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21-01-2012
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Desde que a democracia foi restabelecida em Portugal, a direita e o centro-direita nunca conseguiram eleger um Presidente da República e só por uma vez estiveram próximos de o conseguir, quando Freitas do Amaral ficou a 1,5 por cento da vitória. À esquerda basta-lhe conseguir um candidato minimamente credível na área socialista: a matriz dominante do nosso eleitorado, que é de centro-esquerda, elegê-lo-á sempre, principalmente se a direita tiver o Governo, ao contrário do que supunha e desejava Sá Carneiro.

É fácil entender assim os engulhos que a eleição presidencial significa sempre, inevitavelmente, para o PSD e o PP. Eis aqui um problema que o Partido Socialista nunca teve, excepto por uma vez e bastou essa única vez para dividir o partido ao meio e lançá-lo na maior crise da sua existência: foi quando Mário Soares recusou subscrever a recandidatura de Ramalho Eanes, ao contrário da direcção do partido. De resto, com o primeiro mandato de Eanes, os dois de Soares e os dois que Sampaio cumprirá, o PS assegurou mais de 20 anos tranquilos em matéria de eleição presidencial. É um luxo, de que os próprios socialistas, se calhar, nem se dão conta.

Mas as dificuldades que o PSD teve para encontrar um candidato, as trapalhadas em que Paulo Portas lançou o PP à roda da bravata da candidatura autónoma do seu partido e a habitual tristeza e desmotivação da candidatura comunista, encarada como uma simples tarefa partidária atribuída a um funcionário, mostram bem o quanto é difícil, para os perdedores antecipados, entrarem num jogo de inscrição obrigatória, onde têm tudo a perder e nada ou quase nada a ganhar.

Na verdade, a estagnação ideológica do eleitorado - que é mais patente nas presidenciais do que nas legislativas ou nas autárquicas - deixa pouco ou nenhum espaço conquistável à direita, a menos que a esquerda socialista cometesse o disparate de se apresentar às urnas com um candidato inaceitável. Por outro lado, concorre ainda uma situação, que, não sendo exclusiva da batalha presidencial, antes sendo um dos sinais de marca da nossa democracia, agrava ainda mais as coisas: é que em Portugal tem-se revelado impossível apear nas urnas um Governo ou um Presidente em funções, excepto por desistência deste ou por implosão interna. Isto é assim no Governo da República, nas autarquias, onde há presidentes de Câmara em funções há 20 anos e depois de seis eleições sucessivas, e nas Regiões Autónomas, como agora se voltou a constatar. E é assim igualmente e por maioria de razão na Presidência da República, onde as sucessivas revisões constitucionais limitando o papel do Presidente a uma influência quase simbólica e residual, tornam a sua reeleição um facto adquirido. Quem quer que se consiga fazer eleger Presidente da República, só sai de lá e por limite constitucional após o segundo mandato. E não fosse a Constituição limitar a estadia presidencial e poderíamos ter em Belém alguém que lá ficasse tanto tempo quanto o Alberto João leva de Quinta da Vigia. Ou seja, um Presidente vitalício ou uma monarquia imperfeita disfarçada de república.

Nada há de mais certo – logo, de mais desinteressante, politicamente – do que a reeleição de Sampaio, como já as haviam sido a de Eanes em 1982 e a de Soares em 91. Infelizmente, nunca mais, provavelmente, voltaremos a assistir a um combate político, ideológico e pessoal tão fantástico quanto o foi o da primeira eleição de Soares, em 86. Porque são irreproduzíveis as circunstâncias de 86, não só quanto à disputa eleitoral, verdadeiramente irrepetível, mas ainda quanto ao mandato que aguardava então o Presidente eleito. Em 1986, o país estava dividido ao meio, com um Governo de direita e um Presidente de esquerda, eram maiores os poderes de intervenção e de influência do Presidente, e havia que inaugurar e marcar um estilo presidencial, civilista e moderno, depois de 60 anos de presidentes militares. Nada disso sucede hoje e nada disso se espera, ou sequer deseja, do actual Presidente.

Sem nenhuma dúvida, mas também sem nenhum entusiasmo, o país votará a recondução de Jorge Sampaio, consciente de que ele é o homem certo no lugar certo e na conjuntura actual. O mesmo homem que o país não quis para primeiro-ministro mas que quer para Presidente da República - ao contrário do destino reservado a Cavaco Silva. Se há coisa que Jorge Sampaio deve temer acima de tudo, é que Ferreira do Amaral se junte a Basílio Horta na lista dos desistentes e a eleição se transforme numa nomeação. A segunda coisa que ele deve temer é que o índice de abstenção seja tamanho que se torne impossível não escutar a mensagem de desinteresse do eleitorado. No fundo, é apenas a recordação nostálgica do grande combate político de 1986 que nos faz ainda acreditar nas vantagens da eleição presidencial por sufrágio universal. Porque, se olharmos bem para as implicações práticas recentes do método, é difícil não ver nele mais do que um desperdício de tempo, energias e dinheiro. E, não fosse o esforço cívico de comparência do PP e do PSD (nem sempre cumprido, mas sempre tentado), a eleição presidencial nada teria de uma verdadeira escolha protagonizada pelos cidadãos, conforme fazemos a delicadeza de acreditar.

