Tomei conhecimento do texto escrito por António Filipe Pimentel (professor de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) para o jornal Público (edição de 5 de Agosto), ainda a propósito da expulsão de Dalila Rodrigues do paraíso. Texto deliberada, óbvia e pretensiosamente de traçado triangular. Façamos um exercício de imaginação sobre a pirâmide do poder oportunamente assinalada no texto de Filipe Pimentel. Escreve, infelizmente não o cidadão no pleno exercício das suas convicções humanitárias, mas o insigne doutor no uso pretensamente camuflado da perigosa premissa de Dâmocles, que afinal vem a ser, em todo o texto, causa da sua enorme contradição. Não lhe bastando insurgir-se sobre o caso Dalila Rodrigues ao abrigo da sua responsabilidade cívica (que evoca em último lugar), lança sobre ele mesmo as vestes de outra padroeira a quem confere prioridade na demanda missionária, qual estandarte do soldado em cruzada pela glória, pela fama, pela riqueza. Cito: «Vinte anos passados sobre o nosso convívio [refere-se a Dalila Rodrigues] nos bancos escolares, cabe-me a mim dirigir o Instituto de História da Arte. Também eu, pois, sou funcionário público, com funções dirigentes num (pequeno) organismo científico e cultural, a que acrescem outras, de âmbito mais vasto, como pró-reitor para o património da Universidade de Coimbra. Ao contrário de Pinamonti e Dalila, porém, não dependo (ainda) da tutela mas apenas, no primeiro caso, da confiança e reconhecimento dos meus pares (colegas que sabem do que falo e constituem a equipa com quem trabalho) e, no segundo, da confiança e reconhecimento do reitor que me convidou e que é também meu par, ou melhor, primus inter pares. E de mim, claro, e do meu juízo crítico, que nunca me passou pela cabeça deixar de exercer mesmo cumprindo lealmente as funções que me foram confiadas.». António Pimentel dá aqui provas provadas do seu primeiro tombo. Negando uma condição profissional em regime de tutela (como se isto fosse possível), ironicamente não deixa de assumir em simultâneo a sua lealdade às funções delegadas por essa instituição castradora da qual faz parte, a Universidade de Coimbra (aliás pública) e seu ensino de postila. Todavia, reconhecer isto publicamente (i.e., exercer esse tão destemido juízo crítico em cima do próprio palco da mãezinha dos bacharéis) dar-lhe-ia talvez direito à porta da rua. Evita-se a afronta pactuando ordeiramente com os ditames por ela impostos.Analise-se a pirâmide:Sobre Dalila Rodrigues (digamos inscrita ao meio da pirâmide), o proclamado pró-reitor para o património da Universidade de Coimbra debuxa algumas linhas: «Tenho o privilégio de conhecer, ser amigo pessoal e admirador incondicional do trabalho de Dalila Rodrigues desde que fomos colegas de curso, no Instituto de História da Arte, em Coimbra.», sobre ela muito justamente a inscreve ainda na esteira da ousadia e de uma tenacidade fresca e arrojada. Conhecendo-a pessoalmente, eu mesma assisti às provas de defesa de doutoramento desta mulher, numa sala embaciada, asseada com doutores de idades superiores a 300 anos, vestidos de preto, com ar de retrato de morto emoldurado num jazigo antigo e que a cada passo caíam aos pedaços de cima de um poleiro numa espécie de vala sem fundo. O modo como Dalila Rodrigues - no arrojo da frescura e de um aparato bem preparado, quero crer não de todo académico - domava o seu próprio discurso, levaria a pensar que as suas provas não se integravam nos trâmites do servilismo académico (no qual, pelo contrário, ao longo do seu malogrado texto, à guarda de numa triste contradição, vem tropeçar António Filipe Pimentel) dentro ou fora de paredes, mas sim substanciadas num certo modo de fazer vida humanista ao ar livre. Diz-nos hoje Dalila Rodrigues: «Não me arrependo. Voltaria a fazer exactamente as mesmas coisas, a repetir os mesmos gestos, a dar os mesmos passos.» Quero acreditar muito que isto seja o fundo da sua verdade e não apenas a verdade do meu próprio fundo. Não venha Dalila Rodrigues, por