Açores 2010: Sobre os edifícios que transformam as cidades.

01-07-2011
marcar artigo


Maqueta de apresentação _ Centro de Arte Contemporânea dos AçoresNuma recente apresentação do novo Centro de Arte Contemporânea dos Açores (C.A.C.A.), previsto para cidade da Ribeira Grande, em São Miguel, foi apontada, como o nome indica, a vontade de significar uma realidade que transcende a cidade e a própria ilha. Nesse sentido, focando-se na referência de todo o arquipélago ou de toda a região, a opção da sua localização decorre de uma vontade de descentralizar mas sobretudo de desenvolver e de marcar uma posição.É certo que na Ribeira Grande não há um público-alvo que por si só justifique a sua localização, mas tampouco em São Miguel ou nas outras ilhas há um público que justifique a ambição e a escala que o centro pretende. No entanto, este não é um reflexo de uma visão megalómana, é sim uma ambiciosa estratégia de desenvolvimento que passa pela criação de estruturas específicas, neste caso culturais, indutoras de uma maior atenção exterior e, consequentemente, motrizes de um desenvolvimento interno ou local. Não sendo uma estratégia nova, é algo que funciona se devidamente planeado, programado e apoiado. Veja-se o caso do Museu de Arte Contemporânea de Elvas, da “Casa das Mudas” na região autónoma da Madeira, ou da Ellipse Foundation, com sede na Holanda mas com um Art-Centre em Alcoitão, que se demarcam como instituições de interesse não só local mas também nacional.Nos Açores, para além dos constrangimentos insulares que inibem as deslocações mais frequentes, não há ainda de uma colecção de arte contemporânea suficientemente expressiva em número, qualidade e orientação. Sem um coleccionador de referência, como António Cachola, ou a outra dimensão, como José Berardo, ou João Rendeiro / B.P.P., o novo Centro de Arte Contemporânea dos Açores deverá garantir a sua qualidade pelo discernimento com que irá estruturar a sua futura colecção, bem como pela clareza com que irá desenhar a sua orientação cultural. Não só ao nível expositivo, mas numa lógica global, assente no intercâmbio e na permanência de artistas e expressões distintas. Para assim ser, é certo que se deverá recorrer a profissionais reconhecidos, capazes de assegurar uma orientação de referência, de forma a projectar a atenção e o rigor para fora do circuito mais restrito da região. Entre outros, servem de exemplo o caso de João Pinharanda em Elvas, de J. Miguel Fernandes Jorge no Porto (Serralves), ou indirectamente, Pedro Lapa em Alcoitão.Pensando no crescimento local, seria igualmente bom que o surgir destas estruturas estimulasse o desenvolvimento de uma educação artística mais sólida. Não só apenas ao nível do grande público, através das várias acções que a este tipo de programa estão associadas, mas sobretudo ao nível de uma formação académica, ainda escassa dentro da região.Em relação à proposta arquitectónica, creio na importância de uma lógica de autor, suficientemente forte para marcar e consolidar o âmbito da intervenção. Nesse aspecto, seja em edifícios novos ou na reconversão de antigas estruturas, a história recente dos museus, galerias e centros de arte é bastante expressiva, e a sua atribuição por via de um concurso público é de longe a forma mais justa e promissora de, na abordagem do projecto, escolher, promover e questionar o necessário debate sobre o perfil destas instituições.No caso do Centro de Arte Contemporânea dos Açores, para além de todas as questões inerentes à sua ambição e ao seu respectivo funcionamento, outros temas surgem ainda a debate. A dimensão e a vocação cultural deste novo centro, são aqui um feliz pretexto para se recuperar o património construído, neste caso uma antiga fábrica de álcool, e resgatar os seus marcantes espaços para um outro uso, sobejamente digno. Por um lado, valorizar o antigo complexo incute um novo fôlego à sua leitura e memória na cidade, por outro lado, a natureza do antigo conjunto marca a especificidade do novo edifício e a reconversão do espaço fabril pode prometer a criação de novas salas, indutoras de um diferente discurso expositivo. Inevitavelmente, com a devida distancia, surge-nos á memória a Tate Modern, de Herzog & DeMeuron e a forma como a reconversão de uma antiga central eléctrica reutilizou a unicidade do seu espaço. Estes são recintos de forte carácter, passíveis de uma outra ocupação, como a antiga sala das turbinas, hoje a famosa Turbine Hall, facilmente o comprova.O projecto vencedor, dos arquitectos João Mendes Ribeiro e Cristina Guedes + Francisco Vieira de Campos (- é +), tirando partido das mesmas premissas, procura na valorização dos antigos corpos o motor da nova intervenção. A estratégia de fundo passa por dialogar com as preexistências, consolidando o conjunto com a implantação de um grupo de