Vampiros modernos

21-10-2015
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Primeiro, um parêntesis para colocar aspas. “Vampiros”, quero dizer. Pessoas que vampirizam outras pessoas nas relações, porque são invasivas, consomem a sua alegria e drenam a sua energia. Todos os conhecemos porque são facilmente reconhecíveis. Personificam comportamentos desequilibrados e muitas vezes desequilibrantes, que se traduzem num excesso de exigência perante os outros e revelam quase sempre instintos manipuladores. Estes ‘vampiros’ modernos esvaziam sentimentos e forças, levam-nos à exaustão, exigem que lhes demos o tempo que temos e não temos, sem darem nada em troca. Podem ser muito gentis e parecer frágeis, dependentes ou vulneráveis, mas também podem ter mau feitio e aparecer muito zangados. Há de todos os géneros e o traço comum é a vitimização e uma inclinação patológica à conspiração. Muitos são conspirativos. A culpa é sempre dos outros, nunca deles.

O amigo que ajudamos uma, outra e mais outra vez, que ouvimos contar repetida e detalhadamente as mesmas histórias, que nos exige uma disponibilidade permanente para conversas pessoais ou se impõe horas a fio ao telemóvel; a colega de trabalho que pede amavelmente que a ajudemos vezes sem conta, sem nunca se lembrar de nos perguntar como estamos ou em que pode ser útil; o homem ou a mulher que mal conhecemos porque encontramos em salas de espera ou lugares públicos e falam sem contenção, exigindo a nossa atenção para episódios ou acontecimentos inenarráveis, sem perceberem que não é a hora nem o momento; enfim as pessoas que realmente não ouvem ninguém, não vêm nada nem falam de coisa nenhuma para além da repetição das suas histórias e dramas, tornam-se difíceis de encaixar e são os chamados ‘vampiros’ modernos. Gente que nos escava por dentro, que nos fartamos de ouvir e apoiar, aconselhar e ajudar, mas que nunca saem do mesmo lugar, nem dão um passo em frente. Pessoas que sabemos que têm capacidades, mas criam dependências. E repetem, repetem. Repetem palavras e gestos, perpetuando esta espécie de tirania sobre o outro ao imporem-se para se fazerem ouvir, ao exigirem atenção e compreensão sem uma única palavra de interesse sobre quem as ouve e tenta ajudar.

E aqui reside o problema, porque é importante perceber que todos estes ‘vampiros’ tiveram na sua vida um tirano. Alguém que exigia muito e reconhecia pouco. Quem cresce ou vive à sombra de um tirano, de alguém que nunca está contente, que só exige, castiga e impõe, acaba por fazer o mesmo aos outros. É como os filhos maltratados, que se tornam pais maltratantes. A atenuante é e será sempre uma certa inconsciência, pois muitos não se dão conta de que vampirizam os outros. Mas não chega, porque esta atitude perpetua modelos de sofrimento próprios e ‘castigam’ os que estão à volta. Que fazer então? Deixar de atender o telefone à amiga que foi deixada pelo namorado e há meses só fala da mesma história? Cortar relações com o amigo que anda deprimido e maçador, sempre a anallizar os mesmos factos e repetir as mesmas coisas? Deixar de falar com todas as pessoas que se queixam, que estão em sofrimento e nos pesam porque exigem a nossa atenção, esvaziando-nos por não perceberem que também nós temos as nossas coisas e vivemos os nossos dramas? Não se trata de cortar, de evitar, de deixar de atender ou de fugir, mas de adoptar medidas de protecção. Os ‘vampiros’ reproduzem os abusos que sofreram, e mais ou menos inconscientemente vingam-se. Como a grande dificuldade é calibrar as relações com estas pessoas que nos drenam a energia (e porque nem todas aceitam consultar um Psi), os especialistas dão um conselho: não desaparecer de cena, mas ganhar distância em relação a estas pessoas. Não tem que ser uma distância física, mas um recuo emocional que impõe limites a si mesmo. Ou seja, não ficar à mercê dos ‘vampiros’ modernos passa por saber ser firme sem autoridade nem agressividade, e através desta firmeza atender mais às necessidades próprias do que às desses que exigem sem limites. Não adianta acusar ou condenar um ‘vampiro’, e muito menos tentar explicar-lhe que nos deixa exauridos mental e emocionalmente. É certo que ninguém vive bem sem o amor dos outros, mas também ninguém resiste sem amor próprio e por isso a sobrevivência das vítimas dos ‘vampiros’ modernos passa por fortalecer a sua capacidade de ajudar mantendo olimpicamente a distância crítica.

