatória ou compensatória” para o Estado.

De volta ao Parlamento

As dúvidas do Governo fazem voltar o assunto ao Parlamento. E é assim que surge o projeto de lei — em tudo semelhante àquele que reabilitou em 1988 a figura de Aristides de Sousa Mendes — que fez parte da lista de trabalhos da AR a 22 de julho, mas que não chegou a ir a votação. Não se pense, porém, que este projeto está isento de polémica. Desde já, porque a Comunidade Israelita do Porto (CIP) não o aceita e disto informou o Parlamento. Contactada pelo Expresso, a CIP fez saber que a sua oposição se prende justamente com aquele inciso, por considerar que “cria um regime de exceção para a família do judeu”, ao excluir qualquer indemnização aos herdeiros. “Este inciso legal é contrário à lei geral em matéria de reintegrações, dedicando à família do judeu um tratamento especial de desfavor em relação a todas as famílias dos outros militares reintegrados após o 25 de abril de 1974”, declara. Para os responsáveis da CIP, “a reintegração de Barros Basto no Exército não depende de nenhuma lei da AR, mas sim de um Ministério da Defesa que queira genuinamente resolver o caso Dreyfus português”.

“Aquela norma é absurda. Há ali qualquer coisa que, à letra, é discriminatória. Mas ideia não era discriminar, era ajudar”, justifica Carlos Abreu Amorim. Em 2012, a Resolução foi elaborada em plena crise económica e “haveria resistências” ao pagamento de indemnizações tão avultadas. Agora, com o caso a arrastar-se desde 1937, optou-se por não modificar esse aspeto no projeto de lei. O deputado diz que foi feita “a política do possível, numa lógica de pequenos passos”. Mais para a frente, se a família assim o entendesse, “podia resolver a questão nos tribunais”.

João Rebelo, do CDS/PP, que neste mês de julho assinou o parecer da Comissão de Defesa sobre o projeto de lei, sustenta uma opinião diferente: “Nunca liguei esta integração com a lei de 1974. A perseguição do capitão Barros Basto é de natureza religiosa e não política. O inciso com que a CIP e a família discordam foi incorporado por mim, para garantir unanimidade e para evitar que se abrisse uma caixa de Pandora, com outras famílias que na altura ficaram de fora a reclamarem indemnizações”. Para o deputado, “o que falta é a reintegração no Exército, uma cerimónia que deve acontecer”.

Ato simbólico

Também Pedro Delgado Alves, um dos autores do projeto de lei, considera que este assunto não devia ter voltado à AR, mas ter sido resolvido ao nível do Governo e do Exército. “Há uma resistência do Exército em aceitar o erro e as razões da expulsão de Barros Basto. Nada o impede de o fazer. E não o faz. Não se trata só uma cerimónia, trata-se de um ato jurídico que o reintegre. Há uma intenção que não é formalizada”, diz. Admitindo que “a lei de 74 era um foco de discussão entre as várias partes”, o deputado do PS refere que o “projeto de lei não impede que os tribunais, mais tarde, se pronunciem sobre o caso”. “Aqui fala-se de reintegração formal sem mais delongas nem burocracias. O inciso não obstaculiza a posterior ação da justiça”, defende, reforçando que, noutra legislatura, “o próximo projeto de lei pode ser melhor clarificado”. “O que está em causa aqui é praticar um ato simbólico de aceitação de responsabilidades do Estado português. É porque o Exército nada fez que este ato legislativo era indispensável”, conclui.

Rui Duarte Silva

Isabel Ferreira Lopes não compreende o que se passa. “Já não há ditadura, nem a Igreja tem a força de antigamente, não há razões para que não reintegrem formalmente o meu avô. Não tem lógica, nem nada teve desde o início. Está demonstrado que tudo foi um erro, que devia ter sido corrigido. Não se percebe por que é que não o é.” A neta do capitão, terceira geração de descendentes, tem esta herança para passar às seguintes. A herança de uma demora inexplicável escudada em procedimentos, leis, papelada e atrasos vários. “Vamos continuar a lutar. Este já não é só um assunto da família”, assegura ela. Nem deve ser.

Há três gerações que a família do Capitão Arthur Barros Basto, fundador da Comunidade Israelita do Porto, luta pela sua reintegração no Exército, de onde foi expulso em 1937. Tudo parecia encaminhado para que o assunto fosse resolvido há duas semanas, mas a falta de consenso no Parlamento empurrou o processo de novo para a casa de partida

D.R

Primeiro aviso ao leitor: esta é a história de um ato de justiça que esperou 78 anos para se concretizar, apenas para voltar à estaca zero. Há dias, a 22 de julho, a reabilitação e reintegração do Capitão Arthur Barros Basto no Exército, de onde fora expulso em 1937, foi levada a votação na Assembleia da República sob a forma de projeto de lei. Mas a falta de consenso entre os partidos impediu que esta tivesse lugar. Ao não ser votada, a lei morreu, não sendo possível que transite para a próxima legislatura.

