Regras legais universais

21-01-2012
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Ora laicidade não é a simples separação entre a administração do Estado e a Igreja Católica (ou qualquer outra organização religiosa), mas também, a distinção entre regras legais universais, para toda a populações e a moral que cada religião recomenda aos seus fiéis. […] Não deve contudo, num Estado de Direito laico, desejar impor [a Igreja Católica] pela força da lei a sua moral particular, aos seus fiéis, a todos os cidadãos que praticam outras religiões, ou aos que não têm qualquer religião. Isto se deseja ser vista como uma entidade respeitadora da democracia e da liberdade. […] O MLS considera por isso que chegou a altura de a Igreja Católica, mantendo o seu direito a recomendar aos seus fiéis as práticas comportamentais que considera mais adequadas, aceitar que vive num estado laico e que não compete às organizações religiosas determinar ou influenciar a orientação de voto dos seus fiéis. Inclusivamente, porque essas mesmas organizações religiosas são financiadas pelos impostos de todos os cidadãos e não devem por isso, relativamente a temas relacionados com os direitos, liberdades e garantias, adoptar opiniões de carácter político a apelar à discriminação de alguns cidadãos.

O último comunicado da Associação república e laicidade do Movimento Liberal-Social é um útil documento para descodificar o discurso laicista que vai sendo colado de forma avulsa às mais diversas iniciativas progressistas e às causas fracturantes que têm animado a última legislatura, patrocinadas pela generalidade dos partidos de esquerda e de extrema-esquerda e por associações da sociedade civil na sua esfera de influência. É também útil para esclarecer a duplicidade de critérios com que é avaliado o papel social e a liberdade associativa e de expressão da ICAR quando confrontado com as outras referidas associações.

O primeiro argumento é o da contraposição de “regras legais universais” com “a moral que cada religião recomenda aos seus fiéis”. Ora a distinção é particularmente bizarra quando o Direito, e nomeadamente o direito criminal, são o território por excelência da Moral e representam, em última instância, o verter em forma de lei e de procedimentos – no nosso sistema de uma forma democrática – daqui que se espera ser o mais aproximado da Moral professada por um determinado povo. Acreditar que é possível separar a Moral estabelecida que tenha uma fundamentação religiosa, de uma suposta “moral universal” – obviamente laica -, e principalmente que os caros associados do MLS conseguirão sequer elencar essas “regras legais universais”, de forma bem explicadinha, clara, e demonstrando a sua aceitação universal, é na minha opinião impossível e a ter sucesso garantirá certamente uma cátedra em Direito ou Filosofia aos que o conseguirem.

O segundo argumento é de que a Igreja Católica “impõe por força de lei” a sua moral “particular” a todos os cidadãos. Está mais uma vez, na minha opinião o MLS seriamente equivocado. A ICAR não tem poder legislativo. Quem legisla e impõe leis sobre os indivíduos, e quem tem o poder coercivo de as fazer cumprir é o estado. Aliás, não consta sequer que a Igreja Católica ocupe algum lugar na Assembleia da República, ou sequer que algum dos seus membros seja padre, o que não seria aliás ilegal nem ilegítimo.

Quem aprova as leis sãos os deputados para o efeito eleitos pelos cidadãos eleitores, no seguimento do normal funcionamento do regime democrático. A decisão de lá colocar deputados laicos ou que professem ou sejam conotados com uma determinada religião é uma decisão livre de todos os eleitores, que neles se sentirão representados. O processo de decisão e escolha é inteiramente laico, e não existe nenhum mecanismo de privilégio em relação a nenhuma religião. São essas as regras do jogo.

O que o MLS não pode estar à espera é que os deputados não votem nem defendam ou proponham posições ajustadas ao seu posicionamento moral. Aliás, assim como o MLS defende um posicionamento “laico” em relação às mais variadas situações, outros – com a mesma legitimidade – defenderão pontos de vista contrários. Chama-se a isto, para o bem ou para o mal, Democracia, e não há nada que seja beliscado na orgânica laica do funcionamento do estado.

