As elites privadas também têm vícios públicos

30-05-2015
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As elites privadas também têm vícios públicos

Ontem 00:05 António Costa

antoniocosta.jornalista@gmail.com

O mérito não é a regra no momento das escolhas, avaliações e promoções na Administração Pública, revela um estudo da Fundação Manuel dos Santos que, na verdade, é apenas a confirmação de mais do que uma suspeita.

Por más razões e outras apenas ‘necessárias', leia-se a austeridade, o Estado convive com a incompetência, e nós, contribuintes, pagamos a conta. E no privado, o mundo é outro?

Sou defensor das privatizações, não sou cego, sou defensor do mercado e da concorrência, não sou incapaz de ver o que se faz mal no sector privado, e faz-se muito. O estudo - valores, qualidade institucional e desenvolvimento - é um contributo precioso para percebermos o que está em causa no nosso Estado. Ironicamente, das organizações públicas avaliadas, a exceção é o organismo que já nos fugiu ao controlo, que tem vida própria e inferniza a nossa, a Administração Tributária. As outras, das quais ressalta o Hospital Santa Maria, são antros de vergonha, sítios mal frequentados por uns que prestam tão má imagem de outros, os que trabalham, e procuram a evolução pelo mérito.

E no sector privado, as entidades avaliadas foram a EDP e a Euronext. Assim não vale. São dos melhores exemplos na meritocracia, mas representam mesmo o que é a realidade do sector privado? Há mais de 300 mil empresas no país. Quem acredita podeficar já à espera do Pai Natal.

Podemos sempre dizer que o que de mal se faz no sector público custa-nos, a todos, muito dinheiro, mas no privado também. Indiretamente, quando reduz o potencial da economia. Diretamente quando as escolhas dos melhores gestores são fundadas em interesses privados no pior sentido da palavra, como bem sabem os investidores do BES e PT.

Não nos enganemos, nem nos deixemos aprisionar pela lógica da ideologia, que há tanto à direita como à esquerda, não é, dr. António Costa? Acredito numa economia privada, de empresários e gestores, de empreendedores e de tomadores de risco. Acredito em menos Estado, menos presente, menos sufocante da iniciativa privada, protector de quem precisa e sem assistencialismo. Mas nem tudo vai bem neste mundo privado. A meritocracia deveria ser a regra, não é. Merecíamos ter mais EDP's, grandes e pequenas, mas não temos assim tantas, temos mesmo poucas. Com mais ou menos rendas, mais ou menos excessivas, a EDP nãoé deste país. Que o digam os seus trabalhadores. O nosso país é outro.

Sim, faltam qualificações aos trabalhadores portugueses, masfalta muito mais às nossas elites privadas que, tantas e tantas vezes, têm vícios bem públicos.

Nota: Carlos Costa não deveria expor-se, ele próprio, ao vexame de uma avaliação política ao seu desempenho no caso BES/GES. Não está em causa a sua seriedade, está em causa a sua acção. Tudo somado, a confiança no sistema aguentou-se, apesar de Carlos Costa. A reputação nem tanto. Costa deveria proteger-se, a si e ao Banco de Portugal, porque, na verdade, perdeu um dos poderes mais relevantes na sua função, o poder da palavra. O poder de garantir que não há riscos na banca ou que estão muito limitados. Quem acredita?

É uma injustiça, mas ninguém disse que o mundo era justo. Passos Coelho reconduziu Costa porque o governador prestou-se a ser a sua primeira linha de defesa política, e blindou a sua defesa em caso de insucesso na venda do Novo Banco.

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As elites privadas também têm vícios públicos

Ontem 00:05 António Costa

antoniocosta.jornalista@gmail.com

O mérito não é a regra no momento das escolhas, avaliações e promoções na Administração Pública, revela um estudo da Fundação Manuel dos Santos que, na verdade, é apenas a confirmação de mais do que uma suspeita.

Por más razões e outras apenas ‘necessárias', leia-se a austeridade, o Estado convive com a incompetência, e nós, contribuintes, pagamos a conta. E no privado, o mundo é outro?

Sou defensor das privatizações, não sou cego, sou defensor do mercado e da concorrência, não sou incapaz de ver o que se faz mal no sector privado, e faz-se muito. O estudo - valores, qualidade institucional e desenvolvimento - é um contributo precioso para percebermos o que está em causa no nosso Estado. Ironicamente, das organizações públicas avaliadas, a exceção é o organismo que já nos fugiu ao controlo, que tem vida própria e inferniza a nossa, a Administração Tributária. As outras, das quais ressalta o Hospital Santa Maria, são antros de vergonha, sítios mal frequentados por uns que prestam tão má imagem de outros, os que trabalham, e procuram a evolução pelo mérito.

E no sector privado, as entidades avaliadas foram a EDP e a Euronext. Assim não vale. São dos melhores exemplos na meritocracia, mas representam mesmo o que é a realidade do sector privado? Há mais de 300 mil empresas no país. Quem acredita podeficar já à espera do Pai Natal.

Podemos sempre dizer que o que de mal se faz no sector público custa-nos, a todos, muito dinheiro, mas no privado também. Indiretamente, quando reduz o potencial da economia. Diretamente quando as escolhas dos melhores gestores são fundadas em interesses privados no pior sentido da palavra, como bem sabem os investidores do BES e PT.

Não nos enganemos, nem nos deixemos aprisionar pela lógica da ideologia, que há tanto à direita como à esquerda, não é, dr. António Costa? Acredito numa economia privada, de empresários e gestores, de empreendedores e de tomadores de risco. Acredito em menos Estado, menos presente, menos sufocante da iniciativa privada, protector de quem precisa e sem assistencialismo. Mas nem tudo vai bem neste mundo privado. A meritocracia deveria ser a regra, não é. Merecíamos ter mais EDP's, grandes e pequenas, mas não temos assim tantas, temos mesmo poucas. Com mais ou menos rendas, mais ou menos excessivas, a EDP nãoé deste país. Que o digam os seus trabalhadores. O nosso país é outro.

Sim, faltam qualificações aos trabalhadores portugueses, masfalta muito mais às nossas elites privadas que, tantas e tantas vezes, têm vícios bem públicos.

Nota: Carlos Costa não deveria expor-se, ele próprio, ao vexame de uma avaliação política ao seu desempenho no caso BES/GES. Não está em causa a sua seriedade, está em causa a sua acção. Tudo somado, a confiança no sistema aguentou-se, apesar de Carlos Costa. A reputação nem tanto. Costa deveria proteger-se, a si e ao Banco de Portugal, porque, na verdade, perdeu um dos poderes mais relevantes na sua função, o poder da palavra. O poder de garantir que não há riscos na banca ou que estão muito limitados. Quem acredita?

É uma injustiça, mas ninguém disse que o mundo era justo. Passos Coelho reconduziu Costa porque o governador prestou-se a ser a sua primeira linha de defesa política, e blindou a sua defesa em caso de insucesso na venda do Novo Banco.

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