A Poesia que fugiu dos bares da capital e subiu à Estrela

08-07-2011
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É final de tarde no Jardim da Estrela. Duas adolescentes serpenteiam o parque, de patins, entre dragoeiros e araucárias, bem perto dos bandos de patos e cisnes que se passeiam pelo lago. Uma mãe auxilia uma criança a dar os primeiros passos. E um fontanário completa a visão possível do locus amoenus – expressão latina para um lugar ameno, inspiração de vários poetas bucólicos desde a Antiguidade Clássica. Para trás das portas deste jardim público ficam o caos do tráfego automóvel e o odor a combustível queimado da cidade. O caminho conduz agora até um slammer, um dos concorrentes que «performam» um texto da sua autoria num torneio de «slam poetry» (neste dia foram sete) .

Por volta das 20h, junto a um quiosque convertido em restaurante com esplanada, começam a ressoar, sobrepostas, várias línguas e linguagens sonoras. É aqui que entram os organizadores das sessões da “Poetry Slam Lisboa”, um evento itinerante, nascido em Setembro do ano passado, que tem espalhado, a par das congéneres “Slam Poetry Nights”, o conceito de «torneio de poesia» pela capital. A portuguesa Ana Reis e o italiano Mick Mengucci comprometeram-se com os gerentes do Quiosque do Jardim da Estrela a animar a esplanada até à meia-noite, no âmbito do programa «28 para a Estrela – Ninguém Paga Bilhete».

Se a «slam poetry» - primeiro nos Estados Unidos nos anos 1980 e depois nas capitais europeias – teve o condão de retirar a poesia dos livros e dos cadernos para um palco e fazer dela matéria para ser expressa em voz alta, a organização da “Poetry Slam Lisboa” experimentou, numa acção inédita em Portugal, retirar esta competição de poetas das quatro paredes de um bar e fixá-lo num espaço público a céu aberto. Os poetas têm então três minutos para mostrarem o que valem perante um júri constituído por membros escolhidos informalmente entre o público.

«A poesia devia ser colocada em todas as praças, para comunicar e partilhar, como acontece no Hyde Park [em Londres], onde há um palco para quem o queira fazer. Este é o ambiente ideal para divulgar textos, ideias e pessoas», afirma Mick Mengucci, mestre-de-cerimónias (MC) e co-organizador desta sessão, que na noite de quarta-feira também improvisou rimas, literalmente de pernas para o ar, sobre um mantra de música electrónica patrocinado por Jari Marjamäki, um produtor finlandês radicado em Portugal. Mick acrescenta que, apesar do ambiente de esplanada e dos holofotes, não se perdeu a intimidade que povoa as sessões «dentro de portas».

A «poesia surrealista» de miúdos para graúdos

A organização admite que na noite da iniciativa o conceito de «slam poetry» - ou mesmo o de poesia sem competição e regras à mistura - chegou a um público mais vasto, incluindo crianças e idosos, pessoas que não se deslocariam a um bar depois da meia-noite para ouvir um poema que fosse.

Aliás, Vicente e o irmão, duas crianças que acompanhavam os pais num passeio pelo jardim, foram os protagonistas do «open mic» («microfone aberto»), um momento extra-competição, para quem quisesse apenas partilhar palavras, suas ou de outros. Da boca dos miúdos saiu «poesia surrealista» - como definiu Mengucci – alusiva a «uma galinha verde a ver o sol», a desejos interditos de ir viver para a China ou a um condutor de um autocarro que atropelou uma galinha só para a comer.

Foi, por sua vez, inspirado nas frases destas duas crianças e de outras palavras partilhadas e «performadas» no Jardim da Estrela ao longo da noite passada, que Yaw Tembe, 22 anos, vindo de Almada para se estrear numa sessão de «slam poetry», construiu, recorrendo à espontaneidade e à memória, o poema «Plágio», uma síntese das ideias e sonoridades que fixou das intervenções dos seus parceiros de microfone, que lhe valeu a vitória na final.

O segundo lugar da edição fora de portas da “Poetry Slam Lisboa” foi conquistado pela italiana Paola d’Agostino, 36 anos. Esta escritora e professora no Instituto Italiano de Cultura trouxe à baila um poema em torno da expressão portuguesa «pouca-terra» e um outro sobre a expressão italiana «bunga-bunga». Sem tirar, nem pôr, foi assim que explicou a modalidade a um arrumador de carros recorrendo à poesia: «Olhe, para lhe dar uma ideia: É um ritual erótico pós-ceia, que em Itália virou prática política e já esgotou os argumentos da ética». Uma habitué nestas andanças, a poetisa italiana compara esta experiência ao ar livre – uma novidade para si – com as várias participações em torneios de poesia entre paredes. «No caso de um jardim, ganha-se a companhia das árvores, um céu a mais, uma cumplicidade com a natureza. No início pode incomodar a exposição excessiva, a ideia de haver transeuntes, ouvintes casuais», mas, conclui, que «afinal é estimulante convencer as pessoas de que a poesia vale a pena, de que vale a pena ficar, abrir os poros da pele e estar disponível para a escuta».

Já Tatiana Paoli, 33 anos, outra italiana a residir e a trabalhar em Portugal, que veio acompanhar um amigo estreante como slammer esta noite – Bruno Dias, vindo da Charneca da Caparica, autor das perguntas retóricas como «e se fosses água/ quantas gotas juntarias?/ que montes rasgavas?» -, admite que a sensação de competição, inerente aos torneios de «slam poetry», lhe passou quase despercebida. Ao evento de poesia a céu aberto associou as ideias de «liberdade, comunhão e partilha de pensamentos e energias, versatilidade dos artistas e dos géneros de poesia e o abrir dos olhos para a multiculturalidade de Lisboa».