conseguinte, (como Dalila a Sansão), fazer jus ao texto de António Pimentel e morra, mil vezes seja proscrita, mas inteira, antes fiel à cultura digna de seu nome e não aos frágeis vasilhames do poder.Sobre António Filipe Pimentel, imediatamente auto-inserto ao topo da pirâmide, i.e., sobre si mesmo, António Filipe Pimentel debuxa muitas linhas (mor parte delas), todavia mais concretamente as que dizem respeito à sua inerência profissional face à Universidade de Coimbra que gloriosamente a faz representada por si e seus «pares», alteando, no entanto e com prudências de saber fazer, a bitola estatutária para sua excelência o meritíssimo reitor da sacrossanta irmandade a quem nomeia, com demarcada elevação, de «primus inter pares», ou seja, o que da santa casa vem a ser primeiro entre os iguais. Outrossim, vem a ser o excelso reitor um suserano mais entre os suseranos de Portugal a quem, no célebre acto de milenária investidura (sinete maior dos que ainda escrevem e homenageiam a obsoleta pátria e se dizem patriotas), os prudentes vassalos prestam fiel e beijada homenagem. Eu diria que tal elevação, beijo vassálico, feita com decoros de triunfalidade, parece vaticinar em António Pimentel um caminho que às cautelas prepara até à cátedra da reitoria.Ele mesmo o profetiza, e mais o cito: «Por impedimento da (minha) tutela [mas inda há-de vir a reitor, pois], no seu desígnio cego de emagrecimento das universidades e onde as humanidades em absoluto ficam desguarnecidas no entendimento triunfante de ciência, não posso fazer o que agora me apeteceria e seria pertinente: dizer a Dalila que viesse para Coimbra, a universidade onde brilhantemente se doutorou, que é a sua enquanto académica e onde sempre sabe que está entre pares (e entre amigos que entendem o que diz).»Ademais, compreendem-se as viçosas intenções do amigo, embora procedentes do capítulo das heranças de um protagonismo atreito ao cavaleiro salvífico.Por fim, e sita à base da pirâmide, a cultura de per si, as metástases de uma patologia entregue aos literatiços do reino a quem importa afrontar. António F. Pimentel escassamente desenvolve sobre isto que mais importa, bastando-lhe, no uso diminuto do juízo crítico, dizer que o «Estado se esqueceu de ensinar a frequentar museus», quando na realidade o Estado, há muito não sendo mais Luís XVI, se representa e existe por todos nós, enquanto cidadãos incumbidos de pleno juízo crítico e não mais apenas essa eterna entidade abstracta a quem se bate para desviar a atenção da nossa culpa individual. Aqui o que mais importa, e sobre o qual António Pimentel deveria ter discorrido sem freio, é pois o caso das façanhas do eterno inimputável mi(ni)stério da cultura (que de resto, e asseveram-no os servos do poder, pouco mais do meio da História da nação se adivinha que a decadência da cultura será sempre dos males o menor entre a gente publicamente culta). Conta é o poder e a arena mediática; a hierarquia apenas esbofeteada quando a bofetada não estrebucha com o lugar que lá em cima se pretende intocável; conta a suserania em terra de cegos; conta um bastão erecto para manutenção dos juramentos à pátria dos homenageados; afinal, conta a tão conveniente e conivente «modorra nacional». Sobre hierarquia António Filipe Pimentel diz: «ausência de solidariedade por parte da tutela, mais empenhada em manter o seu poder hierárquico sobre um MNAA que criara asas para voar e em abocanhar (no velho modus salazarentus que continua a fazer escola na administração pública)»; excelentíssimo senhor doutor António Pimentel, o 25 de Abril legou solidariedade quando precisamos é de justiça. Solidariedade é tão-somente mais uma palavra de boa-educação, das quais está cheia a eminentíssima Universidade de Coimbra onde lecciona. Como ousa apontar dedo à hierarquia alheia, quando nos corredores da Escola a que pertence devemos tratar o escol que a representa não por igual (quais pares?), mas por respectivos títulos de maior ou menor preeminência social que, mais das vezes, conferem estatuto raso ao auxiliar mais empenhado (vulgo lambe botas) e elevam à corte dos querubins de nosso Senhor o catedrático, mais das vezes, supinamente ignorante?