O fascínio Juncker

04-12-2014
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De repentemente, como se diz em bom português, a Europa transfigurou-se de monstruosidade em beleza. A ressurreição tem um nome: Jean-Claude Juncker. O fascínio Juncker é agora a marca de água da política nacional.

Lá fora dizem que o homem se arrasta em inconseguimentos infindáveis e que a sua Comissão até pode ser chumbada em Estrasburgo. Que ninguém o queria. Que, com ele, a União não consegue resolver o labirinto de nomeações para os cargos de mando, o presidente, o ministro dos estrangeiros, o chefe do eurogrupo, os comissários com dinheiro. Que os que levaram a Europa para esta tragédia austeritária continuam impávidos e reforçados. Mas, cá dentro, Juncker tornou-se o oásis das novas ideias, o profeta das soluções miraculosas, o nosso amigo, vizinho quase.

A fila dos elogiadores vai longa e o entusiasmo é tal que lhe descobrem amanhãs que cantam em qualquer proclamação. Sublinha António José Seguro que Juncker quer dar prioridade à indústria e ao emprego, finalmente o que nos faz falta (RTP, 15 julho). Acrescenta António Costa que “o presidente Junker diz que está na está na hora de a Europa investir. (…) E que é necessário fazer uma interpretação flexível do Tratado Orçamental” (Visão, 7 agosto). Um cínico notaria que Durão Barroso disse o mesmo quando lhe convinha e que tudo vai da receptividade do ouvinte: a 11 de abril, o presidente da Comissão comboiou oito comissários para falarem em Lisboa sobre investimento, o que lhe mereceu um comovido elogio de Cavaco Silva (“Foi decisivo o seu contributo para que a Europa ultrapassasse a crise do euro”).

A vida tem destas coisas, foi preciso ser presidenciado o antigo primeiro-ministro de um offshore para que em Portugal houvesse quem se entusiasmasse com promessas que pareciam tão gastas quando proclamadas por Barroso, que é conhecido de ginjeira.

O que é assinalável, portanto, é que o entusiasmo junckeriano mora sobretudo nalguma oposição, que o venera agora como a Esfinge do Egipto. Juncker renasceu como o anti-Merkel, o europeu insigne que moverá o continente para o seu rumo certo, depois de, há dois meses, ter sido abominado como o candidato da direita da austeridade, o continuismo soturno e a condenação continental.

Num caso, esse fascínio adquire mesmo um tom personalizado: Maria João Rodrigues, que tem uma carreira assinalável na União e que aspirava a ser comissária, foi quem mais longe levou a interpretação de Juncker como o homem certo para fazer a política de que a Europa precisa, sobretudo se bem acompanhado.

É verdade que, contra a hipótese da sua nomeação, ela tinha o facto de todos os governos portugueses terem nomeado comissários da sua cor (os de direita, Cardoso e Cunha e Deus Pinheiro, o do PS, António Vitorino), mas não deixou por isso de sublinhar as suas próprias qualificações: “Juncker confia em mim, até já me condecorou” (Jornal de Negócios, 14 julho) e “o meu nome não foi referido a Juncker, embora ele o esperasse” (Público, 3 agosto). No mesmo artigo, queixava-se desta omissão (“Por falta de proximidade pessoal com Jean-Claude Juncker? Também não creio, depois de ter colaborado de perto com ele”), e explicava a razão da marginalização: “Lamento toda esta imodéstia, mas a explicação pode ser outra e bem mais simples. Poderá ser algo arriscado enviar para a frente europeia pessoas que saibam e queiram discutir as regras do funcionamento europeu, é melhor ater-nos à nossa condição modesta de pequeno país, e com muitos problemas…” (idem). Noutro artigo, dias depois, acrescenta ainda que “ele me incitou a tornar disponível a minha candidatura (…) No entanto, entre outros nomes possíveis, o meu nome não lhe foi referido, embora ele o esperasse. O que se chama uma oportunidade perdida. (…) Este é o tipo de desperdício que o país já não tolera” (Expresso, 9 agosto).

Que oportunidade perdida! Porque “Jean-Claude Juncker é um político europeu particularmente experiente e está bem consciente disso. Se quiser escapar a um triste destino periférico, Portugal deveria enviar-lhe pessoas à altura e que empurrem o barco no bom sentido…” (Público). Ele, messias europeu, viragem certa no momento certo, “propôs e comprometeu-se a colocar o crescimento e o emprego como a sua primeira prioridade para os próximos cinco anos” (Expresso).

Claro que tudo isto acaba num desmentido desagradável por “fontes de Bruxelas”, que recusam esta proximidade e interesse de Juncker pela solução Rodrigues. Como tudo evoca conversas pessoais, nunca saberemos se o desmentido é mentido. Mas fica o essencial, a “oportunidade perdida” em causa própria e da Pátria.

Juncker, qual o poço de sabedoria salvífica que nos tem faltado, quer recuperar a Europa e precisava por isso que lhe enviássemos “pessoas à altura” para que Portugal, nem menos, possa “escapar a um triste destino periférico”. Não enviámos e, coitado, ficou com quem tem, a Merkel, e nós ficamos no mesmo sítio à beira-mar plantado.

