Octávio V. Gonçalves: Um país de indignados virtuais e um pouco zarolhos

27-01-2012
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Acredito na existência de aversões e ressentimentos latentes de uma ampla esquerda, a quem Cavaco Silva infligiu, eleitoralmente, derrotas sucessivas, e que se excita com a possibilidade de utilizar o veículo das pequenas revanches para trazer à superfície esse magma de desafeições cavaquistas, sempre que o Presidente da República comete um erro ou incorre num deslize de linguagem, o que passa a constituir rastilho suficiente para manifestações de uma indignação tal que se pareça estar, mesmo, mesmo, muito indignado.
Pela minha parte e no caso vertente das queixas legítimas de Cavaco Silva sobre os cortes a que tem estado sujeito, não acompanho o fervor desta indignação geral e considero-o, até, comodista, hipócrita e zarolho, no sentido em que desvia o foco atencional dos verdadeiros motivos e protagonistas da crise e da miserabilização do país, substituindo-os, na falta de coragem para os enfrentar nos locais de trabalho, nas ruas e nos tribunais, por uma espécie de saco de pancada virtual (que aliviará simbolicamente a revolta acumulada, concedo), chamado Cavaco Silva.
Para se confirmar o que afirmo, basta atentar nas atuais tendências da indignação nacional, em que, tanto os grupos profissionais atacados nos seus rendimentos e nos seus direitos se corcovam a Passos Coelho (como o haviam feito também em relação a Sócrates), consentido sem qualquer reação, como as ruas, as empresas e as instituições estão desertas de indignados, enquanto os eternizados líderes sindicais, temerosos de perderem o controlo e o tacho, se rendem, iludem (há quantas luas não se enxerga um delegado sindical nas escolas?...) ou folclorizam os protestos.

Voltando ao caso das declarações de Cavaco Silva, não se estará a confundir aquilo que são vencimentos e reformas razoáveis em função de uma longa trajetória profissional (mais de 30 anos) e política, com fortunas rápidas e habilidosas, sem trabalho e descontos concomitantes, que os próprios silenciam e que, como tal, não causam estes movimentos de indignação?
Consideram que, em Portugal, as pensões e os salários devem ser todos iguais, independentemente de qualificações, funções desempenhadas, responsabilidades ou descontos efetuados?
Já não falando das suas qualificações profissionais, não acham que Cavaco Silva (também Mário Soares) deveria ser, entre nós, pelas altas funções desempenhadas ao longo de mais de duas décadas, o político mais bem pago? Acham que deve ser Catroga ou Mexia ou Armando Vara ou Rui Pedro Soares ou tantos outros também de esquerda?
Querem indignar-se a sério? Então, estou seguro de que não faltaram reais motivos para tal, como os seguintes, a título de exemplo:
- não se reprimam tanto e reajam massivamente, invadindo sites e praças, contra os cortes iníquos e à falsa fé nos vencimentos, nas pensões e nos subsídios daqueles que trabalham e descontam e não contribuíram para o regabofe da República;
- exijam, fora do comodismo de cliques e assinaturas de petições inconsequentes, o fim dos cargos inúteis, dos salários milionários e das alcavalas (cartões de crédito, frotas luxuosas) de gestores públicos e afins (empresas sem real concorrência), típicos dos "Catrogas" deste país;
- não convivam, tão mansamente, com os privilégios obscenos e injustificados dos dirigentes e funcionários do Banco de Portugal, das fundações, dos institutos e das empresas públicas de transportes, como a TAP e outras que tais;
- questionem-se sobre as eventuais poupanças, descontos e investimentos que permitem a políticos viver e estudar, desafogadamente e sem trabalhar, no estrangeiro.

Não ter a capacidade para discernir entre situações, temo que nos conduza para um caminho perigoso e descontrolado, que, a prazo, nos poderá mergulhar numa inveja social e num basismo albanês que considerarão injustificados os vencimentos e as reformas de licenciados, professores, advogados, médicos, juízes, etc., indexando tudo aos vencimentos e às reformas de quem não estudou, não teve as funções e responsabilidades destes ou não descontou ao longo de uma vida.

