Fazer um link de uma música do Youtube "também é participação política"

15-10-2015
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Contra todas as teorias que apontam para o fenómeno da “despolitização juvenil” e que tendem a identificar os jovens como seres apolíticos e apáticos (o que se traduz, por exemplo, numa fraca participação nos actos eleitorais), Isabel Menezes, que orienta uma tese de doutoramento sobre o olhar dos jovens e a sua literacia política, concluiu que estes rótulos não podiam ser mais injustos.

“Fazer um link de uma música do Youtube com uma letra interventiva ou chamar a atenção no Facebook para uma notícia que se viu num jornal online não é participação cívica e política? Claro que é!”, declarou ao PÚBLICO. Para a investigadora, o pecado está em continuarmos a analisar estes fenómenos espartilhados por uma visão demasiado convencional “que tem dificuldade em reconhecer estas formas emergentes de participação” que ganham terreno entre os jovens.

Convicta de que “o simples facto de se usar uma t-shirt com uma frase de teor político é uma forma de participar”, Isabel Menezes considera que o que está em crise são as formas de protesto convencionais. “À excepção do voto, que continua a ser o domínio de maior participação dos jovens, o que prevalece é um discurso de grande desconfiança e cepticismo face à política institucionalizada e a muitas das formas da democracia participativa. E aqui a culpa é tanto dos jovens como dos adultos. Dito de outro modo: “Não podemos a andar a nomear a democracia como se fosse um palavrão nem a maldizer os políticos, encarando-os como o pior que temos, e depois ficar à espera que os miúdos, que absorvem todo esse discurso de casa e dos media, vão a correr inscrever-se numa organização ou num partido político”.

Para a investigadora, o gatilho desta descrença generalizada foi “a relação pouco genuína de quem está no poder" relativamente ao resto dos cidadãos. "Há uma falta de honestidade e de prestação de contas que, a manterem-se, levarão os regimes políticos democráticos a perder cada vez mais terreno”. E não, não é a democracia que está em risco. Antes a necessidade de esta “se reinventar na sua forma de se relacionar com os cidadãos”. Aliás, Isabel Menezes olha para os recentes protestos de massa liderados pelos jovens e vê neles uma reivindicação de maior participação. “Os movimentos como o Que se Lixe a Troika são uma reclamação de formas e de lógicas mais directas de participação”, sublinhou.

Para a tese de doutoramento que Isabel Menezes está a orientar, e que foi apresentada esta quinta-feira pela sua autora, Carla Malafaia, foram ouvidos 1127 jovens, a frequentar o 8.º e o 11.º anos, e o segundo ano da universidade. “Não é verdade que estes jovens, comparados com a geração de há 30 anos, sejam apolíticos ou apáticos. Os miúdos do 8.º ano têm, aliás, um discurso político complexo e um conhecimento fundamentado da situação actual. O que eles não acreditam é na eficácia dos mecanismos convencionais”, sublinhara Carla Malafaia, num dos cinco painéis que decorriam àquela hora.

Com mais de 120 investigadores a cruzarem os seus olhares sobre os 40 anos do 25 de Abril, o congresso Portugal, 40 anos de democracia nasceu da vontade de analisar a forma como os portugueses se lembram da ditadura, quatro décadas volvidas sobre a revolução que lhe pôs fim. “A memória do passado está sempre contaminada pelo presente e, normalmente, os momentos de depressão colectiva como o actual levam a uma reconstrução positiva de aspectos do passado”, alerta o historiador Manuel Loff, da comissão organizadora do congresso.

O risco é que este “percurso nostálgico sobre o passado” avance para “formas de apelo ao regresso desse mesmo passado” como forma de resolução dos problemas da democracia. “O que é novidade aqui”, retoma Loff, é que “a crise que hoje vivemos é feita não tanto pelo elogio do passado autoritário mas do elogio do passado revolucionário, ou seja, do momento em que todas as possibilidades se abriam”. Uma noção que parece ser partilhada por Isabel Menezes. “Uma das coisas engraçadas nas entrevistas é que os jovens pediam que se lhes falasse dos momentos em que a participação foi eficaz, das vezes em que o protesto funcionou”, recordou. A investigadora diz-se, de resto, convencida que desta crise irá emergir uma geração com uma percepção muito mais forte de justiça – “e sabemos que a injustiça pode ser um mobilizador de reacção poderoso” – “ e com um outro nível de consciência política”.

