Paço da Torre

11-11-2013
marcar artigo

Por Vanessa Rodrigues ,

Figueiredo das Donas, na Beira Alta, não seria destino turístico sem as ruínas onde agora se ergue o Paço da Torre, casa senhorial de tempos de almocreves, guerreiros, vassalos e donzelas. Agora, recebe mui nobres hóspedes, como se fossem amigos de sempre, em conforto familiar. A Fugas passou um fim-de-semana a descansar os sentidos, numa breve lição de História sobre tempos medievais.

Pub

Entramos pela janela e é por lá que saímos. Explicamos: na casa senhorial do Paço da Torre, em Figueiredo das Donas, no coração de Vouzela, filha da Beira Alta, começamos a sentir-nos parte integrante da terra, depois de vermos o vale do rio Vouga e o recorte, ao longe, do maciço serrano da Gralheira pela enorme janela da sala. Ou no generoso terraço, com vista para o infinito beirão. Ou na piscina, de cotovelos na beira, mirando, deste alto, as serras da Freita, Arestal, Arada, São Macário e Montemuro que parecem camadas espessas, sobrepostas, de um quadro pincelado a texturas de verdes-escuros, em panorâmica de 180 graus. Com a bênção meteorológica, podemos experimentar a alquimia do deslumbre, contemplando esta paisagem limpa como terapia para resgatar os nossos viciados sentidos do buliço diário da cidade. Dêmos, por isso, trégua às preocupações e oportunidade à leveza e placidez de espírito que se podem experimentar, sem extras na conta, no Paço da Torre.

Abriu ao público no início do mês, reconstruída das ruínas pela família Cardoso, com a assinatura da arquitecta Elisa Rebelo. E foram necessários mais de cinco anos de perseverança familiar, já para nem pormenorizar o exercício de paciência (qual exímio detective) do patriarca, António, 59 anos, para descobrir, afinal, quem era dono de tão histórico lugar. A assinatura final para a luz verde da compra do terreno veio de França, para se ter uma ideia.

Nesta residência de ADN medieval, ainda com relva a ganhar viço, é onde hoje os Cardoso (pai, mãe, filha e genro) recebem hóspedes "como se fossem amigos", realça o patriarca, com atendimento personalizado para os seis quartos. Já lá vamos.

"Foi quando vi esta paisagem e o impacto dela, acompanhado da minha filha, na época de Natal, quando vim buscar a minha mãe, há uns anos, que pensei em comprar o espaço e reconstruir", confidencia, António, realçando que a ergueu para poder descansar ao fim-de-semana e poder partilhar este hobby, "conviver", com quem gostasse da tranquilidade do campo.

Por isso, quando sublinhamos que aqui entramos pela janela, falamos do magnetismo que a paisagem imprime, agarrando-nos, para sairmos, depois um pouco de sentidos deslumbrados, já calibrados no conforto.

Donzelas e figueiras bélicas

Foi nesta casa de imensa luz natural, quando se erguem as cortinas, e interior de pedra imponente, aquecida nos dias mais frios, e refrescada nos dias de calor, que nasceu a aldeia de Figueiredo das Donas. Ao redor ouvem-se pássaros num chilrear animado, calma de povoação rural e olhar a respirar horizonte. Em tempos medievais, este infinito há-de ter feito sonhar muitos também, vendo os lamargeais, cabras, almocreves, carvalhos robustos e urze de roxo pujante. Essa é cronologia básica para recordar a época da edificação do Paço e da aldeia, embora, em rigor, haja algumas dúvidas sobre o assunto, conforme adverte o anfitrião do Paço, denunciando que já andou a escarafunchar a memória local. "Há quem diga que a lenda de Figueiredo é copiada da Galiza: um rei mouro que, uma vez por ano, mandava os seus homens buscar 100 donzelas. Numa dessas viagens uma senhora daqui do Paço lamentava-se por ter que ir, e veio um senhor que a salvou dos mouros lutando com pau de figueira."

Também os espaçosos quartos, com generosa luz natural, evocam donzelas. António diz tratar-se das donas antigas do Paço: Mécia, Guiomar, Berengela, Damásia, Margarida e Maria. A Fugas ficou neste último, com acesso a um varandim lateral e uma janela com dois bancos de pedra, estendendo-se da parede, a fazer lembrar dias em que as donzelas lançavam, através delas, tranças lendárias, ou, num cenário mais provável, a convidar à leitura sossegada. Outra janela, porém, perto da porta, deixa vislumbrar o jardim interior, olhando carnudas orquídeas e uma pia antiga, de pedra, ainda do tempo da casa em ruínas.

