Ciberjus: Memórias de Bibliotecas

30-06-2011
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No Abrupto, Pacheco Pereira convidou os leitores para contarem as memórias das suas bibliotecas. Sugeri um texto, que o blogger aceitou. Mas, da Ciberjus, não fui o único. O colega António Cardoso da Conceição também o fez. Aqui estão os textos dos dois ex-"padrecos"... A mim me coube a indizível felicidade de receber encaixotadas e a monte as bibliotecas pessoais de Leonardo Coimbra e do Professor Braga da Cruz, antigo Reitor da Universidade de Coimbra.Nenhum prazer mais sublime pode existir do que ter à mão 30 ou 40 mil volumes que ignoramos completamente, embalados ao acaso, sem catálogo nem descrição. Excitados e nervosos, rasgamos a fita cola que fecha um caixote, sem fazermos ideia nenhuma do que nos espera: uma explicação da teoria da relatividade para não cientistas; as obras de Balmes; um relatório e contas da “Sacor”; um tratado de 1937 de um padre José Ferreira, contra a devassidão e a luxúria; um ilegível tratado de Direito Romano do séc. XIX francês; um ainda mais ilegível Römisches Recht do século XX; uma colecção quase completa da “Biblioteca de Autores Cristianos”; o monotóno discurso proferido na sessão solene de abertura oficial do ano lectivo de 1953-54 na Universidade de Coimbra; uma edição crítica do D. Quixote, em papel bíblia; o Guia de Portugal; as páginas amarelas de 1973; o catálogo da exposição comemorativa do Código Civil com um cartão de visita assinado por Oliveira Salazar; o Caminho de Escrivá de Balaguer; os Sonetos de Antero de Quental, edição clássicos Sá da Costa; Angola, terra linda, serás sempre Portugal; o tratado de Direito Civil de Enneccerus – Kipp – Wolff; as comemorações do centenário da publicação de “os Lusíadas”; o Sermão da Sexagésima...O mundo todo cabe num caixote de livros, quando não se sabe o que está lá dentro.A verdadeira biblioteca não é a que está muito bem organizadinha, muito bem catalogadinha, muito bem tratadinha. A verdadeira biblioteca é aquela onde se encontra o que não se procura, onde se encontra o que nem sequer se sabe que existe.(António Cardoso da Conceição)Em minha casa tenho a biblioteca dividida em três áreas: ficção, não ficção e banda desenhada. Estão todas razoavelmente organizadas, com as duas primeiras ordenadas por autor. A de banda desenhada é diferente, porque mais complicada de estruturar: optei por ‘personagens’, ‘colecções’ e ‘autores’.A minha paixão por esta área começou porque me tentaram proibir de ler “quadradinhos”. Pelo lado da minha mãe, sou filho e neto de professores primários, daqueles que, normalmente, se rotulam de “clássicos”. Para o meu avô, a BD era vista como “fonte do mal” porque não estimulava o leitor no desenvolvimento da escrita, nomeadamente no que às descrições dizia respeito. Paradoxalmente, comecei a ler BD por influência dele. É que, para entreter a minha mãe, o meu avô recortava as diversas histórias publicadas no lendário suplemento juvenil dominical do Primeiro de Janeiro, e compilava-as em “livro”. Pouco depois, descobri que uns vizinhos tinham a colecção completa da revista ‘Tintin’, devidamente encadernada. Esse Verão, o de 1978, foi fantástico...O primeiro álbum que adquiri foi do Michel Vaillant, “Os Cavaleiros de Koenigsfeld”, de Jean Graton. Comprei-o numa livraria, cheia de pó, que existia mesmo ao lado da entrada do cinema Trindade, no Porto, onde o meu pai comprava os livros jurídicos que hoje tenho no meu escritório. A partir daí nunca mais parei. Tenho milhares de livros de BD, de todas as proveniências, cobrindo todas as "escolas" e tendências, mas, como não há amor como o primeiro, continuo fiel à área franco-belga.Hoje, claro, debato-me com a inevitável falta de espaço. Mas já vislumbro a solução. Tenho um tio, professor na Universidade do Minho, que fez uma coisa fantástica: debatendo-se com falta de espaço, comprou um apartamento. Mandou retirar a cozinha pré-instalada e apenas colocou luz, uma mesa, uma cadeira e desumidificadores. As paredes, essas, estão completamente forradas de livros. Tem 70 anos e, eu, metade. Estou certo que chegarei ao "Paraíso" mais depressa do que ele.(Pedro Brás Marques)

