Observa-se a Europa, analisa-se Portugal, e a ausência da política pura exige que se fale do lugar da política. A trivialidade dos tempos menores contamina os espíritos e o sincretismo das atitudes explica a deriva incómoda que a Europa sente e pressente como uma ameaça.
Embora espectador do resto do mundo, Portugal vive numa espécie de nevoeiro económico que tudo faz desaparecer - a crítica, a inteligência, a reflexão política sobre o futuro. E no final do nevoeiro o D. Sebastião das contas limpas haverá de nos resgatar das aflições do tempo e do juízo da história. Vamos por partes. A esquerda vive no mundo neo-realista marcado pelo progresso económico da grande produção industrial, do direito ao trabalho e do trabalho com direitos, da marcha irreversível para o bem-estar e para a justiça social. A grande narrativa da esquerda parou no materialismo real que enfrenta a inconstância de um mundo feito de incertezas. A social-democracia não consegue suportar na teoria e na prática um modelo social numa Europa descapitalizada e acossada por todos os credores. Afinal a história não tem um sentido e não pode substituir a política. A grande narrativa da esquerda é uma relíquia macabra, um anacronismo, a prova de um pensamento político passado e ultrapassado pela mais abrupta das realidades. A direita disserta no mundo pós-moderno em que todas as grandes narrativas faliram. O mundo visto da direita é uma permanente especulação diária em que se joga o destino das nações na cotação do mercado de futuros. Sem a tradição, o precedente político e um certo pessimismo antropológico, a direita vive em estado de "economicose" aguda e em que a política é uma inconveniência do passado, substituída com vantagem pela volatilidade dos mercados, pelo controlo da dívida, pelo automatismo alfanumérico e tecnocrata de uma realidade fatalmente virtual. O mundo à direita é uma distopia económica sem gente e sem alma. Entre o neo-realismo e o pós-modernismo, entre a esquerda e a direita, gera-se o espaço para a grande sublevação social, para o retorno de uma versão radical e agressiva da política, mas surge também a margem para esta nostalgia democrática sem empenho, entusiasmo, futuro ou esperança. Portugal não morre, mas sente-se que vai morrendo.
Percorra-se Roma, a cidade eterna. Na sua grandiosidade, Roma reduz o visitante a uma ínfima dimensão perdida no flagelo dos dias anónimos. A mesma grandiosidade que eleva no visitante o orgulho de uma grande civilização, europeia, ocidental. Nas suas ruínas, Roma exibe o esplendor do declínio e da extinção, a prova da vulnerabilidade dos homens em tempos de mudança. A lição de Roma não está na grandeza do império mas sim no esplendor do declínio. Entre a prosperidade e o declínio acontece a política dos homens, e na catástrofe de Roma está o desafio à imaginação dos nossos dias. O declínio de Roma é o começo de toda a sabedoria, tal como o impasse dos nossos dias é a necessidade de um regresso à política.
naturezadascoisas@gmail.com
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Carlos Marques de Almeida, Investigador em Teoria Política
Observa-se a Europa, analisa-se Portugal, e a ausência da política pura exige que se fale do lugar da política. A trivialidade dos tempos menores contamina os espíritos e o sincretismo das atitudes explica a deriva incómoda que a Europa sente e pressente como uma ameaça.
Embora espectador do resto do mundo, Portugal vive numa espécie de nevoeiro económico que tudo faz desaparecer - a crítica, a inteligência, a reflexão política sobre o futuro. E no final do nevoeiro o D. Sebastião das contas limpas haverá de nos resgatar das aflições do tempo e do juízo da história. Vamos por partes. A esquerda vive no mundo neo-realista marcado pelo progresso económico da grande produção industrial, do direito ao trabalho e do trabalho com direitos, da marcha irreversível para o bem-estar e para a justiça social. A grande narrativa da esquerda parou no materialismo real que enfrenta a inconstância de um mundo feito de incertezas. A social-democracia não consegue suportar na teoria e na prática um modelo social numa Europa descapitalizada e acossada por todos os credores. Afinal a história não tem um sentido e não pode substituir a política. A grande narrativa da esquerda é uma relíquia macabra, um anacronismo, a prova de um pensamento político passado e ultrapassado pela mais abrupta das realidades. A direita disserta no mundo pós-moderno em que todas as grandes narrativas faliram. O mundo visto da direita é uma permanente especulação diária em que se joga o destino das nações na cotação do mercado de futuros. Sem a tradição, o precedente político e um certo pessimismo antropológico, a direita vive em estado de "economicose" aguda e em que a política é uma inconveniência do passado, substituída com vantagem pela volatilidade dos mercados, pelo controlo da dívida, pelo automatismo alfanumérico e tecnocrata de uma realidade fatalmente virtual. O mundo à direita é uma distopia económica sem gente e sem alma. Entre o neo-realismo e o pós-modernismo, entre a esquerda e a direita, gera-se o espaço para a grande sublevação social, para o retorno de uma versão radical e agressiva da política, mas surge também a margem para esta nostalgia democrática sem empenho, entusiasmo, futuro ou esperança. Portugal não morre, mas sente-se que vai morrendo.
Percorra-se Roma, a cidade eterna. Na sua grandiosidade, Roma reduz o visitante a uma ínfima dimensão perdida no flagelo dos dias anónimos. A mesma grandiosidade que eleva no visitante o orgulho de uma grande civilização, europeia, ocidental. Nas suas ruínas, Roma exibe o esplendor do declínio e da extinção, a prova da vulnerabilidade dos homens em tempos de mudança. A lição de Roma não está na grandeza do império mas sim no esplendor do declínio. Entre a prosperidade e o declínio acontece a política dos homens, e na catástrofe de Roma está o desafio à imaginação dos nossos dias. O declínio de Roma é o começo de toda a sabedoria, tal como o impasse dos nossos dias é a necessidade de um regresso à política.
naturezadascoisas@gmail.com
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Carlos Marques de Almeida, Investigador em Teoria Política