A alienação museológica responsável

19-11-2011
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Debate A crise e o futuro dos museus

O debate sobre a alienação responsável de objectos museológicos viu-se recentemente projectado para a esfera pública (PÚBLICO, 9/11/2011). Este é um tema que suscita reacções imediatas, mas que exige ser abordado com ponderação, cuidado e transparência.

A alienação responsável significa desincorporar um objecto da colecção de um museu, por transferência, doação, destruição ou venda. Aplica-se a objectos que, por razões várias, esgotaram o seu potencial científico e/ou expositivo, e se mantêm nas reservas do museu, longe do olhar do público e da atenção dos investigadores.

Os seus processos, intrinsecamente dependentes da missão específica de cada museu, guiam-se pelo consenso dos envolvidos, pela responsabilização dos decisores, e pela transparência perante o público. Os seus fins são a depuração de uma colecção que se quer orgânica, ao serviço da sociedade em que se insere; o enriquecimento do seu acervo, adquirindo de novas peças com fundos provenientes da venda dos objectos alienados; a criação de materiais educativos, como colecções de toque, em que a aprendizagem empírica é a contrapartida da inevitável degradação do objecto.

A alienação responsável não prevê nunca a utilização de fundos obtidos através de venda para o pagamento de despesas correntes ou como fonte de receita para outros fins que não os inscritos na missão do museu.

Não obstante, esta questão é ainda um tabu, fonte de desconforto no meio museológico - afinal, não é a colecção a razão de existir de um museu? Se abrirmos a porta à desincorporação, então para que servem os museus?

No momento em que vivemos, os nossos museus devem, a si e aos seus públicos, abordar esta questão. A precariedade financeira é a realidade dos museus desde há mais de uma década, com consequências previsíveis na sua capacidade de expor, estudar e divulgar os seus acervos. Em alguns casos, as reservas funcionam como um saco sem fundo, onde objectos se acumulam, e aguardam, demasiado tempo, para serem estudados, publicados e/ou expostos. Muitos nunca o chegam a ser. As incorporações são raras e dependem do louvável princípio de doação de particulares - a aquisição no mercado tem sido uma prática financeira impossível para a vasta maioria dos museus.

O impacto destas questões de fundo na capacidade de os museus responderem ao que o público deles espera - educação e lazer - vê-se agora agravado pela crise financeira. E os museus públicos estão numa posição de particular vulnerabilidade. Num futuro próximo, arriscam-se, bem como outros guardiões de património cultural, a ser interpelados por Governo, tutelas e/ou agências que vejam nos seus "activos" uma fonte de receita viável para a solução de problemas orçamentais do Estado. Cabe aos profissionais de museus preverem essa questão e estabelecerem processos que lhes permitam assegurar a principal missão e razão de ser do museu - a educação para a cidadania - sem este tipo de ingerência.

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A alienação responsável levanta questões legais, éticas e patrimoniais que exigem ser consideradas. A questão do valor adicional de um objecto que foi alvo da preferência do museu, e que também se coloca quando o museu expõe temporariamente colecções particulares que não pretende adquirir, deve ser equacionada, entre outras.

Estamos numa época de mudança. Como muitos dos meus colegas, não duvido de que, em breve, os museus serão postos perante escolhas que nunca previram. Este debate, portanto, não se esgota aqui. Quaisquer que sejam as suas conclusões, estas devem sempre ser guiadas pela confiança do público no papel educativo do museu, e conduzidas num clima de transparência, accountability, e boa-fé.

Essa discussão poderá ocorrer voluntária e reflectidamente, num processo de consulta alargada e de transparência perante o público dos museus, e perante os cidadãos. Ou poderá ocorrer num ambiente de urgência, sob a pressão de entidades que muito podem, e, não raramente, pouco sabem. E em que a opinião dos profissionais de museus se verá abafada por um discurso que conjuga listagens de peças em folhas de cálculo com justificações sobre o "sacrifício nacional".

