Vodka com laranja e outras aberrações

14-05-2015
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Em Loures o Partido Comunista ofereceu cargos a todos os partidos (diz-se que com condições diferenciadas conforme os convidados, mais não conheço os pormenores). Como se fosse indiferente a posição que se tenha sobre uma política integrada para o concelho e como se dirigir um município pudesse resultar duma manta de retalhos programáticos. O PS, que perdeu as eleições depois de anos de péssimo governo, recusou. Não acho mal. Os eleitores julgaram o seu trabalho, o PS perdeu e vai para a oposição pensar no assunto. O PSD aceitou. E assim temos mais uma câmara "vodka com laranja". Que, talvez não saibam, é uma das coligações pós-eleitorais mais habituais nas autarquias. Geralmente ao contrário: PSD preside e a CDU, muitas vezes a terceira força, junta-se à coisa.

Extraordinariamente, a mesma CDU não aceitou integrar uma solução executiva no Funchal, onde estão todos os restantes partidos de esquerda, assim como não integrara a coligação eleitoral. Haverá razões para isso. Será é difícil casa-las com os argumentos apresentados pelo antigo líder parlamentar do PCP para Loures, baseados, entre outras coisas, na "estabilidade" do executivo. As voltas que a política dá.

Apesar de um pouco diferente, por se tratar apenas da eleição do presidente da Assembleia Municipal, os eleitos do Bloco de Esquerda em Olhão juntaram-se ao PCP e ao PSD para eleger um social-democrata. Diz que o primeiro candidato apresentado pelo PS, que ganhou as eleições, era pouco recomendável e que assim se garantia uma melhor fiscalização. Mas não deixa de ser difícil explicar esta decisão aos eleitores de um partido que fez campanha autárquica usando argumentos relacionados com a política nacional.

Sabe-se também que a direção nacional do Bloco de Esquerda inviabilizou uma coligação pré-eleitoral com o PS, em Caminha, porque o PCP não quis participar. E que isso corresponde a uma diretiva nacional, que proíbe entendimentos com o PS se não incluírem o PCP (com exceção do Funchal). E esta interdição também se aplica se a exclusão dos comunistas resultar da sua própria vontade. Ou seja, o BE esconde o seu próprio sectarismo atrás do sectarismo do PCP, numa atitude ainda mais grave, porque cobarde e sonsa.

Na Área Metropolitana de Lisboa, o Partido Socialista e o PCP mantêm um braço de ferro mesquinho e inútil, aos olhos de todo o País, porque o PS se recusa a dividir poder com os comunistas no mesmo momento que, no Porto, se alia a Rui Moreira sem grandes dramas. Nas autarquias, como no País, o PS fala mais facilmente com o PSD do que com os que estão á sua esquerda. Na realidade, uma das razões porque estamos politicamente bloqueados é por causa deste ódio furioso que PS, PCP e BE têm entre si. Já o PSD e o CDS, como se sabe, no país e nas autarquias, entendem-se sem qualquer problema.

Tenho sido muito adjetivo em relação a este governo. E quero deixar claro que não o sou apenas para, como alguns, picar o ponto do protesto. Quando digo que este governo é o pior de sempre, quando escrevo que está a destruir o país, quando me refiro aos seus líderes como traidores à pátria não estou a usar recursos de retórica. Estou mesmo a falar a sério. E ajo em conformidade. Assim, não voto, para nenhuma eleição, nos partidos que sustentam o governo de Pedro Passos Coelho. Acho que a convicção de que o governo do PSD e do CDS está a trair e a destruir o meu país é suficiente para esta atitude mais drástica. E não voto em nenhum partido que, de alguma forma, lhe dê a mão e poder. Pelo menos até este primeiro-ministro ir à sua vida. A radicalidade da minha revolta não deve ser um estado de alma, mas uma atitude consequente. Atitude que não teria, pelo menos de forma tão incisiva, noutros momentos da nossa história recente. A única coisa que espero é que pessoas com responsabilidades políticas também sejam consequentes. E se o PCP e o Bloco (o PS nunca sei bem o que pensa) acham mesmo o que dizem que acham sobre este governo e os partidos que o apoiam, tão violentos sentimentos de repulsa não podem desaparecer quando se chega aos Paços do Concelho. Passos Coelho não pode ser um "inimigo do povo" enquanto o principal animador dos seus congressos, agora paraquedista em Loures, é um aliado no governo local. A radicalidade da situação deve corresponder à radicalidade da oposição. Mas a radicalidade da oposição tem de ter credibilidade junto das pessoas. O que exige coerência.

Mas o caso de Loures e de Olhão (e Sintra, onde a coligação é entre o PS, o PSD e o PCP, sendo dirigida por um ex-CDS) leva-me a outra reflexão, para além das doentias relações à esquerda: a forma de governo das autarquias, que favorece a promiscuidade e a falta de clareza política. O atual sistema, em que o executivo não corresponde, de facto, a um governo, favorece a distribuição de pastas por partidos sem qualquer ligação programática. Para conseguir maiorias, mas não só. Para calar oposições. Para muitos cidadãos que não valorizam a existência de alternativas claras em democracia isto parecerá excelente. Eu considero péssimo. Porque qualquer governo precisa de oposição. E porque se espera de um governo um programa que faça sentido.

