É urgente gerir bem a cultura

11-10-2015
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O que faz falta à Cultura? Financiamentos maiores, novos modelos de gestão, clarificação de obrigações e desenvolvimento sustentável.

De que falamos quando falamos de Cultura? A pergunta é velha mas sempre pertinente e crucial para percebermos a dimensão da importância que a cultura tem nas nossas vidas. E foi pela sua definição que a Conferência do Expresso em Évora teve início. "Cultura é o que nos distingue dos demais. É a única capacidade de sermos algo mais dos que animais irracionais e aquilo que nos permite sobreviver enquanto espécie." A primeira definição do conceito que o termo encerra é de Guta Moura Guedes, aqui na posição de oradora. "A cultura é tudo o que nos ultrapassa associado a uma componente ética, de comunicação, de descodificação do mundo e de conhecimento. É o que construímos como sociedade e a forma como nos relacionamos uns com os outros", continua a diretora da ExperimetaDesign.

Este ponto de partida leva a que António Filipe Pimentel frise a necessidade cada vez mais premente de Portugal olhar para a cultura como um bem que não sobreviverá à história e ao tempo se não nos apressarmos a desenvolver uma estratégia cultural sólida e continuada para o país. O diretor do Museu Nacional de Arte Antiga defende que a identidade de cada português passa pela cultura e que "enquanto assim não o entendermos, não conseguiremos ser um país verdadeiramente desenvolvido".

Com uma história rica, um património valioso e um potencial enorme quer a nível do edificado (e Évora é prova disso) quer a nível artístico, falta uma visão política da cultura para que se "consiga provar que a cultura pode significar desenvolvimento para a comunidade", diz Cláudio Torres, arqueólogo responsável pelo Campo Arqueológico de Mértola e prémio Pessoa 1991. Rui Vieira Nery vai mais longe. O diretor do Programa de Língua e Cultura Portuguesa da Fundação Gulbenkian considera que o "direito à cultura é uma obrigação do Estado". Para Nery, a prestação de um serviço público no que respeita à cultura é uma responsabilidade estatal exatamente igual aos serviços públicos prestados em áreas como a justiça, a saúde ou a educação. "Mas cabe ao Estado fazer tudo? Não. Primeiro porque não é capaz de o fazer e isso poderia levar a uma situação totalitária, o que significaria o contrário da criatividade plural", lança para a mesa de debate o ex-secretário de Estado da Cultura.

Obrigações do Estado

Rui Vieira Nery aponta as áreas culturais que, sem dúvidas, deveriam estar a cargo do Estado. "A preservação do património, pois não podemos partir do princípio que um castelo tem de ser transformado num centro comercial para ser preservado. Não se trata de modo nenhum de um investimento deficitário. Antes pelo contrário, trata-se de um investimento de dimensão identitária, da memória e compreensão do próprio processo de mudança nas sociedades, desde os ganhos ao nível da sua capacidade criativa como nos ganhos ao nível da sua capacidade crítica. Do mesmo modo, no campo da viabilização de atividades culturais, o Estado não se pode demitir da sua responsabilidade social para com as orquestras, os teatros nacionais, a Companhia Nacional de Bailado e o teatro de ópera. São direitos que o Estado tem de assegurar e nunca numa lógica de mercado", assinala o antigo governante.

Mas é aqui que a porca torce o rabo, para usarmos uma expressão popular também ela incluída no conceito de cultura. Os modelos de gestão levados a cabo pelo Estado no domínio cultural estão caducos, consideram os oradores. "É preciso pensar em modelos radicais, modelos de mudança e redesenhar profundamente os meios de gestão da área cultural", avança Guta Moura Guedes. "Convocar a sociedade civil para uma causa tão nobre como esta." O desafio de Guta leva Vieira Nery a uma reflexão mais analítica sobre a matéria: "A crise que atravessamos é irrelevante para a formulação do problema financeiro da cultura. A Secretaria de Estado da Cultura vai receber 0,3% do Orçamento do Estado, uma verba irrelevante para o cumprimento ou não da meta do défice e não acredito que algum dia a SEC venha a ver o seu financiamento crescer. É por isso que acredito que os novos modelos não têm que se afastar dos dinheiros do Estado." António Filipe Pimentel concorda: "É do consenso dos economistas a impossibilidade técnica da cultura contribuir para equilibramos o défice, são valores residuais os criados pelo sector (2,5 % do PIB, segundo o mais recente estudo realizado por Augusto Mateus). Mas o grande contributo da cultura existe - é o contributo para o otimismo, para a energia coletiva, para a ética, para a cultura da paz, para a coesão social."

Mas como se enfrentam as dificuldades financeiras crescentes? A pergunta impõe-se. Rui Vieira Nery dá a primeira resposta. "É preciso encontrar esquemas de parcerias entre os sectores público e privado, obviamente só possíveis de haver em mínimos olímpicos!; envolver vários organismos em cada projeto; desenvolver novos mecanismos de gestão; e reformular o mecenato e os seus benefícios em sede fiscal." António Filipe Pimentel ajusta uma segunda: "Acabar com o divórcio técnico tão estrutural que existe entre o turismo e a cultura."