É final de tarde no Jardim da Estrela. Duas adolescentes serpenteiam o parque, de patins, entre dragoeiros e araucárias, bem perto dos bandos de patos e cisnes que se passeiam pelo lago. Uma mãe auxilia uma criança a dar os primeiros passos. E um fontanário completa a visão possível do locus amoenus – expressão latina para um lugar ameno, inspiração de vários poetas bucólicos desde a Antiguidade Clássica. Para trás das portas deste jardim público ficam o caos do tráfego automóvel e o odor a combustível queimado da cidade. O caminho conduz agora até um slammer, um dos concorrentes que «performam» um texto da sua autoria num torneio de «slam poetry» (neste dia foram sete) .

Por volta das 20h, junto a um quiosque convertido em restaurante com esplanada, começam a ressoar, sobrepostas, várias línguas e linguagens sonoras. É aqui que entram os organizadores das sessões da “Poetry Slam Lisboa”, um evento itinerante, nascido em Setembro do ano passado, que tem espalhado, a par das congéneres “Slam Poetry Nights”, o conceito de «torneio de poesia» pela capital. A portuguesa Ana Reis e o italiano Mick Mengucci comprometeram-se com os gerentes do Quiosque do Jardim da Estrela a animar a esplanada até à meia-noite, no âmbito do programa «28 para a Estrela – Ninguém Paga Bilhete».

Se a «slam poetry» - primeiro nos Estados Unidos nos anos 1980 e depois nas capitais europeias – teve o condão de retirar a poesia dos livros e dos cadernos para um palco e fazer dela matéria para ser expressa em voz alta, a organização da “Poetry Slam Lisboa” experimentou, numa acção inédita em Portugal, retirar esta competição de poetas das quatro paredes de um bar e fixá-lo num espaço público a céu aberto. Os poetas têm então três minutos para mostrarem o que valem perante um júri constituído por membros escolhidos informalmente entre o público.

«A poesia devia ser colocada em todas as praças, para comunicar e partilhar, como acontece no Hyde Park [em Londres], onde há um palco para quem o queira fazer. Este é o ambiente ideal para divulgar textos, ideias e pessoas», afirma Mick Mengucci, mestre-de-cerimónias (MC) e co-organizador desta sessão, que na noite de quarta-feira também improvisou rimas, literalmente de pernas para o ar, sobre um mantra de música electrónica patrocinado por Jari Marjamäki, um produtor finlandês radicado em Portugal. Mick acrescenta que, apesar do ambiente de esplanada e dos holofotes, não se perdeu a intimidade que povoa as sessões «dentro de portas».

A «poesia surrealista» de miúdos para graúdos

A organização admite que na noite da iniciativa o conceito de «slam poetry» - ou mesmo o de poesia sem competição e regras à mistura - chegou a um público mais vasto, incluindo crianças e idosos, pessoas que não se deslocariam a um bar depois da meia-noite para ouvir um poema que fosse.

Aliás, Vicente e o irmão, duas crianças que acompanhavam os pais num passeio pelo jardim, foram os protagonistas do «open mic» («microfone aberto»), um momento extra-competição, para quem quisesse apenas partilhar palavras, suas ou de outros. Da boca dos miúdos saiu «poesia surrealista» - como definiu Mengucci – alusiva a «uma galinha verde a ver o sol», a desejos interditos de ir viver para a China ou a um condutor de um autocarro que atropelou uma galinha só para a comer.

Foi, por sua vez, inspirado nas frases destas duas crianças e de outras palavras partilhadas e «performadas» no Jardim da Estrela ao longo da noite passada, que Yaw Tembe, 22 anos, vindo de Almada para se estrear numa sessão de «slam poetry», construiu, recorrendo à espontaneidade e à memória, o poema «Plágio», uma síntese das ideias e sonoridades que fixou das intervenções dos seus parceiros de microfone, que lhe valeu a vitória na final.

O segundo lugar da edição fora de portas da “Poetry Slam Lisboa” foi conquistado pela italiana Paola d’Agostino, 36 anos. Esta escritora e professora no Instituto Italiano de Cultura trouxe à baila um poema em torno da expressão portuguesa «pouca-terra» e um outro sobre a expressão italiana «bunga-bunga». Sem tirar, nem pôr, foi assim que explicou a modalidade a um arrumador de carros recorrendo à poesia: «Olhe, para lhe dar uma ideia: É um ritual erótico pós-ceia, que em Itália virou prática política e já esgotou os argumentos da ética». Uma habitué nestas andanças, a poetisa italiana compara esta experiência ao ar livre – uma novidade para si – com as várias participações em torneios de poesia entre paredes. «No caso de um jardim, ganha-se a companhia das árvores, um céu a mais, uma cumplicidade com a natureza. No início pode incomodar a exposição excessiva, a ideia de haver transeuntes, ouvintes casuais», mas, conclui, que «afinal é estimulante convencer as pessoas de que a poesia vale a pena, de que vale a pena ficar, abrir os poros da pele e estar disponível para a escuta».

Já Tatiana Paoli, 33 anos, outra italiana a residir e a trabalhar em Portugal, que veio acompanhar um amigo estreante como slammer esta noite – Bruno Dias, vindo da Charneca da Caparica, autor das perguntas retóricas como «e se fosses água/ quantas gotas juntarias?/ que montes rasgavas?» -, admite que a sensação de competição, inerente aos torneios de «slam poetry», lhe passou quase despercebida. Ao evento de poesia a céu aberto associou as ideias de «liberdade, comunhão e partilha de pensamentos e energias, versatilidade dos artistas e dos géneros de poesia e o abrir dos olhos para a multiculturalidade de Lisboa».

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