A alternativa a isto não é o monolitismo político. São assembleias municipais com muitíssimo mais poder do que hoje, onde a oposição possa exercer a sua função e onde se constituam as maiorias que suportam o executivo, dirigido pelo presidente eleito. Com algumas diferenças, deveria ser como acontece no governo do País. Há governo e oposição e eles não se confundem. O sistema atual promove a traficância de cargos, o silenciamento de divergências, a diluição de responsabilidades políticas, a inexistência de controlo democrático e, porque não dizê-lo, a promoção da mais desbragada prostituição política.

Ao contrário do que se diz e pensa, a política não acaba quando chegamos ao poder local. Não passa a ser apenas "uma questão de pessoas". Quando a câmara não é uma mera distribuidora de empregos e de empreitadas e quando já ultrapassou a fase do saneamento básico e do pavilhão multiusos, há diferenças programáticas nas políticas de desenvolvimento, de habitação, de planeamento do território ou fiscal. Diferenças não são menos acentuadas do que as de um governo nacional. A única razão pela qual as pessoas não o sentem é porque a maioria das nossas autarquias ainda anda a tratar quase só de betão. E, de facto, o betão é apenas betão. Pouco interessa quem o manda pôr.

Se não fosse assim, notaríamos uma diferença entre Amadora (há anos dirigida pelo PS), Sintra (que balança entre o PS e o PSD) e Almada (desde sempre dirigida pelo PCP). Notam alguma diferença na política imobiliária, fiscal, de planeamento do território ou mesmo social destas três câmaras dos arredores de Lisboa? Eu não. Em todas elas os negócios imobiliários venceram os interesses dos cidadãos. Em todas elas os realojamentos seguiram a mesma lógica. Em todas elas não há uma estratégia económica de longo prazo que permita que estes concelhos deixem de ser dormitórios. Em todas elas as relações com a sociedade civil e com a cultura seguem a mesma lógica clientelar.

As diferenças políticas fundamentais só se notam quando há programas, e não apenas conjuntos de medidas e obras. Quando chegarmos a essa fase do poder local, não vejo como pode Bernardino Soares governar com Fernando Rocha, um fervoroso apoiante Pedro Passos Coelho. Nem como podem as câmaras continuar a viver sem uma verdadeira oposição. Até lá, temos apenas a compra e a venda de pelouros. Que prejudica a credibilidade do que os partidos dizem na política nacional e impede a transparência no funcionamento do poder local.

Em Loures o Partido Comunista ofereceu cargos a todos os partidos (diz-se que com condições diferenciadas conforme os convidados, mais não conheço os pormenores). Como se fosse indiferente a posição que se tenha sobre uma política integrada para o concelho e como se dirigir um município pudesse resultar duma manta de retalhos programáticos. O PS, que perdeu as eleições depois de anos de péssimo governo, recusou. Não acho mal. Os eleitores julgaram o seu trabalho, o PS perdeu e vai para a oposição pensar no assunto. O PSD aceitou. E assim temos mais uma câmara "vodka com laranja". Que, talvez não saibam, é uma das coligações pós-eleitorais mais habituais nas autarquias. Geralmente ao contrário: PSD preside e a CDU, muitas vezes a terceira força, junta-se à coisa.

Extraordinariamente, a mesma CDU não aceitou integrar uma solução executiva no Funchal, onde estão todos os restantes partidos de esquerda, assim como não integrara a coligação eleitoral. Haverá razões para isso. Será é difícil casa-las com os argumentos apresentados pelo antigo líder parlamentar do PCP para Loures, baseados, entre outras coisas, na "estabilidade" do executivo. As voltas que a política dá.

Apesar de um pouco diferente, por se tratar apenas da eleição do presidente da Assembleia Municipal, os eleitos do Bloco de Esquerda em Olhão juntaram-se ao PCP e ao PSD para eleger um social-democrata. Diz que o primeiro candidato apresentado pelo PS, que ganhou as eleições, era pouco recomendável e que assim se garantia uma melhor fiscalização. Mas não deixa de ser difícil explicar esta decisão aos eleitores de um partido que fez campanha autárquica usando argumentos relacionados com a política nacional.

Sabe-se também que a direção nacional do Bloco de Esquerda inviabilizou uma coligação pré-eleitoral com o PS, em Caminha, porque o PCP não quis participar. E que isso corresponde a uma diretiva nacional, que proíbe entendimentos com o PS se não incluírem o PCP (com exceção do Funchal). E esta interdição também se aplica se a exclusão dos comunistas resultar da sua própria vontade. Ou seja, o BE esconde o seu próprio sectarismo atrás do sectarismo do PCP, numa atitude ainda mais grave, porque cobarde e sonsa.