MIGUEL SOUSA TAVARES

Desde que a democracia foi restabelecida em Portugal, a direita e o centro-direita nunca conseguiram eleger um Presidente da República e só por uma vez estiveram próximos de o conseguir, quando Freitas do Amaral ficou a 1,5 por cento da vitória. À esquerda basta-lhe conseguir um candidato minimamente credível na área socialista: a matriz dominante do nosso eleitorado, que é de centro-esquerda, elegê-lo-á sempre, principalmente se a direita tiver o Governo, ao contrário do que supunha e desejava Sá Carneiro.

É fácil entender assim os engulhos que a eleição presidencial significa sempre, inevitavelmente, para o PSD e o PP. Eis aqui um problema que o Partido Socialista nunca teve, excepto por uma vez e bastou essa única vez para dividir o partido ao meio e lançá-lo na maior crise da sua existência: foi quando Mário Soares recusou subscrever a recandidatura de Ramalho Eanes, ao contrário da direcção do partido. De resto, com o primeiro mandato de Eanes, os dois de Soares e os dois que Sampaio cumprirá, o PS assegurou mais de 20 anos tranquilos em matéria de eleição presidencial. É um luxo, de que os próprios socialistas, se calhar, nem se dão conta.

Mas as dificuldades que o PSD teve para encontrar um candidato, as trapalhadas em que Paulo Portas lançou o PP à roda da bravata da candidatura autónoma do seu partido e a habitual tristeza e desmotivação da candidatura comunista, encarada como uma simples tarefa partidária atribuída a um funcionário, mostram bem o quanto é difícil, para os perdedores antecipados, entrarem num jogo de inscrição obrigatória, onde têm tudo a perder e nada ou quase nada a ganhar.

Na verdade, a estagnação ideológica do eleitorado - que é mais patente nas presidenciais do que nas legislativas ou nas autárquicas - deixa pouco ou nenhum espaço conquistável à direita, a menos que a esquerda socialista cometesse o disparate de se apresentar às urnas com um candidato inaceitável. Por outro lado, concorre ainda uma situação, que, não sendo exclusiva da batalha presidencial, antes sendo um dos sinais de marca da nossa democracia, agrava ainda mais as coisas: é que em Portugal tem-se revelado impossível apear nas urnas um Governo ou um Presidente em funções, excepto por desistência deste ou por implosão interna. Isto é assim no Governo da República, nas autarquias, onde há presidentes de Câmara em funções há 20 anos e depois de seis eleições sucessivas, e nas Regiões Autónomas, como agora se voltou a constatar. E é assim igualmente e por maioria de razão na Presidência da República, onde as sucessivas revisões constitucionais limitando o papel do Presidente a uma influência quase simbólica e residual, tornam a sua reeleição um facto adquirido. Quem quer que se consiga fazer eleger Presidente da República, só sai de lá e por limite constitucional após o segundo mandato. E não fosse a Constituição limitar a estadia presidencial e poderíamos ter em Belém alguém que lá ficasse tanto tempo quanto o Alberto João leva de Quinta da Vigia. Ou seja, um Presidente vitalício ou uma monarquia imperfeita disfarçada de república.

Nada há de mais certo – logo, de mais desinteressante, politicamente – do que a reeleição de Sampaio, como já as haviam sido a de Eanes em 1982 e a de Soares em 91. Infelizmente, nunca mais, provavelmente, voltaremos a assistir a um combate político, ideológico e pessoal tão fantástico quanto o foi o da primeira eleição de Soares, em 86. Porque são irreproduzíveis as circunstâncias de 86, não só quanto à disputa eleitoral, verdadeiramente irrepetível, mas ainda quanto ao mandato que aguardava então o Presidente eleito. Em 1986, o país estava dividido ao meio, com um Governo de direita e um Presidente de esquerda, eram maiores os poderes de intervenção e de influência do Presidente, e havia que inaugurar e marcar um estilo presidencial, civilista e moderno, depois de 60 anos de presidentes militares. Nada disso sucede hoje e nada disso se espera, ou sequer deseja, do actual Presidente.

Sem nenhuma dúvida, mas também sem nenhum entusiasmo, o país votará a recondução de Jorge Sampaio, consciente de que ele é o homem certo no lugar certo e na conjuntura actual. O mesmo homem que o país não quis para primeiro-ministro mas que quer para Presidente da República - ao contrário do destino reservado a Cavaco Silva. Se há coisa que Jorge Sampaio deve temer acima de tudo, é que Ferreira do Amaral se junte a Basílio Horta na lista dos desistentes e a eleição se transforme numa nomeação. A segunda coisa que ele deve temer é que o índice de abstenção seja tamanho que se torne impossível não escutar a mensagem de desinteresse do eleitorado. No fundo, é apenas a recordação nostálgica do grande combate político de 1986 que nos faz ainda acreditar nas vantagens da eleição presidencial por sufrágio universal. Porque, se olharmos bem para as implicações práticas recentes do método, é difícil não ver nele mais do que um desperdício de tempo, energias e dinheiro. E, não fosse o esforço cívico de comparência do PP e do PSD (nem sempre cumprido, mas sempre tentado), a eleição presidencial nada teria de uma verdadeira escolha protagonizada pelos cidadãos, conforme fazemos a delicadeza de acreditar.

MIGUEL SOUSA TAVARES

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