Évora é a décima cidade a receber a exposição comemorativa dos 40 anos do Expresso, cujas imagens destacam os momentos mais marcantes destas quatro décadas. Até 20 de novembro vai estar na Praça do Giraldo.

"As imagens são muito fortes, o que revela uma seleção muito bem feita das milhares de fotografias que suponho tenham sido publicadas no Expresso ao longo destes 40 anos. Depois, a própria disposição da exposição realça a importância dos acontecimentos. Não se resiste a ir ver", comenta Fátima Cabecinha, de 41 anos.

Como ela, que se sente mais atraída pelas imagens que retratam Portugal e que reavivam a memória sobretudo do 25 de abril, Dagoberto Minguém (60 anos) considera "a Revolução dos Cravos" como o polo mais interessante da mostra. "A queda do Muro de Berlim e o 11 de setembro faz-me pensar em desgraças, na paz que não existe. O 25 de abril foi o momento de todas as oportunidades", frisa.

As imagens da revolução de 1974 trazem ainda à memória de Rosa Lino, 68 anos, a capacidade de voltar atrás no tempo. "Faz bem pensar no que aconteceu, lembramo-nos com um sorriso como começou a democracia", diz. O mundo faz vibrar Joaquim Santos. "O Mandela e o apartheid tocam-me muito, o que aquele homem sofreu e aquilo por que lutou. É uma pessoa extraordinária. Também me interessa recordar a Guerra do Golfo. Estes acontecimentos vão passando na nossa memória e à medida que o tempo se vai, esquecemo-nos deles", comenta, para depois recordar o 25 de abril: "Naquela madrugada, ia de carro para a fábrica da Siemens, onde trabalhava. Ligo o rádio e começo a ouvir falar de marchas militares. Pensei para comigo 'passa-se qualquer coisa de anormal'". Já Inácia Caldeira e Alexandrina Rolo, ambas de 59 anos, têm outra reação ao passear e olhar a exposição "Expresso 40 anos". "Isto serve é para vermos o que ainda nos vai acontecer, é o que passou e o que está para vir", afirmam.

"É com muita honra e muito orgulho que recebemos esta mostra aqui na Praça do Giraldo, exatamente o local que queremos animar com mais e bons acontecimentos culturais, que ofereçam à população e a quem nos visita grandes momentos de reflexão, fruição e encantamento", afirma Carlos Pinto de Sá, o presidente da Câmara Municipal de Évora, recentemente eleito.

Texto publicado na edição do Expresso de 9 de novembro de 2013

O que faz falta à Cultura? Financiamentos maiores, novos modelos de gestão, clarificação de obrigações e desenvolvimento sustentável.

De que falamos quando falamos de Cultura? A pergunta é velha mas sempre pertinente e crucial para percebermos a dimensão da importância que a cultura tem nas nossas vidas. E foi pela sua definição que a Conferência do Expresso em Évora teve início. "Cultura é o que nos distingue dos demais. É a única capacidade de sermos algo mais dos que animais irracionais e aquilo que nos permite sobreviver enquanto espécie." A primeira definição do conceito que o termo encerra é de Guta Moura Guedes, aqui na posição de oradora. "A cultura é tudo o que nos ultrapassa associado a uma componente ética, de comunicação, de descodificação do mundo e de conhecimento. É o que construímos como sociedade e a forma como nos relacionamos uns com os outros", continua a diretora da ExperimetaDesign.

Este ponto de partida leva a que António Filipe Pimentel frise a necessidade cada vez mais premente de Portugal olhar para a cultura como um bem que não sobreviverá à história e ao tempo se não nos apressarmos a desenvolver uma estratégia cultural sólida e continuada para o país. O diretor do Museu Nacional de Arte Antiga defende que a identidade de cada português passa pela cultura e que "enquanto assim não o entendermos, não conseguiremos ser um país verdadeiramente desenvolvido".

Com uma história rica, um património valioso e um potencial enorme quer a nível do edificado (e Évora é prova disso) quer a nível artístico, falta uma visão política da cultura para que se "consiga provar que a cultura pode significar desenvolvimento para a comunidade", diz Cláudio Torres, arqueólogo responsável pelo Campo Arqueológico de Mértola e prémio Pessoa 1991. Rui Vieira Nery vai mais longe. O diretor do Programa de Língua e Cultura Portuguesa da Fundação Gulbenkian considera que o "direito à cultura é uma obrigação do Estado". Para Nery, a prestação de um serviço público no que respeita à cultura é uma responsabilidade estatal exatamente igual aos serviços públicos prestados em áreas como a justiça, a saúde ou a educação. "Mas cabe ao Estado fazer tudo? Não. Primeiro porque não é capaz de o fazer e isso poderia levar a uma situação totalitária, o que significaria o contrário da criatividade plural", lança para a mesa de debate o ex-secretário de Estado da Cultura.

