17 de Junho de 2013

29-01-2014
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(Foto: aedfv.pt)

Uma bem colocada legião de sonoros apoiantes, mais ou menos convictos, de Passos Coelho tem tentado passar a ideia de que o Governo não é liberal: se fosse mesmo liberal nunca asfixiaria os contribuintes com impostos.

Tanta candura enternece. O aumento de impostos faz parte de qualquer bom arsenal de projecto económico darwinista, como é o neo-liberal.

E para ser mais eficaz, aumentam-se os impostos enquanto se liberalizam e embaratece dos despedimentos, reduzem pensões, subsídios de desemprego, destroem serviços públicos de saúde, educação, transportes. Arbitrariedade e precariedade.

Daí ao contribuinte achar que o Estado é demasiado grande e inútil vai um passo não tão longo quanto isso. A subida dos impostos reforça a ideia que se quer passar. Paga-se demasiado para ter o pouco que se tem. Entregue-se a prestação de serviços aos privados, é a decorrência mais lógica.

E uma decorrência que decorre dos planos de PSD e CDS-PP onde há muito se defende a entrega da educação a privados financiados através de contratos de associação. Em simultâneo promovem a elaboração de rankings como se fosse possível comparar resultados de colégios, com turmas pequenas, frequentados pelos filhos família lisboetas e portuenses, e onde os casos de transgressão escolar (os maus alunos e os mal comportados) são convidados a mudar de estabelecimento, se pudessem comparar com os de escolas de periferia, de subúrbio, forçadas (e bem) a aceitar a ideia de que nenhum estudante é dispensável.

À força de ser mil vezes repetido na comunicação social, à força de ser repetido mil vezes pela comunicação social, instala-se a ideia de que o Estado é mau gestor. Daí ser tão importante o que Ana Drago fez há dias na Assembleia da República, uma coisa, infelizmente, raramente vista: dizer o que pensa, mas dando os nomes aos bois.

A deputada do Bloco explicou na cara de outro deputado - e nos termos exactos em que isso deve ser explicado - como achava que esse mesmo parlamentar teria servido mal a gestão pública na CP, uma gestão feita em nome do povo, dos eleitores, dos contribuintes, do que lhe queiram chamar. “Aceitam os lugares do Estado, recebem o ordenado, sentam-se à mesa da Administração, destroem o serviço público e em cima da desgraça que fizeram vêm dizer que o Estado é mau gestor”, acusou Ana Drago dirigindo-se a Adriano Rafael Moreira, do PSD. Quantas vezes é que administradores destes não nos vêm perguntar “Qual é a parte de que não há dinheiro que ainda não perceberam?”

Na Educação, alguns dos que dizem defendê-la são também os primeiros a sabotá-la. Dizem defender a autonomia escolar e a proximidade, mas criam-se super-mega-hiper-agrupamentos, afastando para longe da comunidade o centro de decisão e a definição das políticas de gestão de cada escola. Dizem defender a qualidade da aprendizagem, mas aumenta-se o tamanho das turmas.

Podiam defender-se com a crise, com a falta de dinheiro. Significativo que não se recorra a esse argumento. Crato dá até o seu exemplo de estudante liceal numa turma do Pedro Nunes, como se fôssemos todos parvos; como se a sociedade tivesse ficado na mesma; como se fosse possível reproduzir em todo o país as condições culturais e económicas de uma pequena elite lisboeta, nos finais dos anos 1960, inícios da década de 1970. Com ou sem dinheiro, o ministro da Educação tomaria as mesmas medidas.

Dizem defender a qualidade do ensino, mas entregam-se turmas de quatro anos lectivos diferentes ao mesmo professor, forçando-o a preparar as lições pela rama. Reclama-se rigor, mas forçam-se os professores a estar 40 horas na escola atirando a preparação das aulas para os seus tempos de descanso.

Há vozes falando em Margaret Tatcher, a primeira-ministra que liquidou e partiu a coluna aos sindicatos britânicos e abriu caminho ao modelo económico que aí anda temos predominante. Este modelo onde os Miras Amarais depois de comprarem um banco, esvaziado de despesas e riscos, passados para os contribuintes, nos vêm perguntar “qual é a parte de que não há dinheiro que ainda não perceberam?”. Onde Ricardo Salgado, que preside a um dos grupos maiores detentores de rendas provenientes das parcerias público-privadas, nos vem dizer que preferimos "receber o subsídio de desemprego a trabalhar”.