Acredito na existência de aversões e ressentimentos latentes de uma ampla esquerda, a quem Cavaco Silva infligiu, eleitoralmente, derrotas sucessivas, e que se excita com a possibilidade de utilizar o veículo das pequenas revanches para trazer à superfície esse magma de desafeições cavaquistas, sempre que o Presidente da República comete um erro ou incorre num deslize de linguagem, o que passa a constituir rastilho suficiente para manifestações de uma indignação tal que se pareça estar, mesmo, mesmo, muito indignado.
Pela minha parte e no caso vertente das queixas legítimas de Cavaco Silva sobre os cortes a que tem estado sujeito, não acompanho o fervor desta indignação geral e considero-o, até, comodista, hipócrita e zarolho, no sentido em que desvia o foco atencional dos verdadeiros motivos e protagonistas da crise e da miserabilização do país, substituindo-os, na falta de coragem para os enfrentar nos locais de trabalho, nas ruas e nos tribunais, por uma espécie de saco de pancada virtual (que aliviará simbolicamente a revolta acumulada, concedo), chamado Cavaco Silva.
Para se confirmar o que afirmo, basta atentar nas atuais tendências da indignação nacional, em que, tanto os grupos profissionais atacados nos seus rendimentos e nos seus direitos se corcovam a Passos Coelho (como o haviam feito também em relação a Sócrates), consentido sem qualquer reação, como as ruas, as empresas e as instituições estão desertas de indignados, enquanto os eternizados líderes sindicais, temerosos de perderem o controlo e o tacho, se rendem, iludem (há quantas luas não se enxerga um delegado sindical nas escolas?...) ou folclorizam os protestos.

Voltando ao caso das declarações de Cavaco Silva, não se estará a confundir aquilo que são vencimentos e reformas razoáveis em função de uma longa trajetória profissional (mais de 30 anos) e política, com fortunas rápidas e habilidosas, sem trabalho e descontos concomitantes, que os próprios silenciam e que, como tal, não causam estes movimentos de indignação?
Consideram que, em Portugal, as pensões e os salários devem ser todos iguais, independentemente de qualificações, funções desempenhadas, responsabilidades ou descontos efetuados?
Já não falando das suas qualificações profissionais, não acham que Cavaco Silva (também Mário Soares) deveria ser, entre nós, pelas altas funções desempenhadas ao longo de mais de duas décadas, o político mais bem pago? Acham que deve ser Catroga ou Mexia ou Armando Vara ou Rui Pedro Soares ou tantos outros também de esquerda?
Querem indignar-se a sério? Então, estou seguro de que não faltaram reais motivos para tal, como os seguintes, a título de exemplo:
- não se reprimam tanto e reajam massivamente, invadindo sites e praças, contra os cortes iníquos e à falsa fé nos vencimentos, nas pensões e nos subsídios daqueles que trabalham e descontam e não contribuíram para o regabofe da República;
- exijam, fora do comodismo de cliques e assinaturas de petições inconsequentes, o fim dos cargos inúteis, dos salários milionários e das alcavalas (cartões de crédito, frotas luxuosas) de gestores públicos e afins (empresas sem real concorrência), típicos dos "Catrogas" deste país;
- não convivam, tão mansamente, com os privilégios obscenos e injustificados dos dirigentes e funcionários do Banco de Portugal, das fundações, dos institutos e das empresas públicas de transportes, como a TAP e outras que tais;
- questionem-se sobre as eventuais poupanças, descontos e investimentos que permitem a políticos viver e estudar, desafogadamente e sem trabalhar, no estrangeiro.

Não ter a capacidade para discernir entre situações, temo que nos conduza para um caminho perigoso e descontrolado, que, a prazo, nos poderá mergulhar numa inveja social e num basismo albanês que considerarão injustificados os vencimentos e as reformas de licenciados, professores, advogados, médicos, juízes, etc., indexando tudo aos vencimentos e às reformas de quem não estudou, não teve as funções e responsabilidades destes ou não descontou ao longo de uma vida.

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