Obrigações do Estado

Rui Vieira Nery aponta as áreas culturais que, sem dúvidas, deveriam estar a cargo do Estado. "A preservação do património, pois não podemos partir do princípio que um castelo tem de ser transformado num centro comercial para ser preservado. Não se trata de modo nenhum de um investimento deficitário. Antes pelo contrário, trata-se de um investimento de dimensão identitária, da memória e compreensão do próprio processo de mudança nas sociedades, desde os ganhos ao nível da sua capacidade criativa como nos ganhos ao nível da sua capacidade crítica. Do mesmo modo, no campo da viabilização de atividades culturais, o Estado não se pode demitir da sua responsabilidade social para com as orquestras, os teatros nacionais, a Companhia Nacional de Bailado e o teatro de ópera. São direitos que o Estado tem de assegurar e nunca numa lógica de mercado", assinala o antigo governante.

Mas é aqui que a porca torce o rabo, para usarmos uma expressão popular também ela incluída no conceito de cultura. Os modelos de gestão levados a cabo pelo Estado no domínio cultural estão caducos, consideram os oradores. "É preciso pensar em modelos radicais, modelos de mudança e redesenhar profundamente os meios de gestão da área cultural", avança Guta Moura Guedes. "Convocar a sociedade civil para uma causa tão nobre como esta." O desafio de Guta leva Vieira Nery a uma reflexão mais analítica sobre a matéria: "A crise que atravessamos é irrelevante para a formulação do problema financeiro da cultura. A Secretaria de Estado da Cultura vai receber 0,3% do Orçamento do Estado, uma verba irrelevante para o cumprimento ou não da meta do défice e não acredito que algum dia a SEC venha a ver o seu financiamento crescer. É por isso que acredito que os novos modelos não têm que se afastar dos dinheiros do Estado." António Filipe Pimentel concorda: "É do consenso dos economistas a impossibilidade técnica da cultura contribuir para equilibramos o défice, são valores residuais os criados pelo sector (2,5 % do PIB, segundo o mais recente estudo realizado por Augusto Mateus). Mas o grande contributo da cultura existe - é o contributo para o otimismo, para a energia coletiva, para a ética, para a cultura da paz, para a coesão social."

Mas como se enfrentam as dificuldades financeiras crescentes? A pergunta impõe-se. Rui Vieira Nery dá a primeira resposta. "É preciso encontrar esquemas de parcerias entre os sectores público e privado, obviamente só possíveis de haver em mínimos olímpicos!; envolver vários organismos em cada projeto; desenvolver novos mecanismos de gestão; e reformular o mecenato e os seus benefícios em sede fiscal." António Filipe Pimentel ajusta uma segunda: "Acabar com o divórcio técnico tão estrutural que existe entre o turismo e a cultura."

Évora é a décima cidade a receber a exposição comemorativa dos 40 anos do Expresso, cujas imagens destacam os momentos mais marcantes destas quatro décadas. Até 20 de novembro vai estar na Praça do Giraldo.

"As imagens são muito fortes, o que revela uma seleção muito bem feita das milhares de fotografias que suponho tenham sido publicadas no Expresso ao longo destes 40 anos. Depois, a própria disposição da exposição realça a importância dos acontecimentos. Não se resiste a ir ver", comenta Fátima Cabecinha, de 41 anos.

Como ela, que se sente mais atraída pelas imagens que retratam Portugal e que reavivam a memória sobretudo do 25 de abril, Dagoberto Minguém (60 anos) considera "a Revolução dos Cravos" como o polo mais interessante da mostra. "A queda do Muro de Berlim e o 11 de setembro faz-me pensar em desgraças, na paz que não existe. O 25 de abril foi o momento de todas as oportunidades", frisa.

As imagens da revolução de 1974 trazem ainda à memória de Rosa Lino, 68 anos, a capacidade de voltar atrás no tempo. "Faz bem pensar no que aconteceu, lembramo-nos com um sorriso como começou a democracia", diz. O mundo faz vibrar Joaquim Santos. "O Mandela e o apartheid tocam-me muito, o que aquele homem sofreu e aquilo por que lutou. É uma pessoa extraordinária. Também me interessa recordar a Guerra do Golfo. Estes acontecimentos vão passando na nossa memória e à medida que o tempo se vai, esquecemo-nos deles", comenta, para depois recordar o 25 de abril: "Naquela madrugada, ia de carro para a fábrica da Siemens, onde trabalhava. Ligo o rádio e começo a ouvir falar de marchas militares. Pensei para comigo 'passa-se qualquer coisa de anormal'". Já Inácia Caldeira e Alexandrina Rolo, ambas de 59 anos, têm outra reação ao passear e olhar a exposição "Expresso 40 anos". "Isto serve é para vermos o que ainda nos vai acontecer, é o que passou e o que está para vir", afirmam.

"É com muita honra e muito orgulho que recebemos esta mostra aqui na Praça do Giraldo, exatamente o local que queremos animar com mais e bons acontecimentos culturais, que ofereçam à população e a quem nos visita grandes momentos de reflexão, fruição e encantamento", afirma Carlos Pinto de Sá, o presidente da Câmara Municipal de Évora, recentemente eleito.

Texto publicado na edição do Expresso de 9 de novembro de 2013

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