Alguns já entenderam o braço de ferro, entre Governo e sindicatos. Outros, não perceberam nada: Francisco Assis, eterna promessa de algum PS, aspirante a uma coligação governamental com Paulo Portas, considerou, no Público de 23 de Maio, "ignóbil a convocação de uma greve de professores para o primeiro dia de exames nacionais. É como se os médicos decidissem fazer greve às urgências hospitalares. Incompreensível, indigno, inaceitável". Ou seja, miséria de comparações, entre a morte na marquesa e o voltar daqui a uns dias à sala de aulas para fazer um exame.

A derrota dos professores abrirá caminho ao fim da escola pública, transformada numa coisa residual para os mais pobres, para os miseráveis. Uma escola sem alternativas e sem preocupações de integração, de cidadania, de solidariedade nacional. Depois da derrota irão muito mais facilmente os restantes serviços públicos, tirando os de soberania. O Estado que estes defendem só não pode prescindir da repressão. Por algum motivo prevê agora mudar a lei da greve. Fará a vontade aos que só gostam de greves que não macem, que não lhes toquem a eles. Mudando a lei da greve, fará o gosto aos que se revoltam contra os grupos profissionais que têm sindicatos para os defender mas são incapazes de se organizar para terem quem os defenda - como se os sindicatos existissem sozinhos e por si, apenas em determinados sectores, e não fossem obra de pessoas que se associam livremente em defesa e conquista de direitos laborais.

Os trabalhadores do sector privado escusam de ficar satisfeitos com eventual derrota dos professores em greve. O fim de direitos conquistados pelos funcionários públicos servirão apenas o esvaziamento de referências sociais positivas. Nada acrescentarão à qualidade de vida e de trabalho dos privados, bem pelo contrário. Vão perder médicos, educação, a capacidade nacional para desenvolver sectores produtivos de qualidade, fazer crescer a economia, o emprego e fugir aos ditames das tróicas e credores.

Os Governos não são os únicos responsáveis pelo que acontece na cidade. A demissão, o egoísmo e a inconsequência cívica são uma praga. Uma peste num mundo onde só o mais forte tem direito à liberdade.

(Foto: aedfv.pt)

Uma bem colocada legião de sonoros apoiantes, mais ou menos convictos, de Passos Coelho tem tentado passar a ideia de que o Governo não é liberal: se fosse mesmo liberal nunca asfixiaria os contribuintes com impostos.

Tanta candura enternece. O aumento de impostos faz parte de qualquer bom arsenal de projecto económico darwinista, como é o neo-liberal.

E para ser mais eficaz, aumentam-se os impostos enquanto se liberalizam e embaratece dos despedimentos, reduzem pensões, subsídios de desemprego, destroem serviços públicos de saúde, educação, transportes. Arbitrariedade e precariedade.

Daí ao contribuinte achar que o Estado é demasiado grande e inútil vai um passo não tão longo quanto isso. A subida dos impostos reforça a ideia que se quer passar. Paga-se demasiado para ter o pouco que se tem. Entregue-se a prestação de serviços aos privados, é a decorrência mais lógica.

E uma decorrência que decorre dos planos de PSD e CDS-PP onde há muito se defende a entrega da educação a privados financiados através de contratos de associação. Em simultâneo promovem a elaboração de rankings como se fosse possível comparar resultados de colégios, com turmas pequenas, frequentados pelos filhos família lisboetas e portuenses, e onde os casos de transgressão escolar (os maus alunos e os mal comportados) são convidados a mudar de estabelecimento, se pudessem comparar com os de escolas de periferia, de subúrbio, forçadas (e bem) a aceitar a ideia de que nenhum estudante é dispensável.

À força de ser mil vezes repetido na comunicação social, à força de ser repetido mil vezes pela comunicação social, instala-se a ideia de que o Estado é mau gestor. Daí ser tão importante o que Ana Drago fez há dias na Assembleia da República, uma coisa, infelizmente, raramente vista: dizer o que pensa, mas dando os nomes aos bois.