Afinal, assim como o MLS não gosta que sejam “impostas por via de lei” concepções morais a pessoas que não as partilham, quando estas só lhes dizem a si respeito e não se impõem sobre terceiros, o mesmo MLS não teve problemas em promover e congratular-se com o “impor por via de lei” das suas próprias concepções morais, naturalmente profundamente laicas.

O derradeiro argumento é de que estamos “num estado laico”, e como tal não compete a “organizações religiosas” influenciar o voto dos seus fiéis, ainda mais quando “recebem dos nossos impostos”, nomeadamente em questões de “direitos, liberdades e garantias”.

Num estado laico não existem “organizações religiosas”. Existem associações, fundações, movimentos e agremiações de pessoas que exercem a sua liberdade de associação. Aceitar que o objecto social dessas organizações possa legitimar ao estado limitar a sua liberdade de expressão, beneficiar uns e penalizar outros, parece-me profundamente criticável e errado. O próprio facto de receber subsídios (“receber dos nossos impostos”) ou de beneficiar de outros modos equivalentes em termos de benefícios de estatutos de tratamento especial do estado, como por exemplo a declaração de utilidade pública ou o estatuto de IPSS também não deve ser um factor limitador do usufruto dessas liberdades.

Aliás, o próprio MLS parece pensar assim.

Afinal, ainda há pouco tempo, o próprio MLS associou-se a um variado número dessas organização, algumas que recebem dinheiro dos nossos impostos e gozam dos mais variados estatutos especiais, para promover o voto no “Sim” numa questão claramente moral (muitos diriam que é uma das principais questões desse foro) e que interfere com direitos, liberdades e garantias como é a questão do aborto. Promove até actualmente uma outra causa de imposição por forma legal, também do domínio dos direitos, liberdades e garantias, de um regime que promove discricionariamente um determinado grupo de indivíduos, omitindo outros e conferindo-lhes direitos à custa dos impostos de todos, causa também suportada pelas mais diversas organizações, muitas delas recebendo financiamento público.

Afinal como ficamos? Temos associações pagas pelos nossos impostos a defender justamente e no exercício das suas liberdades posicionamentos morais, e queremos impor por via legal que umas devam ficar caladas e que outras estejam a agir “muito bem” de acordo com as causas que suportamos?

Ora laicidade não é a simples separação entre a administração do Estado e a Igreja Católica (ou qualquer outra organização religiosa), mas também, a distinção entre regras legais universais, para toda a populações e a moral que cada religião recomenda aos seus fiéis. […] Não deve contudo, num Estado de Direito laico, desejar impor [a Igreja Católica] pela força da lei a sua moral particular, aos seus fiéis, a todos os cidadãos que praticam outras religiões, ou aos que não têm qualquer religião. Isto se deseja ser vista como uma entidade respeitadora da democracia e da liberdade. […] O MLS considera por isso que chegou a altura de a Igreja Católica, mantendo o seu direito a recomendar aos seus fiéis as práticas comportamentais que considera mais adequadas, aceitar que vive num estado laico e que não compete às organizações religiosas determinar ou influenciar a orientação de voto dos seus fiéis. Inclusivamente, porque essas mesmas organizações religiosas são financiadas pelos impostos de todos os cidadãos e não devem por isso, relativamente a temas relacionados com os direitos, liberdades e garantias, adoptar opiniões de carácter político a apelar à discriminação de alguns cidadãos.

O último comunicado da Associação república e laicidade do Movimento Liberal-Social é um útil documento para descodificar o discurso laicista que vai sendo colado de forma avulsa às mais diversas iniciativas progressistas e às causas fracturantes que têm animado a última legislatura, patrocinadas pela generalidade dos partidos de esquerda e de extrema-esquerda e por associações da sociedade civil na sua esfera de influência. É também útil para esclarecer a duplicidade de critérios com que é avaliado o papel social e a liberdade associativa e de expressão da ICAR quando confrontado com as outras referidas associações.