novos blocos. Estes novos blocos, distintos em cor e matéria, constroem o acesso e formam uma praça central, exterior, que traz as exposições para fora, distribui os acessos e permite a autonomia dos núcleos criados. Ou seja, embora coeso, o conjunto funciona com alguma maleabilidade, permitindo a autonomia das várias partes e o carácter marcante das ligações, ainda que, de forma constrangida, a proporção da praça seja acanhada para a dimensão do todo.O núcleo expositivo, inteligentemente integrado nos edifícios mantidos, tem como mais valia a especificidade das salas e a qualidade inerente à natureza do espaço preexistente. Este núcleo é suportado por um eixo técnico que alberga e encadeia as diferentes fases de chegada, preparação e entrega das obras de arte ao local. Nessa espécie de “backstage” desenvolve-se então a sucessão de etapas que vai da recepção à montagem das peças e que em “pente”, alimenta as várias salas de exposição. Embora exaustivamente estudado, este “mega-corredor” garante o funcionamento do conjunto e fecha-o lateralmente, o que parece uma opção evidente face à precariedade da vizinhança. Contudo, este fecho exclui um dos seus pontos mais marcantes. A chaminé da antiga fábrica, referência arquitectónica e urbana de excepção, vê-se assim afastada de um papel activo na leitura do novo centro. O marco do conjunto, parte fundamental do seu rosto urbano, ainda hoje bastante expressivo, ficou como que arrumado no canteiro e nem em si, nem em seu redor, o espaço é trabalhado de forma a capitalizar a excepção que este elemento constitui.Falando no rosto do conjunto, creio poder dizer-se que a sua verdadeira face é aquela que está legível no acesso à cidade, onde se ganha a dimensão de uma intervenção pública, de frente para o mar e com a escala da paisagem. Não na rua secundária por onde é feito a entrada, talvez vítima de um planeamento menos atento, extrínseco ao projecto. Não nessa rua onde a entrada surge com a procura e a boa vontade possível, mas sem a leitura e a dignidade desejada.A proposta é assim segura e educada, mas talvez pouco arriscada e em alguns casos constrangida pelas condições existentes. No entanto é um projecto de franco interesse, como de interesse é a vontade e a ambição que o sustentam. Ambição e vontade que se espera virem a projectar os Açores para uma realidade cultural digna de referência, honrando justamente a região.S.F.R..Publicado_Açoriano Oriental_2008.04.27


Maqueta de apresentação _ Centro de Arte Contemporânea dos AçoresNuma recente apresentação do novo Centro de Arte Contemporânea dos Açores (C.A.C.A.), previsto para cidade da Ribeira Grande, em São Miguel, foi apontada, como o nome indica, a vontade de significar uma realidade que transcende a cidade e a própria ilha. Nesse sentido, focando-se na referência de todo o arquipélago ou de toda a região, a opção da sua localização decorre de uma vontade de descentralizar mas sobretudo de desenvolver e de marcar uma posição.É certo que na Ribeira Grande não há um público-alvo que por si só justifique a sua localização, mas tampouco em São Miguel ou nas outras ilhas há um público que justifique a ambição e a escala que o centro pretende. No entanto, este não é um reflexo de uma visão megalómana, é sim uma ambiciosa estratégia de desenvolvimento que passa pela criação de estruturas específicas, neste caso culturais, indutoras de uma maior atenção exterior e, consequentemente, motrizes de um desenvolvimento interno ou local. Não sendo uma estratégia nova, é algo que funciona se devidamente planeado, programado e apoiado. Veja-se o caso do Museu de Arte Contemporânea de Elvas, da “Casa das Mudas” na região autónoma da Madeira, ou da Ellipse Foundation, com sede na Holanda mas com um Art-Centre em Alcoitão, que se demarcam como instituições de interesse não só local mas também nacional.Nos Açores, para além dos constrangimentos insulares que inibem as deslocações mais frequentes, não há ainda de uma colecção de arte contemporânea suficientemente expressiva em número, qualidade e orientação. Sem um coleccionador de referência, como António Cachola, ou a outra dimensão, como José Berardo, ou João Rendeiro / B.P.P., o novo Centro de Arte Contemporânea dos Açores deverá garantir a sua qualidade pelo discernimento com que irá estruturar a sua futura colecção, bem como pela clareza com que irá desenhar a sua orientação cultural. Não só ao nível expositivo, mas numa lógica global, assente no intercâmbio e na permanência de artistas e expressões distintas. Para assim ser, é certo que se deverá recorrer a profissionais reconhecidos, capazes de assegurar uma orientação de referência, de forma a projectar a atenção e o rigor para fora do circuito mais restrito da região. Entre outros, servem de exemplo o caso de João Pinharanda em Elvas, de J. Miguel