Governo devia “recuperar” Ministério da Cultura

Apesar da crise e do consequente aperto financeiro, faria todo o sentido recuperar o Ministério da Cultura no organigrama do governo português, segundo Augusto Santos Silva, para quem “a menorização da política cultural somada a uma restrição orçamental muito forte só acrescenta problemas” à sociedade portuguesa.

Convidado a dissertar sobre “As políticas culturais da democracia portuguesa”, no congresso que reflecte sobre os últimos 40 anos de vida democrática, o ex-ministro nos governos de Guterres e Sócrates considera que “a desgraduação do Ministério da Cultura numa coisa que organicamente nem existe - porque não existe secretaria de Estado da Cultura mas apenas um secretário de Estado da Cultura [Barreto Xavier] na Presidência do Conselho de Ministros - foi uma regressão”. Que se traduz, por exemplo, na redução das Artes do Espectáculo ao “modo de sobrevivência”.

Mais do que consequência da crise, estas transformações resultam, segundo Augusto Santos Silva, de uma singularidade da direita portuguesa. “A controvérsia sobre se deve haver ou não uma política de Cultura, e se esta deve ou não reduzir-se ao património, tem um peso enorme do ponto de vista do discurso político em Portugal. E a direita portuguesa, designadamente os seus porta-vozes mais qualificados, faz questão de dizer regularmente que é contra o financiamento público da criação, porque isso estimula a subsidiodependência e que é a favor da redução da política da Cultura à questão patrimonial”, criticou, para concluir que, mesmo no tocante ao património, “na questão mais importante que se levantou após o 25 de Abril, que era a de saber se valia a pena salvar as gravuras do Coa, mesmo aí a Direita esteve contra a política patrimonial”.

Depois de Santos Silva, esta sexta-feira é a vez do historiador Fernando Rosas discorrer sobre os factores “determinantes e inesperados” na eclosão e contenção do processo revolucionário português.

Contra todas as teorias que apontam para o fenómeno da “despolitização juvenil” e que tendem a identificar os jovens como seres apolíticos e apáticos (o que se traduz, por exemplo, numa fraca participação nos actos eleitorais), Isabel Menezes, que orienta uma tese de doutoramento sobre o olhar dos jovens e a sua literacia política, concluiu que estes rótulos não podiam ser mais injustos.

“Fazer um link de uma música do Youtube com uma letra interventiva ou chamar a atenção no Facebook para uma notícia que se viu num jornal online não é participação cívica e política? Claro que é!”, declarou ao PÚBLICO. Para a investigadora, o pecado está em continuarmos a analisar estes fenómenos espartilhados por uma visão demasiado convencional “que tem dificuldade em reconhecer estas formas emergentes de participação” que ganham terreno entre os jovens.

Convicta de que “o simples facto de se usar uma t-shirt com uma frase de teor político é uma forma de participar”, Isabel Menezes considera que o que está em crise são as formas de protesto convencionais. “À excepção do voto, que continua a ser o domínio de maior participação dos jovens, o que prevalece é um discurso de grande desconfiança e cepticismo face à política institucionalizada e a muitas das formas da democracia participativa. E aqui a culpa é tanto dos jovens como dos adultos. Dito de outro modo: “Não podemos a andar a nomear a democracia como se fosse um palavrão nem a maldizer os políticos, encarando-os como o pior que temos, e depois ficar à espera que os miúdos, que absorvem todo esse discurso de casa e dos media, vão a correr inscrever-se numa organização ou num partido político”.

Para a investigadora, o gatilho desta descrença generalizada foi “a relação pouco genuína de quem está no poder" relativamente ao resto dos cidadãos. "Há uma falta de honestidade e de prestação de contas que, a manterem-se, levarão os regimes políticos democráticos a perder cada vez mais terreno”. E não, não é a democracia que está em risco. Antes a necessidade de esta “se reinventar na sua forma de se relacionar com os cidadãos”. Aliás, Isabel Menezes olha para os recentes protestos de massa liderados pelos jovens e vê neles uma reivindicação de maior participação. “Os movimentos como o Que se Lixe a Troika são uma reclamação de formas e de lógicas mais directas de participação”, sublinhou.