É pois esta a trilogia da «pátria»: conquista para a glória da fama.A página 25 da tradução de José Colaço Barreiros d'O Leopardo de Tomasi di Lampedusa, pela boca do bem intencionado (não menos oportunista) do Tancredi, diz assim: «Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que mude tudo». A vitória é representada pelos Tancredi da nação e do mundo; e esses não me interessam. Eu prefiro a luta desencantada do príncipe Fabrizio. A luta de um príncipe que habita repleto de compromisso no desapego das cidades invisíveis. Não sei se Dalila (assim como os demais que, como ela, andam na mira da mudança) se guia pela carta de marear do sobrinho Tancredi ou se, bem pelo feliz contrário, se guia pela carta de sonhar do tio Fabrizio.A História repete-se, exactamente por se repetir é que tudo vai continuar a mudar para igual, atestam-no os Tancredi da nação. Os Fabrizio serão sempre príncipes, mas de cidades invisíveis erguidas sobre muitas milhas de mar; não estão do lado de cá, tampouco do de lá; talvez incrustados, feitos pedras preciosas de valor sem cálculo, no topo da fronteira que divide dois males: a ignorância dos fracos e a mediocridade dos poderosos.Por mim, já me iniciei ao exílio há muito tempo. Pertenço à casta dos príncipes desencantados, mas simultaneamente capazes de arder ao mínimo roçagar do mais belo traje humano, que o conhecimento ainda baila por aí - como Angelica - puro, sedutor, jovem até à morte.No doutor Pimentel reconheço muito mérito de investigador e por isso continuarei a desejar ver nele (como em todos os professores deste país a quem mais cabe o exemplo) aquilo que tanto falta: a atitude erguida do cidadão que leva, dentro do campo de batalha, a divisa do compromisso; ainda que por utopias invisíveis venha a morrer o cidadão à bala. Como o outro; aquele preto que tinha um sonho.
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Tomei conhecimento do texto escrito por António Filipe Pimentel (professor de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) para o jornal Público (edição de 5 de Agosto), ainda a propósito da expulsão de Dalila Rodrigues do paraíso. Texto deliberada, óbvia e pretensiosamente de traçado triangular. Façamos um exercício de imaginação sobre a pirâmide do poder oportunamente assinalada no texto de Filipe Pimentel. Escreve, infelizmente não o cidadão no pleno exercício das suas convicções humanitárias, mas o insigne doutor no uso pretensamente camuflado da perigosa premissa de Dâmocles, que afinal vem a ser, em todo o texto, causa da sua enorme contradição. Não lhe bastando insurgir-se sobre o caso Dalila Rodrigues ao abrigo da sua responsabilidade cívica (que evoca em último lugar), lança sobre ele mesmo as vestes de outra padroeira a quem confere prioridade na demanda missionária, qual estandarte do soldado em cruzada pela glória, pela fama, pela riqueza. Cito: «Vinte anos passados sobre o nosso convívio [refere-se a Dalila Rodrigues] nos bancos escolares, cabe-me a mim dirigir o Instituto de História da Arte. Também eu, pois, sou funcionário público, com funções dirigentes num (pequeno) organismo científico e cultural, a que acrescem outras, de âmbito mais vasto, como pró-reitor para o património da Universidade de Coimbra. Ao contrário de Pinamonti e Dalila, porém, não dependo (ainda) da tutela mas apenas, no primeiro caso, da confiança e reconhecimento dos meus pares (colegas que sabem do que falo e constituem a equipa com quem trabalho) e, no segundo, da confiança e reconhecimento do reitor que me convidou e que é também meu par, ou melhor, primus inter pares. E de mim, claro, e do meu juízo crítico, que nunca me passou pela cabeça deixar de exercer mesmo cumprindo lealmente as funções que me foram confiadas.». António Pimentel dá aqui provas provadas do seu primeiro tombo. Negando uma condição profissional em regime de tutela (como se isto fosse