Registos históricos dão conta que, depois desse episódio lendário, o cavaleiro terá feito casa no local que é hoje este espaço de turismo de habitação, mesclado de ruralismo e História, inclusive com uma capela anexada à moradia.

Depois, a janela lateral da sala de jantar, com uma lareira moderna a separá-la da de estar: vê-se parte do que provavelmente terá sido o que resta de uma torre medieval (dando fôlego ao nome do Paço), como muitas que ainda pontuam o mapa patrimonial da região.

Família na cozinha

Estamos quase de saída deste texto e parece que vamos terminá-lo deixando olores e paladares. E, no Paço da Torre, não precisa de entrar na cozinha para que lhe cresça água na boca. O aroma de comida caseira, regional, aprimorado pelas mãos de Odete, a chefe matriarca da casa, estimula o ronco guloso do estômago, alertando para a gula, e as papilas gustativas já mais não podem ser enganadas. No cardápio do Paço (mera formalidade, porque aqui cozinha-se com esmero maternal, sem listas), se quisermos entregamo-nos à descoberta - ou então ao gosto do freguês. Pode aparecer em cima da mesa frango desfiado e salteado com figos turcos e nozes, migas de broa regionais, deliciosas alheiras cortadas em pedaços, vitela assada, bacalhau, galinha caseira. Ou, surpresa: comida dinamarquesa feita pelo genro.

Depois, com certeza, conforme a Fugas experienciou: haverá famosos pastéis de Vouzela, deixando que o líquido doce de ovos se misture com a massa fina na boca. E, recordando doces memórias do Paço, é inevitável não nos lembrarmos ainda do mel liquefeito da região, da fruta laminada e abundante ao pequeno-almoço, do pão caseiro, enquanto contemplamos a bela paisagem. Quase a mesma, pelos vistos, que, com as devidas alterações temporais, a avó paterna, o pai e os tios de António Cardoso viveram neste Paço antigo, quando moraram como caseiros. Há, pois, reminiscência familiar e quase como que fado inevitável de que a família Cardoso não fosse dona, hoje, de tal imponente casa. Foi, na verdade, a terra a puxá-los para as origens, pois a ascendência beirã está-lhes no sangue. António diz que ali encontrou uma certa paz. E assegura que quem lá vai há-de por ela deixar-se magnetizar. É que, tal como nós, também foi pela janela que entrou no Paço da Torre.

Como ir

Saindo de Lisboa (318km) ou Porto (121km), deve seguir-se pela A1 até à saída da A25 (Aveiro-Albergaria-Viseu-Guarda-Vilar Formoso- Espanha) em direcção a Viseu. Desde Albergaria deve utilizar-se a saída 13 (Vouzela/S.Pedro do Sul), convergindo com a Nacional 228, e virando à direita pela Nacional 333, seguindo depois durante 16 quilómetros por Vouzela (direcção ao centro) e seguir as indicações de Fataunços, para convergir na Estrada Nacional 602, seguindo até Figueiredo das Donas. Ao longo da estrada, verá uma placa de "Turismo de Habitação". Siga essa via principal e encontrará nova placa, terminando numa rua sem saída, que é a rua do Paço.

O que fazer

Há programas para o mais ousado e radical, até ao mais zen dos visitantes. Por exemplo, o Turismo de Vouzela dispõe de programa de caminhada pelas serras: circuito da Penoita; o caminho de São Miguel do Mato, ou o percurso das Poldras, pequenas pontes de pedras dos rios. Pode ainda fazer o circuito das torres medievais, seguir a rota dos moinhos e visitar aldeias preservadas como Covas do Monte, Aldeia da Pena e conversar com as gentes, relembrando histórias regionais. Já no Bio Parque de Pisão, em Carvalhais, caminhar entre carvalhos e experimentar desportos radicais pode aumentar-lhe os níveis de adrenalina. Se, por outro lado, estiver mais na onda do relaxamento e um certo efeito zen, pode sempre dar um pulo a São Pedro do Sul e mergulhar corpo e mente em águas quentes de enxofre, com propriedades benéficas para a saúde, sobretudo para as vias respiratórias e reumatismo.