Para a tese de doutoramento que Isabel Menezes está a orientar, e que foi apresentada esta quinta-feira pela sua autora, Carla Malafaia, foram ouvidos 1127 jovens, a frequentar o 8.º e o 11.º anos, e o segundo ano da universidade. “Não é verdade que estes jovens, comparados com a geração de há 30 anos, sejam apolíticos ou apáticos. Os miúdos do 8.º ano têm, aliás, um discurso político complexo e um conhecimento fundamentado da situação actual. O que eles não acreditam é na eficácia dos mecanismos convencionais”, sublinhara Carla Malafaia, num dos cinco painéis que decorriam àquela hora.

Com mais de 120 investigadores a cruzarem os seus olhares sobre os 40 anos do 25 de Abril, o congresso Portugal, 40 anos de democracia nasceu da vontade de analisar a forma como os portugueses se lembram da ditadura, quatro décadas volvidas sobre a revolução que lhe pôs fim. “A memória do passado está sempre contaminada pelo presente e, normalmente, os momentos de depressão colectiva como o actual levam a uma reconstrução positiva de aspectos do passado”, alerta o historiador Manuel Loff, da comissão organizadora do congresso.

O risco é que este “percurso nostálgico sobre o passado” avance para “formas de apelo ao regresso desse mesmo passado” como forma de resolução dos problemas da democracia. “O que é novidade aqui”, retoma Loff, é que “a crise que hoje vivemos é feita não tanto pelo elogio do passado autoritário mas do elogio do passado revolucionário, ou seja, do momento em que todas as possibilidades se abriam”. Uma noção que parece ser partilhada por Isabel Menezes. “Uma das coisas engraçadas nas entrevistas é que os jovens pediam que se lhes falasse dos momentos em que a participação foi eficaz, das vezes em que o protesto funcionou”, recordou. A investigadora diz-se, de resto, convencida que desta crise irá emergir uma geração com uma percepção muito mais forte de justiça – “e sabemos que a injustiça pode ser um mobilizador de reacção poderoso” – “ e com um outro nível de consciência política”.

Governo devia “recuperar” Ministério da Cultura

Apesar da crise e do consequente aperto financeiro, faria todo o sentido recuperar o Ministério da Cultura no organigrama do governo português, segundo Augusto Santos Silva, para quem “a menorização da política cultural somada a uma restrição orçamental muito forte só acrescenta problemas” à sociedade portuguesa.

Convidado a dissertar sobre “As políticas culturais da democracia portuguesa”, no congresso que reflecte sobre os últimos 40 anos de vida democrática, o ex-ministro nos governos de Guterres e Sócrates considera que “a desgraduação do Ministério da Cultura numa coisa que organicamente nem existe - porque não existe secretaria de Estado da Cultura mas apenas um secretário de Estado da Cultura [Barreto Xavier] na Presidência do Conselho de Ministros - foi uma regressão”. Que se traduz, por exemplo, na redução das Artes do Espectáculo ao “modo de sobrevivência”.

Mais do que consequência da crise, estas transformações resultam, segundo Augusto Santos Silva, de uma singularidade da direita portuguesa. “A controvérsia sobre se deve haver ou não uma política de Cultura, e se esta deve ou não reduzir-se ao património, tem um peso enorme do ponto de vista do discurso político em Portugal. E a direita portuguesa, designadamente os seus porta-vozes mais qualificados, faz questão de dizer regularmente que é contra o financiamento público da criação, porque isso estimula a subsidiodependência e que é a favor da redução da política da Cultura à questão patrimonial”, criticou, para concluir que, mesmo no tocante ao património, “na questão mais importante que se levantou após o 25 de Abril, que era a de saber se valia a pena salvar as gravuras do Coa, mesmo aí a Direita esteve contra a política patrimonial”.

Depois de Santos Silva, esta sexta-feira é a vez do historiador Fernando Rosas discorrer sobre os factores “determinantes e inesperados” na eclosão e contenção do processo revolucionário português.

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