Revisitação

22-06-2011
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Há pouco mais de dois anos escrevi neste jornal um texto com o título "Um apoio, uma aposta, uma aprendizagem". Nele anunciava as razões da minha candidatura ao Parlamento Europeu, como independente nas listas do Bloco de Esquerda.

Circunstâncias muito recentes obrigaram-me a revisitar esse texto. Declarei ontem, por razões que foram públicas, não me ser possível manter confiança pessoal e política em Francisco Louçã e, em consequência, não poder permanecer na delegação do partido que ele lidera.

Tenho orgulho em ter feito parte da última candidatura europeia do BE e nela ter dado o meu melhor. Com o Miguel Portas e a Marisa Matias construímos um discurso europeísta de esquerda em que a justiça económica, a ecologia e as liberdades democráticas eram igualmente cruciais. O resultado que obtivemos foi o melhor de sempre do BE, e eu fui inesperadamente eleito; mas eu teria sempre apoiado aquela candidatura que deu esperanças às pessoas de que uma esquerda diferente e aberta tivesse finalmente chegado à maturidade, e que isso serviria para mudar o país e a Europa. A única esperança, aliás, que me move a fazer política.

A vida de um independente não é fácil quando aceita representar um partido - e eu nunca esperei que fosse. Logo no dia a seguir às eleições (literalmente, acreditem) entramos no percurso que Sá Fernandes celebrizou. Primeiro, o independente faz falta. Depois, o independente começa a não dar jeito. E, finalmente, abre-se a caça ao independente.

Num caso como o meu, de alguém que escreve o que pensa duas vezes por semana, sob o olhar do público, as coisas não ficam mais fáceis. Se acontece discordar do partido, é normal e legítimo que o partido não goste. Mais estranho é apoiar o partido - como eu fiz com o BE nas últimas eleições - e sentir reforçar-se a discreta mas eficaz ostracização que já se vinha exercendo desde 2010.

Quando a ostracização não chega, passa-se à insinuação. A nota que Francisco Louçã publicou no seu facebook e que me envolveu é, nesse peculiar, um clássico. Começa por dizer que um jornalista foi "levado ao engano" por mim (aquela voz passiva sabe muito: evita dizer que eu "enganei"). Segue confessando "curiosidade por coincidências tão estranhas" de que eu estaria na origem. E acaba já proclamando "falsidades" de quem quer "refazer a história". Anos de purgas condensados em três parágrafos por alguém que, evidentemente, não quis pegar num telefone para saber do seu deputado que tudo aquilo era mentira. Há um dever de lealdade entre o líder de um partido e os deputados desse partido. Esse dever foi quebrado e não foi por mim.

Curiosamente, é quando Louçã reconhece a custo o "erro da troika" que os esforços para purgar os mensageiros que primeiro o avisaram desse erro redobram. Mas quem conhece estas coisas não se surpreende. O chefe dá um sinal ambíguo, os acólitos tratarão do resto. Isto parece-se demasiado com a velha esquerda.

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Onde me derem liberdade, eu darei o meu melhor. Esta frase, eu não a escrevi agora. Foi a frase com que terminei o meu texto de apresentação de candidatura.

Antes tinha escrito também: "quem se candidata em democracia tem sempre uma hipótese, mais ou menos realista, de ser eleito. Se isso acontecer, tenho intenção de levar muito a sério o mandato. Não é novidade para ninguém que, ao nível europeu, a burocracia está a ganhar à democracia. Ora, a qualidade da democracia europeia será aquela que nós estivermos dispostos a conquistar, e não a conquistaremos sem risco nem esforço".

Não mudaria, naquele texto, uma só letra. Fiz bem em voltar a lê-lo, e ouso pedir-vos que o releiam também. Nele encontrei o compromisso - comigo e convosco - que tenho o dever de cumprir. Deputado independente ao Parlamento Europeu (http://twitter.com/ruitavares); a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico

Há pouco mais de dois anos escrevi neste jornal um texto com o título "Um apoio, uma aposta, uma aprendizagem". Nele anunciava as razões da minha candidatura ao Parlamento Europeu, como independente nas listas do Bloco de Esquerda.

