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18-01-2015
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À mesa planeiam-se novos partidos. Numa sala com paredes de pedra típica, uma guerra longínqua. Num estádio, negoceiam-se apoios políticos. Qualquer espaço serve para exercer o poder.

1977, Palácio das Necessidades: O ministro forçou a entrada na CEE

Há várias personagens políticas a reclamar a ideia da adesão de Portugal à Comunidade Económica e Europeia (CEE). Mas foi José Medeiros Ferreira, ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) em 1977, a forçar Mário Soares a avançar, contou o próprio na biografia escrita por Joaquim Vieira.

Em Fevereiro de 1977, Medeiros chamou os embaixadores portugueses ao Palácio das Necessidades, construído no século XVIII e onde o Ministério se instalara em 1950. Percebeu que alguns tinham dúvidas de que Portugal devesse aderir – talvez se pudesse limitar a uma associação com a CEE.

O ministro enviou então um telegrama aos embaixadores nacionais nas capitais europeias: que informassem os governos locais de que Mário Soares iria viajar pelos nove países membros e faria o pedido de "adesão plena à CEE".

Duas horas depois, o primeiro-ministro ligou-lhe: "Era melhor deixarmos isto um bocadinho impreciso." Estava feito, respondeu-lhe o ministro:"Se houver algum país que esteja intratável no assunto eu desmarco a viagem. Se a gente levanta voo da Portela temos a resposta afirmativa connosco." Soares partiu nesse périplo a 14 de Fevereiro. A 28 de Março, Portugal fazia o pedido de adesão formal.

1980, Tavares Rico: O último almoço de Sá Carneiro

Freitas do Amaral chegou ao Tavares Rico, em Lisboa, às 14h30 de 4 de Dezembro de 1980, já o resto do grupo ia na sobremesa. Conta-o no segundo volume das suas memórias políticas: estavam o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, Amaro da Costa, Victor Cunha Rego, António Capucho, entre outros. Estavam "fascinados a ouvir Sá Carneiro, planeando as jogadas futuras como num jogo de xadrez", escreve.

O que Sá Carneiro propõe é bombástico: se Ramalho Eanes ganhar as presidenciais que se votam dias depois, não fica no Governo, mas prevê que o PSD ficará. E, nesse caso, planeia: "Abandonarei o PSD e ficarei uns tempos fora da política a deixá-los espetarem-se." E sabe o que fará: "Fundarei um novo partido e estou certo de que as bases do PSD virão comigo." Convida Freitas a juntar-se a ele.

António Capucho, contudo, não recorda a conversa sobre um novo partido – "não foi falado na minha presença" – embora admita que ela tenha ocorrido num momento a seguir. Mas aqui não houve consequência: Sá Carneiro morreria horas depois e Freitas do Amaral, líder do CDS, seria primeiro-ministro interino.

1985, Congresso da Figueira: um jackpot de 10 anos no poder

Aníbal Cavaco Silva estacionou o Citroën novo e entrou discreto no Casino da Figueira da Foz a 17 de Maio de 1985, acompanhado pela mulher. Um casino passava a espaço de reunião partidária apenas com um cartaz em fundo e cadeiras para a assistência. O 12º Congresso tinha um vencedor previsível: João Salgueiro. Mas, ainda na noite de sexta-feira, Mendes Bota, Ângelo Correia e Arménio Santos procuraram apoios para Cavaco. No sábado, Pedro Santana Lopes abriu-lhe o caminho: "Temos de ir pela coragem dos homens que não têm medo! Se quer mudar Portugal, o PSD precisa de mudar de líder, precisa de Cavaco Silva!" Houve aplausos em pé.

O discurso decisivo de Cavaco começou tímido. Pediu para não o interromperem. Fora apupado no congresso de Braga no ano anterior. Defendeu um partido maioritário e o nome de Freitas do Amaral para enfrentar Soares nas presidenciais. "Fascista! Fascista!", gritaram alguns. A resposta de Salgueiro foi suicida: "De Napoleões falsos estão cheios muitos hospícios." Estava a chamar doido a Cavaco.

Na noite de sábado, tudo mudou: vieram os apoios de Dias Loureiro, Fernando Nogueira (que abandonou Salgueiro), de Marcelo Rebelo de Sousa e da Nova Esperança. Alberto João Jardim forjou três assinaturas de delegados da Madeira para viabilizar a lista. Cavaco Silva ganhou por 57 votos, deram 10 anos de governo.