Por Vanessa Rodrigues ,

Figueiredo das Donas, na Beira Alta, não seria destino turístico sem as ruínas onde agora se ergue o Paço da Torre, casa senhorial de tempos de almocreves, guerreiros, vassalos e donzelas. Agora, recebe mui nobres hóspedes, como se fossem amigos de sempre, em conforto familiar. A Fugas passou um fim-de-semana a descansar os sentidos, numa breve lição de História sobre tempos medievais.

Pub

Entramos pela janela e é por lá que saímos. Explicamos: na casa senhorial do Paço da Torre, em Figueiredo das Donas, no coração de Vouzela, filha da Beira Alta, começamos a sentir-nos parte integrante da terra, depois de vermos o vale do rio Vouga e o recorte, ao longe, do maciço serrano da Gralheira pela enorme janela da sala. Ou no generoso terraço, com vista para o infinito beirão. Ou na piscina, de cotovelos na beira, mirando, deste alto, as serras da Freita, Arestal, Arada, São Macário e Montemuro que parecem camadas espessas, sobrepostas, de um quadro pincelado a texturas de verdes-escuros, em panorâmica de 180 graus. Com a bênção meteorológica, podemos experimentar a alquimia do deslumbre, contemplando esta paisagem limpa como terapia para resgatar os nossos viciados sentidos do buliço diário da cidade. Dêmos, por isso, trégua às preocupações e oportunidade à leveza e placidez de espírito que se podem experimentar, sem extras na conta, no Paço da Torre.

Abriu ao público no início do mês, reconstruída das ruínas pela família Cardoso, com a assinatura da arquitecta Elisa Rebelo. E foram necessários mais de cinco anos de perseverança familiar, já para nem pormenorizar o exercício de paciência (qual exímio detective) do patriarca, António, 59 anos, para descobrir, afinal, quem era dono de tão histórico lugar. A assinatura final para a luz verde da compra do terreno veio de França, para se ter uma ideia.

Nesta residência de ADN medieval, ainda com relva a ganhar viço, é onde hoje os Cardoso (pai, mãe, filha e genro) recebem hóspedes "como se fossem amigos", realça o patriarca, com atendimento personalizado para os seis quartos. Já lá vamos.

"Foi quando vi esta paisagem e o impacto dela, acompanhado da minha filha, na época de Natal, quando vim buscar a minha mãe, há uns anos, que pensei em comprar o espaço e reconstruir", confidencia, António, realçando que a ergueu para poder descansar ao fim-de-semana e poder partilhar este hobby, "conviver", com quem gostasse da tranquilidade do campo.

Por isso, quando sublinhamos que aqui entramos pela janela, falamos do magnetismo que a paisagem imprime, agarrando-nos, para sairmos, depois um pouco de sentidos deslumbrados, já calibrados no conforto.

Donzelas e figueiras bélicas

Foi nesta casa de imensa luz natural, quando se erguem as cortinas, e interior de pedra imponente, aquecida nos dias mais frios, e refrescada nos dias de calor, que nasceu a aldeia de Figueiredo das Donas. Ao redor ouvem-se pássaros num chilrear animado, calma de povoação rural e olhar a respirar horizonte. Em tempos medievais, este infinito há-de ter feito sonhar muitos também, vendo os lamargeais, cabras, almocreves, carvalhos robustos e urze de roxo pujante. Essa é cronologia básica para recordar a época da edificação do Paço e da aldeia, embora, em rigor, haja algumas dúvidas sobre o assunto, conforme adverte o anfitrião do Paço, denunciando que já andou a escarafunchar a memória local. "Há quem diga que a lenda de Figueiredo é copiada da Galiza: um rei mouro que, uma vez por ano, mandava os seus homens buscar 100 donzelas. Numa dessas viagens uma senhora daqui do Paço lamentava-se por ter que ir, e veio um senhor que a salvou dos mouros lutando com pau de figueira."

Também os espaçosos quartos, com generosa luz natural, evocam donzelas. António diz tratar-se das donas antigas do Paço: Mécia, Guiomar, Berengela, Damásia, Margarida e Maria. A Fugas ficou neste último, com acesso a um varandim lateral e uma janela com dois bancos de pedra, estendendo-se da parede, a fazer lembrar dias em que as donzelas lançavam, através delas, tranças lendárias, ou, num cenário mais provável, a convidar à leitura sossegada. Outra janela, porém, perto da porta, deixa vislumbrar o jardim interior, olhando carnudas orquídeas e uma pia antiga, de pedra, ainda do tempo da casa em ruínas.