Circunstâncias muito recentes obrigaram-me a revisitar esse texto. Declarei ontem, por razões que foram públicas, não me ser possível manter confiança pessoal e política em Francisco Louçã e, em consequência, não poder permanecer na delegação do partido que ele lidera.

Tenho orgulho em ter feito parte da última candidatura europeia do BE e nela ter dado o meu melhor. Com o Miguel Portas e a Marisa Matias construímos um discurso europeísta de esquerda em que a justiça económica, a ecologia e as liberdades democráticas eram igualmente cruciais. O resultado que obtivemos foi o melhor de sempre do BE, e eu fui inesperadamente eleito; mas eu teria sempre apoiado aquela candidatura que deu esperanças às pessoas de que uma esquerda diferente e aberta tivesse finalmente chegado à maturidade, e que isso serviria para mudar o país e a Europa. A única esperança, aliás, que me move a fazer política.

A vida de um independente não é fácil quando aceita representar um partido - e eu nunca esperei que fosse. Logo no dia a seguir às eleições (literalmente, acreditem) entramos no percurso que Sá Fernandes celebrizou. Primeiro, o independente faz falta. Depois, o independente começa a não dar jeito. E, finalmente, abre-se a caça ao independente.

Num caso como o meu, de alguém que escreve o que pensa duas vezes por semana, sob o olhar do público, as coisas não ficam mais fáceis. Se acontece discordar do partido, é normal e legítimo que o partido não goste. Mais estranho é apoiar o partido - como eu fiz com o BE nas últimas eleições - e sentir reforçar-se a discreta mas eficaz ostracização que já se vinha exercendo desde 2010.

Quando a ostracização não chega, passa-se à insinuação. A nota que Francisco Louçã publicou no seu facebook e que me envolveu é, nesse peculiar, um clássico. Começa por dizer que um jornalista foi "levado ao engano" por mim (aquela voz passiva sabe muito: evita dizer que eu "enganei"). Segue confessando "curiosidade por coincidências tão estranhas" de que eu estaria na origem. E acaba já proclamando "falsidades" de quem quer "refazer a história". Anos de purgas condensados em três parágrafos por alguém que, evidentemente, não quis pegar num telefone para saber do seu deputado que tudo aquilo era mentira. Há um dever de lealdade entre o líder de um partido e os deputados desse partido. Esse dever foi quebrado e não foi por mim.

Curiosamente, é quando Louçã reconhece a custo o "erro da troika" que os esforços para purgar os mensageiros que primeiro o avisaram desse erro redobram. Mas quem conhece estas coisas não se surpreende. O chefe dá um sinal ambíguo, os acólitos tratarão do resto. Isto parece-se demasiado com a velha esquerda.

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Onde me derem liberdade, eu darei o meu melhor. Esta frase, eu não a escrevi agora. Foi a frase com que terminei o meu texto de apresentação de candidatura.

Antes tinha escrito também: "quem se candidata em democracia tem sempre uma hipótese, mais ou menos realista, de ser eleito. Se isso acontecer, tenho intenção de levar muito a sério o mandato. Não é novidade para ninguém que, ao nível europeu, a burocracia está a ganhar à democracia. Ora, a qualidade da democracia europeia será aquela que nós estivermos dispostos a conquistar, e não a conquistaremos sem risco nem esforço".

Não mudaria, naquele texto, uma só letra. Fiz bem em voltar a lê-lo, e ouso pedir-vos que o releiam também. Nele encontrei o compromisso - comigo e convosco - que tenho o dever de cumprir. Deputado independente ao Parlamento Europeu (http://twitter.com/ruitavares); a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico

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