O primeiro argumento é o da contraposição de “regras legais universais” com “a moral que cada religião recomenda aos seus fiéis”. Ora a distinção é particularmente bizarra quando o Direito, e nomeadamente o direito criminal, são o território por excelência da Moral e representam, em última instância, o verter em forma de lei e de procedimentos – no nosso sistema de uma forma democrática – daqui que se espera ser o mais aproximado da Moral professada por um determinado povo. Acreditar que é possível separar a Moral estabelecida que tenha uma fundamentação religiosa, de uma suposta “moral universal” – obviamente laica -, e principalmente que os caros associados do MLS conseguirão sequer elencar essas “regras legais universais”, de forma bem explicadinha, clara, e demonstrando a sua aceitação universal, é na minha opinião impossível e a ter sucesso garantirá certamente uma cátedra em Direito ou Filosofia aos que o conseguirem.

O segundo argumento é de que a Igreja Católica “impõe por força de lei” a sua moral “particular” a todos os cidadãos. Está mais uma vez, na minha opinião o MLS seriamente equivocado. A ICAR não tem poder legislativo. Quem legisla e impõe leis sobre os indivíduos, e quem tem o poder coercivo de as fazer cumprir é o estado. Aliás, não consta sequer que a Igreja Católica ocupe algum lugar na Assembleia da República, ou sequer que algum dos seus membros seja padre, o que não seria aliás ilegal nem ilegítimo.

Quem aprova as leis sãos os deputados para o efeito eleitos pelos cidadãos eleitores, no seguimento do normal funcionamento do regime democrático. A decisão de lá colocar deputados laicos ou que professem ou sejam conotados com uma determinada religião é uma decisão livre de todos os eleitores, que neles se sentirão representados. O processo de decisão e escolha é inteiramente laico, e não existe nenhum mecanismo de privilégio em relação a nenhuma religião. São essas as regras do jogo.

O que o MLS não pode estar à espera é que os deputados não votem nem defendam ou proponham posições ajustadas ao seu posicionamento moral. Aliás, assim como o MLS defende um posicionamento “laico” em relação às mais variadas situações, outros – com a mesma legitimidade – defenderão pontos de vista contrários. Chama-se a isto, para o bem ou para o mal, Democracia, e não há nada que seja beliscado na orgânica laica do funcionamento do estado.

Afinal, assim como o MLS não gosta que sejam “impostas por via de lei” concepções morais a pessoas que não as partilham, quando estas só lhes dizem a si respeito e não se impõem sobre terceiros, o mesmo MLS não teve problemas em promover e congratular-se com o “impor por via de lei” das suas próprias concepções morais, naturalmente profundamente laicas.

O derradeiro argumento é de que estamos “num estado laico”, e como tal não compete a “organizações religiosas” influenciar o voto dos seus fiéis, ainda mais quando “recebem dos nossos impostos”, nomeadamente em questões de “direitos, liberdades e garantias”.

Num estado laico não existem “organizações religiosas”. Existem associações, fundações, movimentos e agremiações de pessoas que exercem a sua liberdade de associação. Aceitar que o objecto social dessas organizações possa legitimar ao estado limitar a sua liberdade de expressão, beneficiar uns e penalizar outros, parece-me profundamente criticável e errado. O próprio facto de receber subsídios (“receber dos nossos impostos”) ou de beneficiar de outros modos equivalentes em termos de benefícios de estatutos de tratamento especial do estado, como por exemplo a declaração de utilidade pública ou o estatuto de IPSS também não deve ser um factor limitador do usufruto dessas liberdades.

Aliás, o próprio MLS parece pensar assim.

Afinal, ainda há pouco tempo, o próprio MLS associou-se a um variado número dessas organização, algumas que recebem dinheiro dos nossos impostos e gozam dos mais variados estatutos especiais, para promover o voto no “Sim” numa questão claramente moral (muitos diriam que é uma das principais questões desse foro) e que interfere com direitos, liberdades e garantias como é a questão do aborto. Promove até actualmente uma outra causa de imposição por forma legal, também do domínio dos direitos, liberdades e garantias, de um regime que promove discricionariamente um determinado grupo de indivíduos, omitindo outros e conferindo-lhes direitos à custa dos impostos de todos, causa também suportada pelas mais diversas organizações, muitas delas recebendo financiamento público.

Afinal como ficamos? Temos associações pagas pelos nossos impostos a defender justamente e no exercício das suas liberdades posicionamentos morais, e queremos impor por via legal que umas devam ficar caladas e que outras estejam a agir “muito bem” de acordo com as causas que suportamos?

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