Insónia: Elogio da confissão

05-07-2011
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Invejo Pedro Mexia. Temos quase a mesma idade, mas ele é muito mais culto do que eu. É provável que também seja mais inteligente, embora esse seja sempre um item difícil de determinar. Escreve, obviamente, muito melhor do que algum dia eu conseguirei escrever. Mesmo não ambicionando escrever "no registo do costume" de Pedro Mexia, inegável se me torna, a cada momento, que eu nunca hei-de escrever assim tão bem. Só não lhe invejo a barriga e o cabelo loiro, ainda que me seja cada vez mais penoso pronunciar-me sobre barrigas. Quanto à filiação capilar, prefiro claramente a minha. Acresce que invejo Pedro Mexia por outra razão. Ele, que se diz de direita, ousa escrever coisas que eu preferia ler a alguém que se dissesse de esquerda. Leia-se, a título de exemplo, a crónica de hoje no Diário de Notícias. Não dispensando leitura integral, arrisco numa síntese: «Digamos que tenho pelo Parlamento o mesmo sentimento que tenho pela minha vesícula: agradeço em abstracto a sua diligente actividade, mas dispenso detalhes. (…) O hemiciclo, em termos arquitectónicos, tem estilo. Infelizmente, em tarde de ananases, a casa da democracia estava transformada em sauna da democracia. (…) Nunca tinha visto ao vivo dois terços dos nossos eminentes deputados. Tomei algumas notas. (…) Nuno Melo lembra um entusiasmo de magala que vai às meninas. Miguel Frasquilho cultiva uma pilosidade digna dos Habsburgos. (…) Há uma socialista que parece uma lojista de Carnide. Há um deputado ecologista com rabo-de-cavalo. Bernardino Soares nunca foi novo. Fernando Rosas é mais credível de suspensórios. (…) O debate é cansativamente previsível. (…) Cada bancada aplaude e apupa estritamente o que lhe compete e apenas isso, lança dichotes e risadas, os clichés são em grande estilo Gato Fedorento (com metáforas futebolísticas e tudo). O nível geral é fraquinho. (…) Ideologicamente, a situação é ainda mais complicada. Eu sou um homem da direita moderada (aquilo que a direita musculada chama "um homem de esquerda"). O Governo é um Governo de centro-esquerda (aquilo a que esquerda ideológica chama "um Governo de direita"). Assim, tenho dificuldade em embirrar com este executivo dito socialista. (…) Não sei exactamente qual é o estado da Nação. Mas creio que não se recomenda.» Foda-se, como eu gostava de ter escrito isto.

Invejo Pedro Mexia. Temos quase a mesma idade, mas ele é muito mais culto do que eu. É provável que também seja mais inteligente, embora esse seja sempre um item difícil de determinar. Escreve, obviamente, muito melhor do que algum dia eu conseguirei escrever. Mesmo não ambicionando escrever "no registo do costume" de Pedro Mexia, inegável se me torna, a cada momento, que eu nunca hei-de escrever assim tão bem. Só não lhe invejo a barriga e o cabelo loiro, ainda que me seja cada vez mais penoso pronunciar-me sobre barrigas. Quanto à filiação capilar, prefiro claramente a minha. Acresce que invejo Pedro Mexia por outra razão. Ele, que se diz de direita, ousa escrever coisas que eu preferia ler a alguém que se dissesse de esquerda. Leia-se, a título de exemplo, a crónica de hoje no Diário de Notícias. Não dispensando leitura integral, arrisco numa síntese: «Digamos que tenho pelo Parlamento o mesmo sentimento que tenho pela minha vesícula: agradeço em abstracto a sua diligente actividade, mas dispenso detalhes. (…) O hemiciclo, em termos arquitectónicos, tem estilo. Infelizmente, em tarde de ananases, a casa da democracia estava transformada em sauna da democracia. (…) Nunca tinha visto ao vivo dois terços dos nossos eminentes deputados. Tomei algumas notas. (…) Nuno Melo lembra um entusiasmo de magala que vai às meninas. Miguel Frasquilho cultiva uma pilosidade digna dos Habsburgos. (…) Há uma socialista que parece uma lojista de Carnide. Há um deputado ecologista com rabo-de-cavalo. Bernardino Soares nunca foi novo. Fernando Rosas é mais credível de suspensórios. (…) O debate é cansativamente previsível. (…) Cada bancada aplaude e apupa estritamente o que lhe compete e apenas isso, lança dichotes e risadas, os clichés são em grande estilo Gato Fedorento (com metáforas futebolísticas e tudo). O nível geral é fraquinho. (…) Ideologicamente, a situação é ainda mais complicada. Eu sou um homem da direita moderada (aquilo que a direita musculada chama "um homem de esquerda"). O Governo é um Governo de centro-esquerda (aquilo a que esquerda ideológica chama "um Governo de direita"). Assim, tenho dificuldade em embirrar com este executivo dito socialista. (…) Não sei exactamente qual é o estado da Nação. Mas creio que não se recomenda.» Foda-se, como eu gostava de ter escrito isto.

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