Um dos painéis rodoviários que mais gozo me dá ver em Lisboa é aquele colocado à entrada da cidade, entre o viaduto Duarte Pacheco e o túnel das Amoreiras: “CML Circule com Precaução”. Em funcionamento desde a inauguração da mais perigosa via de circulação da cidade (descer o túnel até ao Marquês a 50 à hora é tão desesperante como subir as escadas rolantes do Corte Inglés com o pessoal parado do lado esquerdo), só agora aquele conselho viário parece fazer algum sentido. O que significa: “O mandato de António Costa na Câmara Municipal de Lisboa completou o seu primeiro ano. Circule com precaução”. Dos cem anos de vereação republicana em Lisboa, um deles já “pertence” a António Costa. Nada mau para currículo, pode ser que o homem acabe em Bruxelas. Num ano, o que sobressai da sua política cor-de-burro-quando-foge? O melhor de tudo: nunca mais ninguém ouviu falar do Carmona Rodrigues. O resto: Lisboa viu surgir a Time Out, uma revista de franchise internacional que recuperou a paixão viperina de criticar as rotinas alfacinhas. O que admiro: a iniciativa do Santos Design District, que, a custo e com bom gosto, nivela o comércio chique e estiliza a cultura de bairro em Santos-o-Velho, com parceria entre lojas, restaurantes e bares. O mérito resume um espírito de independência e desmame alternativo à política da câmara.O pior? Há três géneros de “pior” no primeiro ano de António Costa em Lisboa: o pior por excesso, o pior por defeito e o pior pela indiferença. O pior por excesso: fechar avenidas ou bairros históricos para a realização de eventos privados (incluíndo os domingos pedonais da Praça do Comércio). O pior pela indiferença será a erosão que a sistemática inacção política provoca. Um exemplo: o encerramento do Quarteto, o último dos cinemas de bairro de Lisboa. São tempos de crise e cinema não é bem de primeira necessidade. Mas basta ir a uma cidade da Europa para se perceber a força gravitacional que uma sala de teatro ainda pode exercer num bairro. A Cinemateca não compensa. O pior por defeito resume a incapacidade da vereação de António Costa para evitar a queda de Lisboa no abismo. Sejam as dívidas aos fornecedores, a devoluta Avenida da Liberdade de luxo/lixo, a distopia de uma cidade entregue a grandes arquitectos internacionais, a crise ribeirinha envolvendo Miguel Júdice ou o projecto de uma ponte multiviária para furar Chelas e o Beato. A estafada sentença de Lampedusa resume o empreedimento e a “precaução circular” de António Costa. “É preciso mudar tudo para que tudo fique na mesma”.Miguel SomsenIn Metro
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Um dos painéis rodoviários que mais gozo me dá ver em Lisboa é aquele colocado à entrada da cidade, entre o viaduto Duarte Pacheco e o túnel das Amoreiras: “CML Circule com Precaução”. Em funcionamento desde a inauguração da mais perigosa via de circulação da cidade (descer o túnel até ao Marquês a 50 à hora é tão desesperante como subir as escadas rolantes do Corte Inglés com o pessoal parado do lado esquerdo), só agora aquele conselho viário parece fazer algum sentido. O que significa: “O mandato de António Costa na Câmara Municipal de Lisboa completou o seu primeiro ano. Circule com precaução”. Dos cem anos de vereação republicana em Lisboa, um deles já “pertence” a António Costa. Nada mau para currículo, pode ser que o homem acabe em Bruxelas. Num ano, o que sobressai da sua política cor-de-burro-quando-foge? O melhor de tudo: nunca mais ninguém ouviu falar do Carmona Rodrigues. O resto: Lisboa viu surgir a Time Out, uma revista de franchise internacional que recuperou a paixão viperina de criticar as rotinas alfacinhas. O que admiro: a iniciativa do Santos Design District, que, a custo e com bom gosto, nivela o comércio chique e estiliza a cultura de bairro em Santos-o-Velho, com parceria entre lojas, restaurantes e bares. O mérito resume um espírito de independência e desmame alternativo à política da câmara.O pior? Há três géneros de “pior” no primeiro ano de António Costa em Lisboa: o pior por excesso, o pior por defeito e o pior pela indiferença. O pior por excesso: fechar avenidas ou bairros históricos para a realização de eventos privados (incluíndo os domingos pedonais da Praça do Comércio). O pior pela indiferença será a erosão que a sistemática inacção política provoca. Um exemplo: o encerramento do Quarteto, o último dos cinemas de bairro de Lisboa. São tempos de crise e cinema não é bem de primeira necessidade. Mas basta ir a uma cidade da Europa para se perceber a força gravitacional que uma sala de teatro ainda pode exercer num bairro. A Cinemateca não compensa. O pior por defeito resume a incapacidade da vereação de António Costa para evitar a queda de Lisboa no abismo. Sejam as dívidas aos fornecedores, a devoluta Avenida da Liberdade de luxo/lixo, a distopia de uma cidade entregue a grandes arquitectos internacionais, a crise ribeirinha envolvendo Miguel Júdice ou o projecto de uma ponte multiviária para furar Chelas e o Beato. A estafada sentença de Lampedusa resume o empreedimento e a “precaução circular” de António Costa. “É preciso mudar tudo para que tudo fique na mesma”.Miguel SomsenIn Metro