possível), ironicamente não deixa de assumir em simultâneo a sua lealdade às funções delegadas por essa instituição castradora da qual faz parte, a Universidade de Coimbra (aliás pública) e seu ensino de postila. Todavia, reconhecer isto publicamente (i.e., exercer esse tão destemido juízo crítico em cima do próprio palco da mãezinha dos bacharéis) dar-lhe-ia talvez direito à porta da rua. Evita-se a afronta pactuando ordeiramente com os ditames por ela impostos.Analise-se a pirâmide:Sobre Dalila Rodrigues (digamos inscrita ao meio da pirâmide), o proclamado pró-reitor para o património da Universidade de Coimbra debuxa algumas linhas: «Tenho o privilégio de conhecer, ser amigo pessoal e admirador incondicional do trabalho de Dalila Rodrigues desde que fomos colegas de curso, no Instituto de História da Arte, em Coimbra.», sobre ela muito justamente a inscreve ainda na esteira da ousadia e de uma tenacidade fresca e arrojada. Conhecendo-a pessoalmente, eu mesma assisti às provas de defesa de doutoramento desta mulher, numa sala embaciada, asseada com doutores de idades superiores a 300 anos, vestidos de preto, com ar de retrato de morto emoldurado num jazigo antigo e que a cada passo caíam aos pedaços de cima de um poleiro numa espécie de vala sem fundo. O modo como Dalila Rodrigues - no arrojo da frescura e de um aparato bem preparado, quero crer não de todo académico - domava o seu próprio discurso, levaria a pensar que as suas provas não se integravam nos trâmites do servilismo académico (no qual, pelo contrário, ao longo do seu malogrado texto, à guarda de numa triste contradição, vem tropeçar António Filipe Pimentel) dentro ou fora de paredes, mas sim substanciadas num certo modo de fazer vida humanista ao ar livre. Diz-nos hoje Dalila Rodrigues: «Não me arrependo. Voltaria a fazer exactamente as mesmas coisas, a repetir os mesmos gestos, a dar os mesmos passos.» Quero acreditar muito que isto seja o fundo da sua verdade e não apenas a verdade do meu próprio fundo. Não venha Dalila Rodrigues, por conseguinte, (como Dalila a Sansão), fazer jus ao texto de António Pimentel e morra, mil vezes seja proscrita, mas inteira, antes fiel à cultura digna de seu nome e não aos frágeis vasilhames do poder.Sobre António Filipe Pimentel, imediatamente auto-inserto ao topo da pirâmide, i.e., sobre si mesmo, António Filipe Pimentel debuxa muitas linhas (mor parte delas), todavia mais concretamente as que dizem respeito à sua inerência profissional face à Universidade de Coimbra que gloriosamente a faz representada por si e seus «pares», alteando, no entanto e com prudências de saber fazer, a bitola estatutária para sua excelência o meritíssimo reitor da sacrossanta irmandade a quem nomeia, com demarcada elevação, de «primus inter pares», ou seja, o que da santa casa vem a ser primeiro entre os iguais. Outrossim, vem a ser o excelso reitor um suserano mais entre os suseranos de Portugal a quem, no célebre acto de milenária investidura (sinete maior dos que ainda escrevem e homenageiam a obsoleta pátria e se dizem patriotas), os prudentes vassalos prestam fiel e beijada homenagem. Eu diria que tal elevação, beijo vassálico, feita com decoros de triunfalidade, parece vaticinar em António Pimentel um caminho que às cautelas prepara até à cátedra da reitoria.Ele mesmo o profetiza, e mais o cito: «Por impedimento da (minha) tutela [mas inda há-de vir a reitor, pois], no seu desígnio cego de emagrecimento das universidades e onde as humanidades em absoluto ficam desguarnecidas no entendimento triunfante de ciência, não posso fazer o que agora me apeteceria e seria pertinente: dizer a Dalila que viesse para Coimbra, a universidade onde brilhantemente se doutorou, que é a sua enquanto académica e onde sempre sabe que está entre pares (e entre amigos que entendem o que diz).»Ademais, compreendem-se as viçosas intenções do amigo, embora procedentes do capítulo das heranças de um protagonismo atreito ao cavaleiro salvífico.Por fim, e sita à base da pirâmide, a cultura de per