Sacanas e Sentimentais: Manuel Alegre

30-06-2011
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Escrever para depois não sei escrever.Meu tempo é hoje. Tudo o mais é não ser.Correio - O Canto e as Armas (1967) Manuel Alegre 1 - Lembrar Nos idos anos sessenta Portugal era um país carregado de tristeza. Por essa altura, em Évora, um pequeno mas heterogeneo grupo reunia-se, pelas caladas noites, em casa da Guida. Falávamos, pondo o rádio junto à janela não fosse um bufo da PIDE estar de esculca armada, e sonhávamos, em conjunto, com um país onde o sol brilhasse na efectiva liberdade de todos.Com fundado receio aproveitávamos esses encontros para conseguir alguma esperança. Era o tempo de se ouvir, clandestinamente,as vozes que a transportavam: Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e sobretudo o Manuel Alegre e a sua Praça da Canção e O Canto e as Armas.Assim fomos estando, resistindo e acordámos, subitamente, numa manhã de Abril.A liberdade chegou e nós esfomeados e ingénuos utilizámo-la da maneira que sabíamos e podíamos. Cometemos erros e excessos. Pensámos ser inimigos quem apenas discordava. Era o insconciente fascista a trabalhar dentro de nós, mesmo daqueles que mais se pretendiam da libertários.Assim chegámos a 1977 com a luta acérrima pelo domínio da sociedade e da comunicação social. Aí separei-me do meu ídolo Manuel Alegre e amargamente publiquei o poema que abaixo trancrevo: carta a manelIhouve um tempo em que estavas longee mesmo ao pé da mão cantavaseis senãoquando trocas a canção da cotoviapelo ondular do pássaro secretárioé uma pena e um fadáriodos políticos desta terra quem desterraé desterrado e desta feitaquando roda a roda da fortunaé possível que o poeta venha a sercontemplado com um ministérioou um secretariadono entanto houvera a praça da cançãoum desembarque no rossio há muito prometidoo correioe a maria do brás sempre menina em tihouvera o sena e um bairro clandestinoe guitarras a tocar nas aldeias com amigos dentromas houve nambuangongos que tu não vistequando da poesia te serviste usuráriopara chegares a poeta secretário ourives dapalavra e construtor de frases preciosasmas daquela triste e leda madrugadajá nem resta uma mão a acenarnem o comboio que em frança te deixoutão longe da partidaIIpobre manel-poeta-secretário com modos de ministropobre poeta-doente-marcialcom a poesia embrulhada como um quistoem papel de jornalestás feito em oito ouvistesestás feito em vinteestás feito em milmas já não és o cantor da nossa terraalegre-secretárionem deves ler os poemas do manel-poetao manel-otárioo que dava a voz pela justiçae tinha uma arma carregada de poemassendo a seu modo próprio guerrilheirosenão como seria ao encontraresà esquina das palavraso rosto velho velho desse desconhecidotalvez lhe instaurasses um processopor ser subversivo ou melhoratravés de subsídio comprovadoo levasses a poeta-oficialpois é a vida custa caroe comer em restaurantes conhecidosnão está ao alcance de qualquer poesiamas do magistral sonetode torneada frasede sempre belo efeitosaída dum poetaque faça a preceitorima ministerialcomo estás mudado alegreque se fez triste e tão triste não resiste e émanel-contente manel-parentemanel sempre presenteà recepção na embaixada americananum requintado gosto socialeirojá foste manel sério manel pantomineiroIIIé uma desgraça que as mulheresdo teu país te hajam conhecidoassim enfatuadocomo peru para a matançadesesperado por não entrar na dançaque agitava a populaçae ameaçava os teus louros no alto da carcaçaque o tempo há-de comere a estátua conservarse não manelonde é que os pombos daedilidade irão cagarIVai esta carta já vai tão longacomo a desilusão que nos deixastequando repentinamente te mudastenão foi por mal a gente sabesó querias ser governonão eras oposição mas desesperode te não deixarem subirpara o poleiropor isso manel não perdooteres traído a praça da cançãoe nos cavalos do vento que perdestevoarei ao coração de cada portuguêsa implantar a semente da bandeiraque camões de todo cego tu não vêsé o fim manel a minha despedidasó para te lembrar que não há ministérioque dure toda a vida 2 - E hoje?Não sei se serei um português, como tantos outros, desiludido. O mundo sócio-politico apodreceu. São as felgueiras, os "majores", os avelinos, esta sociedade que se perde em mentiras e descrenças e me deixa de novo com a necessidade de arejar os trapos da casa.Não sendo já nenhum crédulo na bondade intrínseca das pessoas ou dos sistemas, revoltou-me tudo quanto venho a ver sobre as movimentações políticas, autárquicas e presidenciais, sobretudo nas designações, activas ou previsíveis, para as candidaturas à presidência da República.Confesso que não levei, de inicío, muito a sério a candidatura de Manuel Alegre. Mas depois do que vi, desejo ardentemente que essa candidatura avance. No mínimo para arejar o pântano.Manuel Alegre disse estar preparado para avançar e confessou que não tinha aparelho que o apoiasse. E de facto não o terá se nós não decidirmos o contrário. Podemos organizar-nos em comissões de rua, bairro ou cidade. Podemos contactar uns com os outros e promover acções de apoio, propaganda e recolha de fundos. Podemos dizer assim que o país também é nosso e que estamos a ficar fartos da sopa que nos dão a comer.Isto é connosco. Ou ficamos quietos e merecemos tudo o que venha a acontecer, ou dizemos basta e metemos mão à obra. Eu estou pronto! Apareçam por cá!