Chegámos a isto.

De repentemente, como se diz em bom português, a Europa transfigurou-se de monstruosidade em beleza. A ressurreição tem um nome: Jean-Claude Juncker. O fascínio Juncker é agora a marca de água da política nacional.

Lá fora dizem que o homem se arrasta em inconseguimentos infindáveis e que a sua Comissão até pode ser chumbada em Estrasburgo. Que ninguém o queria. Que, com ele, a União não consegue resolver o labirinto de nomeações para os cargos de mando, o presidente, o ministro dos estrangeiros, o chefe do eurogrupo, os comissários com dinheiro. Que os que levaram a Europa para esta tragédia austeritária continuam impávidos e reforçados. Mas, cá dentro, Juncker tornou-se o oásis das novas ideias, o profeta das soluções miraculosas, o nosso amigo, vizinho quase.

A fila dos elogiadores vai longa e o entusiasmo é tal que lhe descobrem amanhãs que cantam em qualquer proclamação. Sublinha António José Seguro que Juncker quer dar prioridade à indústria e ao emprego, finalmente o que nos faz falta (RTP, 15 julho). Acrescenta António Costa que “o presidente Junker diz que está na está na hora de a Europa investir. (…) E que é necessário fazer uma interpretação flexível do Tratado Orçamental” (Visão, 7 agosto). Um cínico notaria que Durão Barroso disse o mesmo quando lhe convinha e que tudo vai da receptividade do ouvinte: a 11 de abril, o presidente da Comissão comboiou oito comissários para falarem em Lisboa sobre investimento, o que lhe mereceu um comovido elogio de Cavaco Silva (“Foi decisivo o seu contributo para que a Europa ultrapassasse a crise do euro”).

A vida tem destas coisas, foi preciso ser presidenciado o antigo primeiro-ministro de um offshore para que em Portugal houvesse quem se entusiasmasse com promessas que pareciam tão gastas quando proclamadas por Barroso, que é conhecido de ginjeira.

O que é assinalável, portanto, é que o entusiasmo junckeriano mora sobretudo nalguma oposição, que o venera agora como a Esfinge do Egipto. Juncker renasceu como o anti-Merkel, o europeu insigne que moverá o continente para o seu rumo certo, depois de, há dois meses, ter sido abominado como o candidato da direita da austeridade, o continuismo soturno e a condenação continental.

Num caso, esse fascínio adquire mesmo um tom personalizado: Maria João Rodrigues, que tem uma carreira assinalável na União e que aspirava a ser comissária, foi quem mais longe levou a interpretação de Juncker como o homem certo para fazer a política de que a Europa precisa, sobretudo se bem acompanhado.

É verdade que, contra a hipótese da sua nomeação, ela tinha o facto de todos os governos portugueses terem nomeado comissários da sua cor (os de direita, Cardoso e Cunha e Deus Pinheiro, o do PS, António Vitorino), mas não deixou por isso de sublinhar as suas próprias qualificações: “Juncker confia em mim, até já me condecorou” (Jornal de Negócios, 14 julho) e “o meu nome não foi referido a Juncker, embora ele o esperasse” (Público, 3 agosto). No mesmo artigo, queixava-se desta omissão (“Por falta de proximidade pessoal com Jean-Claude Juncker? Também não creio, depois de ter colaborado de perto com ele”), e explicava a razão da marginalização: “Lamento toda esta imodéstia, mas a explicação pode ser outra e bem mais simples. Poderá ser algo arriscado enviar para a frente europeia pessoas que saibam e queiram discutir as regras do funcionamento europeu, é melhor ater-nos à nossa condição modesta de pequeno país, e com muitos problemas…” (idem). Noutro artigo, dias depois, acrescenta ainda que “ele me incitou a tornar disponível a minha candidatura (…) No entanto, entre outros nomes possíveis, o meu nome não lhe foi referido, embora ele o esperasse. O que se chama uma oportunidade perdida. (…) Este é o tipo de desperdício que o país já não tolera” (Expresso, 9 agosto).

Que oportunidade perdida! Porque “Jean-Claude Juncker é um político europeu particularmente experiente e está bem consciente disso. Se quiser escapar a um triste destino periférico, Portugal deveria enviar-lhe pessoas à altura e que empurrem o barco no bom sentido…” (Público). Ele, messias europeu, viragem certa no momento certo, “propôs e comprometeu-se a colocar o crescimento e o emprego como a sua primeira prioridade para os próximos cinco anos” (Expresso).

Claro que tudo isto acaba num desmentido desagradável por “fontes de Bruxelas”, que recusam esta proximidade e interesse de Juncker pela solução Rodrigues. Como tudo evoca conversas pessoais, nunca saberemos se o desmentido é mentido. Mas fica o essencial, a “oportunidade perdida” em causa própria e da Pátria.

Juncker, qual o poço de sabedoria salvífica que nos tem faltado, quer recuperar a Europa e precisava por isso que lhe enviássemos “pessoas à altura” para que Portugal, nem menos, possa “escapar a um triste destino periférico”. Não enviámos e, coitado, ficou com quem tem, a Merkel, e nós ficamos no mesmo sítio à beira-mar plantado.

Chegámos a isto.

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