Na Área Metropolitana de Lisboa, o Partido Socialista e o PCP mantêm um braço de ferro mesquinho e inútil, aos olhos de todo o País, porque o PS se recusa a dividir poder com os comunistas no mesmo momento que, no Porto, se alia a Rui Moreira sem grandes dramas. Nas autarquias, como no País, o PS fala mais facilmente com o PSD do que com os que estão á sua esquerda. Na realidade, uma das razões porque estamos politicamente bloqueados é por causa deste ódio furioso que PS, PCP e BE têm entre si. Já o PSD e o CDS, como se sabe, no país e nas autarquias, entendem-se sem qualquer problema.

Tenho sido muito adjetivo em relação a este governo. E quero deixar claro que não o sou apenas para, como alguns, picar o ponto do protesto. Quando digo que este governo é o pior de sempre, quando escrevo que está a destruir o país, quando me refiro aos seus líderes como traidores à pátria não estou a usar recursos de retórica. Estou mesmo a falar a sério. E ajo em conformidade. Assim, não voto, para nenhuma eleição, nos partidos que sustentam o governo de Pedro Passos Coelho. Acho que a convicção de que o governo do PSD e do CDS está a trair e a destruir o meu país é suficiente para esta atitude mais drástica. E não voto em nenhum partido que, de alguma forma, lhe dê a mão e poder. Pelo menos até este primeiro-ministro ir à sua vida. A radicalidade da minha revolta não deve ser um estado de alma, mas uma atitude consequente. Atitude que não teria, pelo menos de forma tão incisiva, noutros momentos da nossa história recente. A única coisa que espero é que pessoas com responsabilidades políticas também sejam consequentes. E se o PCP e o Bloco (o PS nunca sei bem o que pensa) acham mesmo o que dizem que acham sobre este governo e os partidos que o apoiam, tão violentos sentimentos de repulsa não podem desaparecer quando se chega aos Paços do Concelho. Passos Coelho não pode ser um "inimigo do povo" enquanto o principal animador dos seus congressos, agora paraquedista em Loures, é um aliado no governo local. A radicalidade da situação deve corresponder à radicalidade da oposição. Mas a radicalidade da oposição tem de ter credibilidade junto das pessoas. O que exige coerência.

Mas o caso de Loures e de Olhão (e Sintra, onde a coligação é entre o PS, o PSD e o PCP, sendo dirigida por um ex-CDS) leva-me a outra reflexão, para além das doentias relações à esquerda: a forma de governo das autarquias, que favorece a promiscuidade e a falta de clareza política. O atual sistema, em que o executivo não corresponde, de facto, a um governo, favorece a distribuição de pastas por partidos sem qualquer ligação programática. Para conseguir maiorias, mas não só. Para calar oposições. Para muitos cidadãos que não valorizam a existência de alternativas claras em democracia isto parecerá excelente. Eu considero péssimo. Porque qualquer governo precisa de oposição. E porque se espera de um governo um programa que faça sentido.

A alternativa a isto não é o monolitismo político. São assembleias municipais com muitíssimo mais poder do que hoje, onde a oposição possa exercer a sua função e onde se constituam as maiorias que suportam o executivo, dirigido pelo presidente eleito. Com algumas diferenças, deveria ser como acontece no governo do País. Há governo e oposição e eles não se confundem. O sistema atual promove a traficância de cargos, o silenciamento de divergências, a diluição de responsabilidades políticas, a inexistência de controlo democrático e, porque não dizê-lo, a promoção da mais desbragada prostituição política.

Ao contrário do que se diz e pensa, a política não acaba quando chegamos ao poder local. Não passa a ser apenas "uma questão de pessoas". Quando a câmara não é uma mera distribuidora de empregos e de empreitadas e quando já ultrapassou a fase do saneamento básico e do pavilhão multiusos, há diferenças programáticas nas políticas de desenvolvimento, de habitação, de planeamento do território ou fiscal. Diferenças não são menos acentuadas do que as de um governo nacional. A única razão pela qual as pessoas não o sentem é porque a maioria das nossas autarquias ainda anda a tratar quase só de betão. E, de facto, o betão é apenas betão. Pouco interessa quem o manda pôr.

Se não fosse assim, notaríamos uma diferença entre Amadora (há anos dirigida pelo PS), Sintra (que balança entre o PS e o PSD) e Almada (desde sempre dirigida pelo PCP). Notam alguma diferença na política imobiliária, fiscal, de planeamento do território ou mesmo social destas três câmaras dos arredores de Lisboa? Eu não. Em todas elas os negócios imobiliários venceram os interesses dos cidadãos. Em todas elas os realojamentos seguiram a mesma lógica. Em todas elas não há uma estratégia económica de longo prazo que permita que estes concelhos deixem de ser dormitórios. Em todas elas as relações com a sociedade civil e com a cultura seguem a mesma lógica clientelar.

As diferenças políticas fundamentais só se notam quando há programas, e não apenas conjuntos de medidas e obras. Quando chegarmos a essa fase do poder local, não vejo como pode Bernardino Soares governar com Fernando Rocha, um fervoroso apoiante Pedro Passos Coelho. Nem como podem as câmaras continuar a viver sem uma verdadeira oposição. Até lá, temos apenas a compra e a venda de pelouros. Que prejudica a credibilidade do que os partidos dizem na política nacional e impede a transparência no funcionamento do poder local.

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