Escrever para depois não sei escrever.Meu tempo é hoje. Tudo o mais é não ser.Correio - O Canto e as Armas (1967) Manuel Alegre 1 - Lembrar Nos idos anos sessenta Portugal era um país carregado de tristeza. Por essa altura, em Évora, um pequeno mas heterogeneo grupo reunia-se, pelas caladas noites, em casa da Guida. Falávamos, pondo o rádio junto à janela não fosse um bufo da PIDE estar de esculca armada, e sonhávamos, em conjunto, com um país onde o sol brilhasse na efectiva liberdade de todos.Com fundado receio aproveitávamos esses encontros para conseguir alguma esperança. Era o tempo de se ouvir, clandestinamente,as vozes que a transportavam: Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e sobretudo o Manuel Alegre e a sua Praça da Canção e O Canto e as Armas.Assim fomos estando, resistindo e acordámos, subitamente, numa manhã de Abril.A liberdade chegou e nós esfomeados e ingénuos utilizámo-la da maneira que sabíamos e podíamos. Cometemos erros e excessos. Pensámos ser inimigos quem apenas discordava. Era o insconciente fascista a trabalhar dentro de nós, mesmo daqueles que mais se pretendiam da libertários.Assim chegámos a 1977 com a luta acérrima pelo domínio da sociedade e da comunicação social. Aí separei-me do meu ídolo Manuel Alegre e amargamente publiquei o poema que abaixo trancrevo: carta a manelIhouve um tempo em que estavas longee mesmo ao pé da mão cantavaseis senãoquando trocas a canção da cotoviapelo ondular do pássaro secretárioé uma pena e um fadáriodos políticos desta terra quem desterraé desterrado e desta feitaquando roda a roda da fortunaé possível que o poeta venha a sercontemplado com um ministérioou um secretariadono entanto houvera a praça da cançãoum desembarque no rossio há muito prometidoo correioe a maria do brás sempre menina em tihouvera o sena e um bairro clandestinoe guitarras a tocar nas aldeias com amigos dentromas houve nambuangongos que tu não vistequando da poesia te serviste usuráriopara chegares a poeta secretário ourives dapalavra e construtor de frases preciosasmas daquela triste e leda madrugadajá nem resta uma mão a acenarnem o comboio que em frança te deixoutão longe da partidaIIpobre manel-poeta-secretário com modos de ministropobre poeta-doente-marcialcom a poesia embrulhada como um quistoem papel de jornalestás feito em oito ouvistesestás feito em vinteestás feito em milmas já não és o cantor da nossa terraalegre-secretárionem deves ler os poemas do manel-poetao manel-otárioo que dava a voz pela justiçae tinha uma arma carregada de poemassendo a seu modo próprio guerrilheirosenão como seria ao encontraresà esquina das palavraso rosto velho velho desse desconhecidotalvez lhe instaurasses um processopor ser subversivo ou melhoratravés de subsídio comprovadoo levasses a poeta-oficialpois é a vida custa caroe comer em restaurantes conhecidosnão está ao alcance de qualquer poesiamas do magistral sonetode torneada frasede sempre belo efeitosaída dum poetaque faça a preceitorima ministerialcomo estás mudado alegreque se fez triste e tão triste não resiste e émanel-contente manel-parentemanel sempre presenteà recepção na embaixada americananum requintado gosto socialeirojá foste manel sério manel pantomineiroIIIé uma desgraça que as mulheresdo teu país te hajam conhecidoassim enfatuadocomo peru para a matançadesesperado por não entrar na dançaque agitava a populaçae ameaçava os teus louros no alto da carcaçaque o tempo há-de comere a estátua conservarse não manelonde é que os pombos daedilidade irão cagarIVai esta carta já vai tão longacomo a desilusão que nos deixastequando repentinamente te mudastenão foi por mal a gente sabesó querias ser governonão eras oposição mas desesperode te não deixarem subirpara o poleiropor isso manel não perdooteres traído a praça da cançãoe nos cavalos do vento que perdestevoarei ao coração de cada portuguêsa implantar a semente da bandeiraque camões de todo cego tu não vêsé o fim manel a minha despedidasó para te lembrar que não há ministérioque dure toda a vida 2 - E hoje?Não sei se serei um português, como tantos outros, desiludido. O mundo sócio-politico apodreceu. São as felgueiras, os "majores", os avelinos, esta sociedade que se perde em mentiras e descrenças e me deixa de novo com a necessidade de arejar os trapos da casa.Não sendo já nenhum crédulo na bondade intrínseca das pessoas ou dos sistemas, revoltou-me tudo quanto venho a ver sobre as movimentações políticas, autárquicas e presidenciais, sobretudo nas designações, activas ou previsíveis, para as candidaturas à presidência da República.Confesso que não levei, de inicío, muito a sério a candidatura de Manuel Alegre. Mas depois do que vi, desejo ardentemente que essa candidatura avance. No mínimo para arejar o pântano.Manuel Alegre disse estar preparado para avançar e confessou que não tinha aparelho que o apoiasse. E de facto não o terá se nós não decidirmos o contrário. Podemos organizar-nos em comissões de rua, bairro ou cidade. Podemos contactar uns com os outros e promover acções de apoio, propaganda e recolha de fundos. Podemos dizer assim que o país também é nosso e que estamos a ficar fartos da sopa que nos dão a comer.Isto é connosco. Ou ficamos quietos e merecemos tudo o que venha a acontecer, ou dizemos basta e metemos mão à obra. Eu estou pronto! Apareçam por cá!

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