A bancada 'culpada' pela ausência de consenso é a do PCP, que invocou questões procedimentais para se opor a uma votação que não estava agendada e que “passava por cima de todas as regras”, segundo o deputado António Filipe. “Não se deve subverter o funcionamento do Parlamento”, acrescenta. O facto de outros partidos, como o CDS/PP ou o PSD, garantirem que a atitude do PCP não passou de uma “vingança por não lhe terem permitido avançar com uma votação semelhante”, é irrelevante para o caso. O que importa, diz António Filipe, resume-se em três pontos: “Havia dúvidas do Exército, do Ministério da Defesa e a oposição dos próprios herdeiros do Capitão Barros Basto. Eram aspetos a clarificar.”

O falhado projeto de lei N.º1047/XII/4.ª é o último episódio de um longo e sinuoso percurso no qual, por razões várias, a reabilitação formal do Capitão Barros Basto não chegou a concretizar-se. Expulso do Exército em junho de 1937, por falta de “capacidade moral para prestígio da sua função oficial e decoro da sua farda”, este oficial da Infantaria que foi condecorado por bravura pela sua participação na I Guerra Mundial — e que hasteou a bandeira republicana no Porto durante o 5 de outubro — enfrentava na realidade acusações bem mais insidiosas. Barros Basto era condenado por ser judeu e por praticar abertamente a sua religião. Segundo aviso ao leitor: o que se segue é o resumo possível de décadas de acusações, burocracia, indecisões, erros, documentação contraditória e tentativas mal sucedidas de resolução.

Rui Duarte Silva

O processo militar teve origem em duas cartas anónimas que lhe imputavam comportamentos homossexuais, dos quais o Conselho Superior de Disciplina do Exército o acabou por absolver. Não o absolveu, porém, de ter posto em causa a sua “respeitabilidade” e “decoro militar” por participar nas operações de circuncisão dos alunos do Instituto Teológico do Porto (de que foi fundador) e por ter com estes “intimidades exageradas, beijando-os e acariciando-os frequentemente” (hábito entre os judeus sefarditas de Tânger, onde Barros Basto se converteu ao judaísmo). O capitão, que nos anos 20 empreendeu a revitalização da comunidade judaica local — construindo o Instituto Teológico [Yeshiva] e a sinagoga do Porto, e fundando a Comunidade Israelita do Porto — e que partiu em busca de outros judeus marranos nas Beiras e no norte do país numa "obra de resgate" conhecida mundialmente, morreu em 1961 e quis ser enterrado com a farda de militar, apesar de nunca ter conseguido reverter a sua condenação.

Condenado duas vezes

“Isto afetou profundamente o meu avô, em dois sentidos. No pessoal, pela ofensa de ter vivido o antissemitismo. No profissional, porque ele adorava ser militar — era-o de alma e coração. Ficou com a vida completamente destruída e a família chegou a ter medo que fizesse o pior”, diz ao Expresso a neta de Barros Basto. Isabel Ferreira Lopes recorda como a avó e a mãe lutaram para que a figura do capitão fosse reabilitada moralmente e para que o Exército reconhecesse o seu erro. Ainda para mais, sublinham, “não houve uma condenação, mas sim duas condenações”. “Uma primeira em 1937, com a separação do meu avô do Exército por prática de preceitos da religião judaica então considerados imorais. E uma segunda condenação, imediatamente após o 25 de abril, quando o Exército, em resposta ao apelo da minha avó, imputou ao meu avô factos declarados falsos por unanimidade em 1937.”

O revês de 1975 é ainda mais difícil de explicar que o de 1937, época de ascensão do nacional-socialismo na Alemanha e do antissemitismo um pouco por toda a Europa. Em 1975, Lea Monteiro Azancot Barros Basto, viúva do capitão e na altura com 84 anos, dirigiu ao presidente General Costa Gomes um pedido de reabilitação moral e reintegração no Exército do seu marido, a título póstumo. A resposta veio negativa, dando como provados factos dos quais o marido tinha sido absolvido em 1937 — nomeadamente, a acusação de práticas homossexuais — e impedindo que o caso fosse tratado como o de tantos outros militares afastados por motivos políticos antes do 25 de abril, e que foram reintegrados.

Marcos Borga

“A decisão de 1975 é juridicamente insustentável e moralmente arrepiante”, escreve o deputado Carlos Abreu Amorim (PSD) num parecer datado de fevereiro de 2012. Este surge na sequência de um novo pedido de reabilitação moral e reintegração no Exército de Barros Basto interposto, desta vez, por Isabel Ferreira Lopes na Assembleia da República. Não tardaria a acontecer o que há muito a neta e a restante família do capitão esperavam: em julho desse mesmo ano era aprovada na AR por unanimidade a Resolução 416/XII, na qual se reconhece o “atropelo dos mais elementares direitos fundamentais” de que Barros Basto foi alvo e se recomenda ao Governo que proceda à sua “reabilitação moral e reintegração”, “numa categoria nunca inferior” à que o militar teria direito se não tivesse sido expulso.