2003: O futuro do Iraque decidido na base das Lajes

O gigantesco Air Force One aterrou nas Lajes às 15h50 de domingo, 16 de Março de 2003 – cinco minutos atrasado. Na pista, George W. Bush tinha uma viatura oficial para o levar até à parte norte-americana da base, a cerca de um quilómetro. Em dois hangares próximos estavam grande parte dos 500 jornalistas acreditados de todo o mundo. Quando o carro parou, o Presidente americano entrou num dos edifícios bege (a base funciona como uma pequena cidade, com messe e até farmácia), onde o esperavam os primeiros-ministros do Reino Unido, Espanha e Portugal. Conversaram uma hora e meia: Bush, Tony Blair, o anfitrião Durão Barroso e o espanhol José Maria Aznar, sentados num sofá com tachas e em duas poltronas.

As conclusões do encontro já estavam prontas, o texto circulara por fax entre as equipas dos quatro países. Tudo tinha sido tratado em três dias: foi quanto levou a organizar a Cimeira das Lajes, que decidiu a invasão do Iraque a 20 de Março. Durão Barroso avisou o então Presidente da República, Jorge Sampaio, às 7h30 do dia 14.

Horas depois, quando os portugueses chegaram ao terreno, já lá estavam elementos dos serviços secretos e da Casa Branca. Tiveram de tratar de detalhes como as refeições dos jornalistas – "Não havia serviços de catering e por razões de segurança não se podia sair", recorda David Dinis, então assessor de imprensa de Durão Barroso – e como disponibilizar Internet a todos.

2011: Almoçar e pedir ajuda externa

"Até ao fim do dia, algo farei": foi a frase que Teixeira dos Santos disse aos seus quatro ex-secretários de Estado naquele dia. O almoço com a sua equipa, numa sala do Ministério, era uma rotina, o ministro fazia-o pelo menos uma vez por semana. A dona Emília servia, a comida vinha de um restaurante nas traseiras do Ministério. Mas esse não foi um dia de rotina.

Depois do almoço, Teixeira dos Santos foi para o seu gabinete. Fez uma chamada para o primeiro-ministro, José Sócrates. Quando desligou, não conseguira convencê-lo de que era já inevitável pedir ajuda financeira externa. Pediu à assessora de imprensa para o pôr em contacto com o Jornal de Negócios.

Às 18h02, o site do jornal publicava esta frase de Teixeira dos Santos: "Entendo que é necessário recorrer aos mecanismos de financiamento disponíveis no quadro europeu em termos adequados à actual situação política." O telefone nunca mais parou.

À mesa planeiam-se novos partidos. Numa sala com paredes de pedra típica, uma guerra longínqua. Num estádio, negoceiam-se apoios políticos. Qualquer espaço serve para exercer o poder.

1977, Palácio das Necessidades: O ministro forçou a entrada na CEE

Há várias personagens políticas a reclamar a ideia da adesão de Portugal à Comunidade Económica e Europeia (CEE). Mas foi José Medeiros Ferreira, ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) em 1977, a forçar Mário Soares a avançar, contou o próprio na biografia escrita por Joaquim Vieira.

Em Fevereiro de 1977, Medeiros chamou os embaixadores portugueses ao Palácio das Necessidades, construído no século XVIII e onde o Ministério se instalara em 1950. Percebeu que alguns tinham dúvidas de que Portugal devesse aderir – talvez se pudesse limitar a uma associação com a CEE.

O ministro enviou então um telegrama aos embaixadores nacionais nas capitais europeias: que informassem os governos locais de que Mário Soares iria viajar pelos nove países membros e faria o pedido de "adesão plena à CEE".

Duas horas depois, o primeiro-ministro ligou-lhe: "Era melhor deixarmos isto um bocadinho impreciso." Estava feito, respondeu-lhe o ministro:"Se houver algum país que esteja intratável no assunto eu desmarco a viagem. Se a gente levanta voo da Portela temos a resposta afirmativa connosco." Soares partiu nesse périplo a 14 de Fevereiro. A 28 de Março, Portugal fazia o pedido de adesão formal.

1980, Tavares Rico: O último almoço de Sá Carneiro

Freitas do Amaral chegou ao Tavares Rico, em Lisboa, às 14h30 de 4 de Dezembro de 1980, já o resto do grupo ia na sobremesa. Conta-o no segundo volume das suas memórias políticas: estavam o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, Amaro da Costa, Victor Cunha Rego, António Capucho, entre outros. Estavam "fascinados a ouvir Sá Carneiro, planeando as jogadas futuras como num jogo de xadrez", escreve.

O que Sá Carneiro propõe é bombástico: se Ramalho Eanes ganhar as presidenciais que se votam dias depois, não fica no Governo, mas prevê que o PSD ficará. E, nesse caso, planeia: "Abandonarei o PSD e ficarei uns tempos fora da política a deixá-los espetarem-se." E sabe o que fará: "Fundarei um novo partido e estou certo de que as bases do PSD virão comigo." Convida Freitas a juntar-se a ele.