Registos históricos dão conta que, depois desse episódio lendário, o cavaleiro terá feito casa no local que é hoje este espaço de turismo de habitação, mesclado de ruralismo e História, inclusive com uma capela anexada à moradia.

Depois, a janela lateral da sala de jantar, com uma lareira moderna a separá-la da de estar: vê-se parte do que provavelmente terá sido o que resta de uma torre medieval (dando fôlego ao nome do Paço), como muitas que ainda pontuam o mapa patrimonial da região.

Família na cozinha

Estamos quase de saída deste texto e parece que vamos terminá-lo deixando olores e paladares. E, no Paço da Torre, não precisa de entrar na cozinha para que lhe cresça água na boca. O aroma de comida caseira, regional, aprimorado pelas mãos de Odete, a chefe matriarca da casa, estimula o ronco guloso do estômago, alertando para a gula, e as papilas gustativas já mais não podem ser enganadas. No cardápio do Paço (mera formalidade, porque aqui cozinha-se com esmero maternal, sem listas), se quisermos entregamo-nos à descoberta - ou então ao gosto do freguês. Pode aparecer em cima da mesa frango desfiado e salteado com figos turcos e nozes, migas de broa regionais, deliciosas alheiras cortadas em pedaços, vitela assada, bacalhau, galinha caseira. Ou, surpresa: comida dinamarquesa feita pelo genro.

Depois, com certeza, conforme a Fugas experienciou: haverá famosos pastéis de Vouzela, deixando que o líquido doce de ovos se misture com a massa fina na boca. E, recordando doces memórias do Paço, é inevitável não nos lembrarmos ainda do mel liquefeito da região, da fruta laminada e abundante ao pequeno-almoço, do pão caseiro, enquanto contemplamos a bela paisagem. Quase a mesma, pelos vistos, que, com as devidas alterações temporais, a avó paterna, o pai e os tios de António Cardoso viveram neste Paço antigo, quando moraram como caseiros. Há, pois, reminiscência familiar e quase como que fado inevitável de que a família Cardoso não fosse dona, hoje, de tal imponente casa. Foi, na verdade, a terra a puxá-los para as origens, pois a ascendência beirã está-lhes no sangue. António diz que ali encontrou uma certa paz. E assegura que quem lá vai há-de por ela deixar-se magnetizar. É que, tal como nós, também foi pela janela que entrou no Paço da Torre.

Como ir

Saindo de Lisboa (318km) ou Porto (121km), deve seguir-se pela A1 até à saída da A25 (Aveiro-Albergaria-Viseu-Guarda-Vilar Formoso- Espanha) em direcção a Viseu. Desde Albergaria deve utilizar-se a saída 13 (Vouzela/S.Pedro do Sul), convergindo com a Nacional 228, e virando à direita pela Nacional 333, seguindo depois durante 16 quilómetros por Vouzela (direcção ao centro) e seguir as indicações de Fataunços, para convergir na Estrada Nacional 602, seguindo até Figueiredo das Donas. Ao longo da estrada, verá uma placa de "Turismo de Habitação". Siga essa via principal e encontrará nova placa, terminando numa rua sem saída, que é a rua do Paço.

O que fazer

Há programas para o mais ousado e radical, até ao mais zen dos visitantes. Por exemplo, o Turismo de Vouzela dispõe de programa de caminhada pelas serras: circuito da Penoita; o caminho de São Miguel do Mato, ou o percurso das Poldras, pequenas pontes de pedras dos rios. Pode ainda fazer o circuito das torres medievais, seguir a rota dos moinhos e visitar aldeias preservadas como Covas do Monte, Aldeia da Pena e conversar com as gentes, relembrando histórias regionais. Já no Bio Parque de Pisão, em Carvalhais, caminhar entre carvalhos e experimentar desportos radicais pode aumentar-lhe os níveis de adrenalina. Se, por outro lado, estiver mais na onda do relaxamento e um certo efeito zen, pode sempre dar um pulo a São Pedro do Sul e mergulhar corpo e mente em águas quentes de enxofre, com propriedades benéficas para a saúde, sobretudo para as vias respiratórias e reumatismo.

marcar artigo