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Primeiro, um parêntesis para colocar aspas. “Vampiros”, quero dizer. Pessoas que vampirizam outras pessoas nas relações, porque são invasivas, consomem a sua alegria e drenam a sua energia. Todos os conhecemos porque são facilmente reconhecíveis. Personificam comportamentos desequilibrados e muitas vezes desequilibrantes, que se traduzem num excesso de exigência perante os outros e revelam quase sempre instintos manipuladores. Estes ‘vampiros’ modernos esvaziam sentimentos e forças, levam-nos à exaustão, exigem que lhes demos o tempo que temos e não temos, sem darem nada em troca. Podem ser muito gentis e parecer frágeis, dependentes ou vulneráveis, mas também podem ter mau feitio e aparecer muito zangados. Há de todos os géneros e o traço comum é a vitimização e uma inclinação patológica à conspiração. Muitos são conspirativos. A culpa é sempre dos outros, nunca deles.

O amigo que ajudamos uma, outra e mais outra vez, que ouvimos contar repetida e detalhadamente as mesmas histórias, que nos exige uma disponibilidade permanente para conversas pessoais ou se impõe horas a fio ao telemóvel; a colega de trabalho que pede amavelmente que a ajudemos vezes sem conta, sem nunca se lembrar de nos perguntar como estamos ou em que pode ser útil; o homem ou a mulher que mal conhecemos porque encontramos em salas de espera ou lugares públicos e falam sem contenção, exigindo a nossa atenção para episódios ou acontecimentos inenarráveis, sem perceberem que não é a hora nem o momento; enfim as pessoas que realmente não ouvem ninguém, não vêm nada nem falam de coisa nenhuma para além da repetição das suas histórias e dramas, tornam-se difíceis de encaixar e são os chamados ‘vampiros’ modernos. Gente que nos escava por dentro, que nos fartamos de ouvir e apoiar, aconselhar e ajudar, mas que nunca saem do mesmo lugar, nem dão um passo em frente. Pessoas que sabemos que têm capacidades, mas criam dependências. E repetem, repetem. Repetem palavras e gestos, perpetuando esta espécie de tirania sobre o outro ao imporem-se para se fazerem ouvir, ao exigirem atenção e compreensão sem uma única palavra de interesse sobre quem as ouve e tenta ajudar.

E aqui reside o problema, porque é importante perceber que todos estes ‘vampiros’ tiveram na sua vida um tirano. Alguém que exigia muito e reconhecia pouco. Quem cresce ou vive à sombra de um tirano, de alguém que nunca está contente, que só exige, castiga e impõe, acaba por fazer o mesmo aos outros. É como os filhos maltratados, que se tornam pais maltratantes. A atenuante é e será sempre uma certa inconsciência, pois muitos não se dão conta de que vampirizam os outros. Mas não chega, porque esta atitude perpetua modelos de sofrimento próprios e ‘castigam’ os que estão à volta. Que fazer então? Deixar de atender o telefone à amiga que foi deixada pelo namorado e há meses só fala da mesma história? Cortar relações com o amigo que anda deprimido e maçador, sempre a anallizar os mesmos factos e repetir as mesmas coisas? Deixar de falar com todas as pessoas que se queixam, que estão em sofrimento e nos pesam porque exigem a nossa atenção, esvaziando-nos por não perceberem que também nós temos as nossas coisas e vivemos os nossos dramas? Não se trata de cortar, de evitar, de deixar de atender ou de fugir, mas de adoptar medidas de protecção. Os ‘vampiros’ reproduzem os abusos que sofreram, e mais ou menos inconscientemente vingam-se. Como a grande dificuldade é calibrar as relações com estas pessoas que nos drenam a energia (e porque nem todas aceitam consultar um Psi), os especialistas dão um conselho: não desaparecer de cena, mas ganhar distância em relação a estas pessoas. Não tem que ser uma distância física, mas um recuo emocional que impõe limites a si mesmo. Ou seja, não ficar à mercê dos ‘vampiros’ modernos passa por saber ser firme sem autoridade nem agressividade, e através desta firmeza atender mais às necessidades próprias do que às desses que exigem sem limites. Não adianta acusar ou condenar um ‘vampiro’, e muito menos tentar explicar-lhe que nos deixa exauridos mental e emocionalmente. É certo que ninguém vive bem sem o amor dos outros, mas também ninguém resiste sem amor próprio e por isso a sobrevivência das vítimas dos ‘vampiros’ modernos passa por fortalecer a sua capacidade de ajudar mantendo olimpicamente a distância crítica.

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