Fernandes Jorge no Porto (Serralves), ou indirectamente, Pedro Lapa em Alcoitão.Pensando no crescimento local, seria igualmente bom que o surgir destas estruturas estimulasse o desenvolvimento de uma educação artística mais sólida. Não só apenas ao nível do grande público, através das várias acções que a este tipo de programa estão associadas, mas sobretudo ao nível de uma formação académica, ainda escassa dentro da região.Em relação à proposta arquitectónica, creio na importância de uma lógica de autor, suficientemente forte para marcar e consolidar o âmbito da intervenção. Nesse aspecto, seja em edifícios novos ou na reconversão de antigas estruturas, a história recente dos museus, galerias e centros de arte é bastante expressiva, e a sua atribuição por via de um concurso público é de longe a forma mais justa e promissora de, na abordagem do projecto, escolher, promover e questionar o necessário debate sobre o perfil destas instituições.No caso do Centro de Arte Contemporânea dos Açores, para além de todas as questões inerentes à sua ambição e ao seu respectivo funcionamento, outros temas surgem ainda a debate. A dimensão e a vocação cultural deste novo centro, são aqui um feliz pretexto para se recuperar o património construído, neste caso uma antiga fábrica de álcool, e resgatar os seus marcantes espaços para um outro uso, sobejamente digno. Por um lado, valorizar o antigo complexo incute um novo fôlego à sua leitura e memória na cidade, por outro lado, a natureza do antigo conjunto marca a especificidade do novo edifício e a reconversão do espaço fabril pode prometer a criação de novas salas, indutoras de um diferente discurso expositivo. Inevitavelmente, com a devida distancia, surge-nos á memória a Tate Modern, de Herzog & DeMeuron e a forma como a reconversão de uma antiga central eléctrica reutilizou a unicidade do seu espaço. Estes são recintos de forte carácter, passíveis de uma outra ocupação, como a antiga sala das turbinas, hoje a famosa Turbine Hall, facilmente o comprova.O projecto vencedor, dos arquitectos João Mendes Ribeiro e Cristina Guedes + Francisco Vieira de Campos (- é +), tirando partido das mesmas premissas, procura na valorização dos antigos corpos o motor da nova intervenção. A estratégia de fundo passa por dialogar com as preexistências, consolidando o conjunto com a implantação de um grupo de novos blocos. Estes novos blocos, distintos em cor e matéria, constroem o acesso e formam uma praça central, exterior, que traz as exposições para fora, distribui os acessos e permite a autonomia dos núcleos criados. Ou seja, embora coeso, o conjunto funciona com alguma maleabilidade, permitindo a autonomia das várias partes e o carácter marcante das ligações, ainda que, de forma constrangida, a proporção da praça seja acanhada para a dimensão do todo.O núcleo expositivo, inteligentemente integrado nos edifícios mantidos, tem como mais valia a especificidade das salas e a qualidade inerente à natureza do espaço preexistente. Este núcleo é suportado por um eixo técnico que alberga e encadeia as diferentes fases de chegada, preparação e entrega das obras de arte ao local. Nessa espécie de “backstage” desenvolve-se então a sucessão de etapas que vai da recepção à montagem das peças e que em “pente”, alimenta as várias salas de exposição. Embora exaustivamente estudado, este “mega-corredor” garante o funcionamento do conjunto e fecha-o lateralmente, o que parece uma opção evidente face à precariedade da vizinhança. Contudo, este fecho exclui um dos seus pontos mais marcantes. A chaminé da antiga fábrica, referência arquitectónica e urbana de excepção, vê-se assim afastada de um papel activo na leitura do novo centro. O marco do conjunto, parte fundamental do seu rosto urbano, ainda hoje bastante expressivo, ficou como que arrumado no canteiro e nem em si, nem em seu redor, o espaço é trabalhado de forma a capitalizar a excepção que este elemento constitui.Falando no rosto do conjunto, creio poder dizer-se que a sua verdadeira face é aquela que está legível no acesso à cidade, onde se ganha a dimensão de uma intervenção pública, de frente para o mar e com a escala da paisagem. Não na rua secundária por onde é feito a entrada, talvez vítima de um planeamento menos atento, extrínseco ao projecto. Não nessa rua onde a entrada surge com a procura e a boa vontade possível, mas sem a leitura e a dignidade desejada.A proposta é assim segura e educada, mas talvez pouco arriscada e em alguns casos constrangida pelas condições existentes. No entanto é um projecto de franco interesse, como de interesse é a vontade e a ambição que o sustentam. Ambição e vontade que se espera virem a projectar os Açores para uma realidade cultural digna de referência, honrando justamente a região.S.F.R..Publicado_Açoriano Oriental_2008.04.27

marcar artigo