si, as metástases de uma patologia entregue aos literatiços do reino a quem importa afrontar. António F. Pimentel escassamente desenvolve sobre isto que mais importa, bastando-lhe, no uso diminuto do juízo crítico, dizer que o «Estado se esqueceu de ensinar a frequentar museus», quando na realidade o Estado, há muito não sendo mais Luís XVI, se representa e existe por todos nós, enquanto cidadãos incumbidos de pleno juízo crítico e não mais apenas essa eterna entidade abstracta a quem se bate para desviar a atenção da nossa culpa individual. Aqui o que mais importa, e sobre o qual António Pimentel deveria ter discorrido sem freio, é pois o caso das façanhas do eterno inimputável mi(ni)stério da cultura (que de resto, e asseveram-no os servos do poder, pouco mais do meio da História da nação se adivinha que a decadência da cultura será sempre dos males o menor entre a gente publicamente culta). Conta é o poder e a arena mediática; a hierarquia apenas esbofeteada quando a bofetada não estrebucha com o lugar que lá em cima se pretende intocável; conta a suserania em terra de cegos; conta um bastão erecto para manutenção dos juramentos à pátria dos homenageados; afinal, conta a tão conveniente e conivente «modorra nacional». Sobre hierarquia António Filipe Pimentel diz: «ausência de solidariedade por parte da tutela, mais empenhada em manter o seu poder hierárquico sobre um MNAA que criara asas para voar e em abocanhar (no velho modus salazarentus que continua a fazer escola na administração pública)»; excelentíssimo senhor doutor António Pimentel, o 25 de Abril legou solidariedade quando precisamos é de justiça. Solidariedade é tão-somente mais uma palavra de boa-educação, das quais está cheia a eminentíssima Universidade de Coimbra onde lecciona. Como ousa apontar dedo à hierarquia alheia, quando nos corredores da Escola a que pertence devemos tratar o escol que a representa não por igual (quais pares?), mas por respectivos títulos de maior ou menor preeminência social que, mais das vezes, conferem estatuto raso ao auxiliar mais empenhado (vulgo lambe botas) e elevam à corte dos querubins de nosso Senhor o catedrático, mais das vezes, supinamente ignorante?É pois esta a trilogia da «pátria»: conquista para a glória da fama.A página 25 da tradução de José Colaço Barreiros d'O Leopardo de Tomasi di Lampedusa, pela boca do bem intencionado (não menos oportunista) do Tancredi, diz assim: «Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que mude tudo». A vitória é representada pelos Tancredi da nação e do mundo; e esses não me interessam. Eu prefiro a luta desencantada do príncipe Fabrizio. A luta de um príncipe que habita repleto de compromisso no desapego das cidades invisíveis. Não sei se Dalila (assim como os demais que, como ela, andam na mira da mudança) se guia pela carta de marear do sobrinho Tancredi ou se, bem pelo feliz contrário, se guia pela carta de sonhar do tio Fabrizio.A História repete-se, exactamente por se repetir é que tudo vai continuar a mudar para igual, atestam-no os Tancredi da nação. Os Fabrizio serão sempre príncipes, mas de cidades invisíveis erguidas sobre muitas milhas de mar; não estão do lado de cá, tampouco do de lá; talvez incrustados, feitos pedras preciosas de valor sem cálculo, no topo da fronteira que divide dois males: a ignorância dos fracos e a mediocridade dos poderosos.Por mim, já me iniciei ao exílio há muito tempo. Pertenço à casta dos príncipes desencantados, mas simultaneamente capazes de arder ao mínimo roçagar do mais belo traje humano, que o conhecimento ainda baila por aí - como Angelica - puro, sedutor, jovem até à morte.No doutor Pimentel reconheço muito mérito de investigador e por isso continuarei a desejar ver nele (como em todos os professores deste país a quem mais cabe o exemplo) aquilo que tanto falta: a atitude erguida do cidadão que leva, dentro do campo de batalha, a divisa do compromisso; ainda que por utopias invisíveis venha a morrer o cidadão à bala. Como o outro; aquele preto que tinha um sonho.