No Abrupto, Pacheco Pereira convidou os leitores para contarem as memórias das suas bibliotecas. Sugeri um texto, que o blogger aceitou. Mas, da Ciberjus, não fui o único. O colega António Cardoso da Conceição também o fez. Aqui estão os textos dos dois ex-"padrecos"... A mim me coube a indizível felicidade de receber encaixotadas e a monte as bibliotecas pessoais de Leonardo Coimbra e do Professor Braga da Cruz, antigo Reitor da Universidade de Coimbra.Nenhum prazer mais sublime pode existir do que ter à mão 30 ou 40 mil volumes que ignoramos completamente, embalados ao acaso, sem catálogo nem descrição. Excitados e nervosos, rasgamos a fita cola que fecha um caixote, sem fazermos ideia nenhuma do que nos espera: uma explicação da teoria da relatividade para não cientistas; as obras de Balmes; um relatório e contas da “Sacor”; um tratado de 1937 de um padre José Ferreira, contra a devassidão e a luxúria; um ilegível tratado de Direito Romano do séc. XIX francês; um ainda mais ilegível Römisches Recht do século XX; uma colecção quase completa da “Biblioteca de Autores Cristianos”; o monotóno discurso proferido na sessão solene de abertura oficial do ano lectivo de 1953-54 na Universidade de Coimbra; uma edição crítica do D. Quixote, em papel bíblia; o Guia de Portugal; as páginas amarelas de 1973; o catálogo da exposição comemorativa do Código Civil com um cartão de visita assinado por Oliveira Salazar; o Caminho de Escrivá de Balaguer; os Sonetos de Antero de Quental, edição clássicos Sá da Costa; Angola, terra linda, serás sempre Portugal; o tratado de Direito Civil de Enneccerus – Kipp – Wolff; as comemorações do centenário da publicação de “os Lusíadas”; o Sermão da Sexagésima...O mundo todo cabe num caixote de livros, quando não se sabe o que está lá dentro.A verdadeira biblioteca não é a que está muito bem organizadinha, muito bem catalogadinha, muito bem tratadinha. A verdadeira biblioteca é aquela onde se encontra o que não se procura, onde se encontra o que nem sequer se sabe que existe.(António Cardoso da Conceição)Em minha casa tenho a biblioteca dividida em três áreas: ficção, não ficção e banda desenhada. Estão todas razoavelmente organizadas, com as duas primeiras ordenadas por autor. A de banda desenhada é diferente, porque mais complicada de estruturar: optei por ‘personagens’, ‘colecções’ e ‘autores’.A minha paixão por esta área começou porque me tentaram proibir de ler “quadradinhos”. Pelo lado da minha mãe, sou filho e neto de professores primários, daqueles que, normalmente, se rotulam de “clássicos”. Para o meu avô, a BD era vista como “fonte do mal” porque não estimulava o leitor no desenvolvimento da escrita, nomeadamente no que às descrições dizia respeito. Paradoxalmente, comecei a ler BD por influência dele. É que, para entreter a minha mãe, o meu avô recortava as diversas histórias publicadas no lendário suplemento juvenil dominical do Primeiro de Janeiro, e compilava-as em “livro”. Pouco depois, descobri que uns vizinhos tinham a colecção completa da revista ‘Tintin’, devidamente encadernada. Esse Verão, o de 1978, foi fantástico...O primeiro álbum que adquiri foi do Michel Vaillant, “Os Cavaleiros de Koenigsfeld”, de Jean Graton. Comprei-o numa livraria, cheia de pó, que existia mesmo ao lado da entrada do cinema Trindade, no Porto, onde o meu pai comprava os livros jurídicos que hoje tenho no meu escritório. A partir daí nunca mais parei. Tenho milhares de livros de BD, de todas as proveniências, cobrindo todas as "escolas" e tendências, mas, como não há amor como o primeiro, continuo fiel à área franco-belga.Hoje, claro, debato-me com a inevitável falta de espaço. Mas já vislumbro a solução. Tenho um tio, professor na Universidade do Minho, que fez uma coisa fantástica: debatendo-se com falta de espaço, comprou um apartamento. Mandou retirar a cozinha pré-instalada e apenas colocou luz, uma mesa, uma cadeira e desumidificadores. As paredes, essas, estão completamente forradas de livros. Tem 70 anos e, eu, metade. Estou certo que chegarei ao "Paraíso" mais depressa do que ele.(Pedro Brás Marques)

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