Debate A crise e o futuro dos museus

O debate sobre a alienação responsável de objectos museológicos viu-se recentemente projectado para a esfera pública (PÚBLICO, 9/11/2011). Este é um tema que suscita reacções imediatas, mas que exige ser abordado com ponderação, cuidado e transparência.

A alienação responsável significa desincorporar um objecto da colecção de um museu, por transferência, doação, destruição ou venda. Aplica-se a objectos que, por razões várias, esgotaram o seu potencial científico e/ou expositivo, e se mantêm nas reservas do museu, longe do olhar do público e da atenção dos investigadores.

Os seus processos, intrinsecamente dependentes da missão específica de cada museu, guiam-se pelo consenso dos envolvidos, pela responsabilização dos decisores, e pela transparência perante o público. Os seus fins são a depuração de uma colecção que se quer orgânica, ao serviço da sociedade em que se insere; o enriquecimento do seu acervo, adquirindo de novas peças com fundos provenientes da venda dos objectos alienados; a criação de materiais educativos, como colecções de toque, em que a aprendizagem empírica é a contrapartida da inevitável degradação do objecto.

A alienação responsável não prevê nunca a utilização de fundos obtidos através de venda para o pagamento de despesas correntes ou como fonte de receita para outros fins que não os inscritos na missão do museu.

Não obstante, esta questão é ainda um tabu, fonte de desconforto no meio museológico - afinal, não é a colecção a razão de existir de um museu? Se abrirmos a porta à desincorporação, então para que servem os museus?

No momento em que vivemos, os nossos museus devem, a si e aos seus públicos, abordar esta questão. A precariedade financeira é a realidade dos museus desde há mais de uma década, com consequências previsíveis na sua capacidade de expor, estudar e divulgar os seus acervos. Em alguns casos, as reservas funcionam como um saco sem fundo, onde objectos se acumulam, e aguardam, demasiado tempo, para serem estudados, publicados e/ou expostos. Muitos nunca o chegam a ser. As incorporações são raras e dependem do louvável princípio de doação de particulares - a aquisição no mercado tem sido uma prática financeira impossível para a vasta maioria dos museus.

O impacto destas questões de fundo na capacidade de os museus responderem ao que o público deles espera - educação e lazer - vê-se agora agravado pela crise financeira. E os museus públicos estão numa posição de particular vulnerabilidade. Num futuro próximo, arriscam-se, bem como outros guardiões de património cultural, a ser interpelados por Governo, tutelas e/ou agências que vejam nos seus "activos" uma fonte de receita viável para a solução de problemas orçamentais do Estado. Cabe aos profissionais de museus preverem essa questão e estabelecerem processos que lhes permitam assegurar a principal missão e razão de ser do museu - a educação para a cidadania - sem este tipo de ingerência.

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A alienação responsável levanta questões legais, éticas e patrimoniais que exigem ser consideradas. A questão do valor adicional de um objecto que foi alvo da preferência do museu, e que também se coloca quando o museu expõe temporariamente colecções particulares que não pretende adquirir, deve ser equacionada, entre outras.

Estamos numa época de mudança. Como muitos dos meus colegas, não duvido de que, em breve, os museus serão postos perante escolhas que nunca previram. Este debate, portanto, não se esgota aqui. Quaisquer que sejam as suas conclusões, estas devem sempre ser guiadas pela confiança do público no papel educativo do museu, e conduzidas num clima de transparência, accountability, e boa-fé.

Essa discussão poderá ocorrer voluntária e reflectidamente, num processo de consulta alargada e de transparência perante o público dos museus, e perante os cidadãos. Ou poderá ocorrer num ambiente de urgência, sob a pressão de entidades que muito podem, e, não raramente, pouco sabem. E em que a opinião dos profissionais de museus se verá abafada por um discurso que conjuga listagens de peças em folhas de cálculo com justificações sobre o "sacrifício nacional".

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