António Capucho, contudo, não recorda a conversa sobre um novo partido – "não foi falado na minha presença" – embora admita que ela tenha ocorrido num momento a seguir. Mas aqui não houve consequência: Sá Carneiro morreria horas depois e Freitas do Amaral, líder do CDS, seria primeiro-ministro interino.

1985, Congresso da Figueira: um jackpot de 10 anos no poder

Aníbal Cavaco Silva estacionou o Citroën novo e entrou discreto no Casino da Figueira da Foz a 17 de Maio de 1985, acompanhado pela mulher. Um casino passava a espaço de reunião partidária apenas com um cartaz em fundo e cadeiras para a assistência. O 12º Congresso tinha um vencedor previsível: João Salgueiro. Mas, ainda na noite de sexta-feira, Mendes Bota, Ângelo Correia e Arménio Santos procuraram apoios para Cavaco. No sábado, Pedro Santana Lopes abriu-lhe o caminho: "Temos de ir pela coragem dos homens que não têm medo! Se quer mudar Portugal, o PSD precisa de mudar de líder, precisa de Cavaco Silva!" Houve aplausos em pé.

O discurso decisivo de Cavaco começou tímido. Pediu para não o interromperem. Fora apupado no congresso de Braga no ano anterior. Defendeu um partido maioritário e o nome de Freitas do Amaral para enfrentar Soares nas presidenciais. "Fascista! Fascista!", gritaram alguns. A resposta de Salgueiro foi suicida: "De Napoleões falsos estão cheios muitos hospícios." Estava a chamar doido a Cavaco.

Na noite de sábado, tudo mudou: vieram os apoios de Dias Loureiro, Fernando Nogueira (que abandonou Salgueiro), de Marcelo Rebelo de Sousa e da Nova Esperança. Alberto João Jardim forjou três assinaturas de delegados da Madeira para viabilizar a lista. Cavaco Silva ganhou por 57 votos, deram 10 anos de governo.

2003: O futuro do Iraque decidido na base das Lajes

O gigantesco Air Force One aterrou nas Lajes às 15h50 de domingo, 16 de Março de 2003 – cinco minutos atrasado. Na pista, George W. Bush tinha uma viatura oficial para o levar até à parte norte-americana da base, a cerca de um quilómetro. Em dois hangares próximos estavam grande parte dos 500 jornalistas acreditados de todo o mundo. Quando o carro parou, o Presidente americano entrou num dos edifícios bege (a base funciona como uma pequena cidade, com messe e até farmácia), onde o esperavam os primeiros-ministros do Reino Unido, Espanha e Portugal. Conversaram uma hora e meia: Bush, Tony Blair, o anfitrião Durão Barroso e o espanhol José Maria Aznar, sentados num sofá com tachas e em duas poltronas.

As conclusões do encontro já estavam prontas, o texto circulara por fax entre as equipas dos quatro países. Tudo tinha sido tratado em três dias: foi quanto levou a organizar a Cimeira das Lajes, que decidiu a invasão do Iraque a 20 de Março. Durão Barroso avisou o então Presidente da República, Jorge Sampaio, às 7h30 do dia 14.

Horas depois, quando os portugueses chegaram ao terreno, já lá estavam elementos dos serviços secretos e da Casa Branca. Tiveram de tratar de detalhes como as refeições dos jornalistas – "Não havia serviços de catering e por razões de segurança não se podia sair", recorda David Dinis, então assessor de imprensa de Durão Barroso – e como disponibilizar Internet a todos.

2011: Almoçar e pedir ajuda externa

"Até ao fim do dia, algo farei": foi a frase que Teixeira dos Santos disse aos seus quatro ex-secretários de Estado naquele dia. O almoço com a sua equipa, numa sala do Ministério, era uma rotina, o ministro fazia-o pelo menos uma vez por semana. A dona Emília servia, a comida vinha de um restaurante nas traseiras do Ministério. Mas esse não foi um dia de rotina.

Depois do almoço, Teixeira dos Santos foi para o seu gabinete. Fez uma chamada para o primeiro-ministro, José Sócrates. Quando desligou, não conseguira convencê-lo de que era já inevitável pedir ajuda financeira externa. Pediu à assessora de imprensa para o pôr em contacto com o Jornal de Negócios.

Às 18h02, o site do jornal publicava esta frase de Teixeira dos Santos: "Entendo que é necessário recorrer aos mecanismos de financiamento disponíveis no quadro europeu em termos adequados à actual situação política." O telefone nunca mais parou.

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