A deputada do Bloco explicou na cara de outro deputado - e nos termos exactos em que isso deve ser explicado - como achava que esse mesmo parlamentar teria servido mal a gestão pública na CP, uma gestão feita em nome do povo, dos eleitores, dos contribuintes, do que lhe queiram chamar. “Aceitam os lugares do Estado, recebem o ordenado, sentam-se à mesa da Administração, destroem o serviço público e em cima da desgraça que fizeram vêm dizer que o Estado é mau gestor”, acusou Ana Drago dirigindo-se a Adriano Rafael Moreira, do PSD. Quantas vezes é que administradores destes não nos vêm perguntar “Qual é a parte de que não há dinheiro que ainda não perceberam?”

Na Educação, alguns dos que dizem defendê-la são também os primeiros a sabotá-la. Dizem defender a autonomia escolar e a proximidade, mas criam-se super-mega-hiper-agrupamentos, afastando para longe da comunidade o centro de decisão e a definição das políticas de gestão de cada escola. Dizem defender a qualidade da aprendizagem, mas aumenta-se o tamanho das turmas.

Podiam defender-se com a crise, com a falta de dinheiro. Significativo que não se recorra a esse argumento. Crato dá até o seu exemplo de estudante liceal numa turma do Pedro Nunes, como se fôssemos todos parvos; como se a sociedade tivesse ficado na mesma; como se fosse possível reproduzir em todo o país as condições culturais e económicas de uma pequena elite lisboeta, nos finais dos anos 1960, inícios da década de 1970. Com ou sem dinheiro, o ministro da Educação tomaria as mesmas medidas.

Dizem defender a qualidade do ensino, mas entregam-se turmas de quatro anos lectivos diferentes ao mesmo professor, forçando-o a preparar as lições pela rama. Reclama-se rigor, mas forçam-se os professores a estar 40 horas na escola atirando a preparação das aulas para os seus tempos de descanso.

Há vozes falando em Margaret Tatcher, a primeira-ministra que liquidou e partiu a coluna aos sindicatos britânicos e abriu caminho ao modelo económico que aí anda temos predominante. Este modelo onde os Miras Amarais depois de comprarem um banco, esvaziado de despesas e riscos, passados para os contribuintes, nos vêm perguntar “qual é a parte de que não há dinheiro que ainda não perceberam?”. Onde Ricardo Salgado, que preside a um dos grupos maiores detentores de rendas provenientes das parcerias público-privadas, nos vem dizer que preferimos "receber o subsídio de desemprego a trabalhar”.

Alguns já entenderam o braço de ferro, entre Governo e sindicatos. Outros, não perceberam nada: Francisco Assis, eterna promessa de algum PS, aspirante a uma coligação governamental com Paulo Portas, considerou, no Público de 23 de Maio, "ignóbil a convocação de uma greve de professores para o primeiro dia de exames nacionais. É como se os médicos decidissem fazer greve às urgências hospitalares. Incompreensível, indigno, inaceitável". Ou seja, miséria de comparações, entre a morte na marquesa e o voltar daqui a uns dias à sala de aulas para fazer um exame.

A derrota dos professores abrirá caminho ao fim da escola pública, transformada numa coisa residual para os mais pobres, para os miseráveis. Uma escola sem alternativas e sem preocupações de integração, de cidadania, de solidariedade nacional. Depois da derrota irão muito mais facilmente os restantes serviços públicos, tirando os de soberania. O Estado que estes defendem só não pode prescindir da repressão. Por algum motivo prevê agora mudar a lei da greve. Fará a vontade aos que só gostam de greves que não macem, que não lhes toquem a eles. Mudando a lei da greve, fará o gosto aos que se revoltam contra os grupos profissionais que têm sindicatos para os defender mas são incapazes de se organizar para terem quem os defenda - como se os sindicatos existissem sozinhos e por si, apenas em determinados sectores, e não fossem obra de pessoas que se associam livremente em defesa e conquista de direitos laborais.

Os trabalhadores do sector privado escusam de ficar satisfeitos com eventual derrota dos professores em greve. O fim de direitos conquistados pelos funcionários públicos servirão apenas o esvaziamento de referências sociais positivas. Nada acrescentarão à qualidade de vida e de trabalho dos privados, bem pelo contrário. Vão perder médicos, educação, a capacidade nacional para desenvolver sectores produtivos de qualidade, fazer crescer a economia, o emprego e fugir aos ditames das tróicas e credores.

Os Governos não são os únicos responsáveis pelo que acontece na cidade. A demissão, o egoísmo e a inconsequência cívica são uma praga. Uma peste num mundo onde só o mais forte tem direito à liberdade.

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