A partir daqui, cabia ao Governo tomar a iniciativa. Só que não o fez. Até julho deste ano, quando exprimiu “dúvidas sobre o objetivo” da Resolução, não sabendo se a intenção era revisitar a lei 173/74 (que em 1974 reintegrava os "servidores do Estado" compulsivamente afastados das suas funções por motivos políticos) ou se todo o processo disciplinar do capitão devia ser revisto — o que só seria possível se existissem factos novos que o justificassem. A primeira hipótese foi desde logo posta de parte no documento, pois tal era matéria já “decidida em sentido contrário” na própria Resolução, que incluía um inciso onde se salvaguardava que a reintegração não envolveria “qualquer responsabilidade indemnizatória ou compensatória” para o Estado.

De volta ao Parlamento

As dúvidas do Governo fazem voltar o assunto ao Parlamento. E é assim que surge o projeto de lei — em tudo semelhante àquele que reabilitou em 1988 a figura de Aristides de Sousa Mendes — que fez parte da lista de trabalhos da AR a 22 de julho, mas que não chegou a ir a votação. Não se pense, porém, que este projeto está isento de polémica. Desde já, porque a Comunidade Israelita do Porto (CIP) não o aceita e disto informou o Parlamento. Contactada pelo Expresso, a CIP fez saber que a sua oposição se prende justamente com aquele inciso, por considerar que “cria um regime de exceção para a família do judeu”, ao excluir qualquer indemnização aos herdeiros. “Este inciso legal é contrário à lei geral em matéria de reintegrações, dedicando à família do judeu um tratamento especial de desfavor em relação a todas as famílias dos outros militares reintegrados após o 25 de abril de 1974”, declara. Para os responsáveis da CIP, “a reintegração de Barros Basto no Exército não depende de nenhuma lei da AR, mas sim de um Ministério da Defesa que queira genuinamente resolver o caso Dreyfus português”.

“Aquela norma é absurda. Há ali qualquer coisa que, à letra, é discriminatória. Mas ideia não era discriminar, era ajudar”, justifica Carlos Abreu Amorim. Em 2012, a Resolução foi elaborada em plena crise económica e “haveria resistências” ao pagamento de indemnizações tão avultadas. Agora, com o caso a arrastar-se desde 1937, optou-se por não modificar esse aspeto no projeto de lei. O deputado diz que foi feita “a política do possível, numa lógica de pequenos passos”. Mais para a frente, se a família assim o entendesse, “podia resolver a questão nos tribunais”.

João Rebelo, do CDS/PP, que neste mês de julho assinou o parecer da Comissão de Defesa sobre o projeto de lei, sustenta uma opinião diferente: “Nunca liguei esta integração com a lei de 1974. A perseguição do capitão Barros Basto é de natureza religiosa e não política. O inciso com que a CIP e a família discordam foi incorporado por mim, para garantir unanimidade e para evitar que se abrisse uma caixa de Pandora, com outras famílias que na altura ficaram de fora a reclamarem indemnizações”. Para o deputado, “o que falta é a reintegração no Exército, uma cerimónia que deve acontecer”.

Ato simbólico

Também Pedro Delgado Alves, um dos autores do projeto de lei, considera que este assunto não devia ter voltado à AR, mas ter sido resolvido ao nível do Governo e do Exército. “Há uma resistência do Exército em aceitar o erro e as razões da expulsão de Barros Basto. Nada o impede de o fazer. E não o faz. Não se trata só uma cerimónia, trata-se de um ato jurídico que o reintegre. Há uma intenção que não é formalizada”, diz. Admitindo que “a lei de 74 era um foco de discussão entre as várias partes”, o deputado do PS refere que o “projeto de lei não impede que os tribunais, mais tarde, se pronunciem sobre o caso”. “Aqui fala-se de reintegração formal sem mais delongas nem burocracias. O inciso não obstaculiza a posterior ação da justiça”, defende, reforçando que, noutra legislatura, “o próximo projeto de lei pode ser melhor clarificado”. “O que está em causa aqui é praticar um ato simbólico de aceitação de responsabilidades do Estado português. É porque o Exército nada fez que este ato legislativo era indispensável”, conclui.

Rui Duarte Silva

Isabel Ferreira Lopes não compreende o que se passa. “Já não há ditadura, nem a Igreja tem a força de antigamente, não há razões para que não reintegrem formalmente o meu avô. Não tem lógica, nem nada teve desde o início. Está demonstrado que tudo foi um erro, que devia ter sido corrigido. Não se percebe por que é que não o é.” A neta do capitão, terceira geração de descendentes, tem esta herança para passar às seguintes. A herança de uma demora inexplicável escudada em procedimentos, leis, papelada e atrasos vários. “Vamos continuar a lutar. Este já não é só um assunto da família”, assegura ela. Nem deve ser.

marcar artigo