Retromania

22-06-2011
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Por estes dias foi lançado o livro Retromania, da autoria do inglês Simon Reynolds, que reflecte sobre a forma como a cultura pop (da música ao cinema) da última década tende a devorar-se a si própria, em ciclos cada vez mais curtos, na aparência, sem conseguir traçar novas orientações e reinventar-se.

O tema tem sido muito glosado, a obra não traz nada de novo ao debate, mas tem o mérito de sistematizar algumas ideias e de estar a provocar novamente a discussão em Inglaterra. O livro diz que estamos a viver um momento histórico único, em particular no campo da música popular, onde impera uma obsessão pela nostalgia, uma espécie de "museuficação" pop, onde todos os géneros já foram recriados, revisitados e mesclados.

Reynolds não o diz, mas a questão não é de originalidade, mas de percepção da mesma. No passado não havia mais originalidade. A diferença é que o nosso acesso ao passado não era cumulativo, era parcial. Hoje, a acumulação e circulação imensa de informação, permitem-nos realizar comparações a toda a hora, fazendo-nos sentir que vivemos imersos em cultura derivativa.

Transportamos excesso de história. Tudo nos parece desligado da existência. E não é apenas na arte e na cultura. Ao ler-se este livro, não é difícil encontrar similitudes com aquilo que se passa hoje ao nível das grandes narrativas políticas.

Nas últimas décadas ninguém ousou colocar em causa o capitalismo liberal - com receio que se repetissem experiências do passado como o fascismo e comunismo. Aperfeiçoá-lo a partir do seu interior era o lema. A questão é se não foi essa ausência de ousadia de imaginar alternativas que nos fez chegar aqui. Olhe-se para os protestos nas praças europeias por multidões de jovens "indignados". Há generosidade no seu gesto e qualquer coisa de construtivo, mas uma ausência de ideias emancipadoras.

É um protesto nostálgico. É o protesto de quem se encontra desorientado com o presente, que não consegue vislumbrar o futuro, e que por isso só se permite tentar alcançar ou resguardar o que sempre conheceu - um estilo de vida semelhante ao dos pais.

Em diversos domínios da cultura popular parece acontecer o mesmo. No meio da desordem - do excesso de informação, da proliferação de suportes, de maneiras de ouvir, ver, ler, em todo o lado, a toda a hora - tanto criadores como consumidores se sentem perdidos, regressando, nostalgicamente, ao que conhecem.

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No livro, Reynolds proclama que a renovação pode provir do exterior do Ocidente, onde a cultura está menos exausta e onde existe uma relação mais descomplexada com o fardo da história.

Mas, hoje, continuamos a agir como se não tivéssemos nem tempo, nem vontade, de reflectir sobre a escuridão ao fim do túnel. Estamos sempre ocupados a resolver contínuos problemas, em particular os trazidos pela última tentativa de resolvê-los. O modo como lidamos com a turbulência segue a regra de trancar a porta do estábulo quando o cavalo já está longe, algures, no futuro.

Jornalista

Por estes dias foi lançado o livro Retromania, da autoria do inglês Simon Reynolds, que reflecte sobre a forma como a cultura pop (da música ao cinema) da última década tende a devorar-se a si própria, em ciclos cada vez mais curtos, na aparência, sem conseguir traçar novas orientações e reinventar-se.

O tema tem sido muito glosado, a obra não traz nada de novo ao debate, mas tem o mérito de sistematizar algumas ideias e de estar a provocar novamente a discussão em Inglaterra. O livro diz que estamos a viver um momento histórico único, em particular no campo da música popular, onde impera uma obsessão pela nostalgia, uma espécie de "museuficação" pop, onde todos os géneros já foram recriados, revisitados e mesclados.

Reynolds não o diz, mas a questão não é de originalidade, mas de percepção da mesma. No passado não havia mais originalidade. A diferença é que o nosso acesso ao passado não era cumulativo, era parcial. Hoje, a acumulação e circulação imensa de informação, permitem-nos realizar comparações a toda a hora, fazendo-nos sentir que vivemos imersos em cultura derivativa.

Transportamos excesso de história. Tudo nos parece desligado da existência. E não é apenas na arte e na cultura. Ao ler-se este livro, não é difícil encontrar similitudes com aquilo que se passa hoje ao nível das grandes narrativas políticas.

Nas últimas décadas ninguém ousou colocar em causa o capitalismo liberal - com receio que se repetissem experiências do passado como o fascismo e comunismo. Aperfeiçoá-lo a partir do seu interior era o lema. A questão é se não foi essa ausência de ousadia de imaginar alternativas que nos fez chegar aqui. Olhe-se para os protestos nas praças europeias por multidões de jovens "indignados". Há generosidade no seu gesto e qualquer coisa de construtivo, mas uma ausência de ideias emancipadoras.

É um protesto nostálgico. É o protesto de quem se encontra desorientado com o presente, que não consegue vislumbrar o futuro, e que por isso só se permite tentar alcançar ou resguardar o que sempre conheceu - um estilo de vida semelhante ao dos pais.

Em diversos domínios da cultura popular parece acontecer o mesmo. No meio da desordem - do excesso de informação, da proliferação de suportes, de maneiras de ouvir, ver, ler, em todo o lado, a toda a hora - tanto criadores como consumidores se sentem perdidos, regressando, nostalgicamente, ao que conhecem.

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No livro, Reynolds proclama que a renovação pode provir do exterior do Ocidente, onde a cultura está menos exausta e onde existe uma relação mais descomplexada com o fardo da história.

Mas, hoje, continuamos a agir como se não tivéssemos nem tempo, nem vontade, de reflectir sobre a escuridão ao fim do túnel. Estamos sempre ocupados a resolver contínuos problemas, em particular os trazidos pela última tentativa de resolvê-los. O modo como lidamos com a turbulência segue a regra de trancar a porta do estábulo quando o cavalo já está longe, algures, no futuro.

Jornalista

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