A Europa quase impossível

09-09-2014
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A Europa – ou seja, a União Europeia ou a Europa política – está numa situação quase impossível.

Por um lado é importante demais, e visível demais, para que possa continuar a ser governada pelos faceless bureaucrats do costume, como dizia a Senhora Thatcher: a época do benign consent acabou para sempre, vai para quinze anos (o referendo dinamarquês sobre Maastricht, lembram-se?)

Por outro, não há opinião pública europeia digna desse nome e, pior, não há causas europeias – e por isso os europeus votam sempre contra a Europa (porque a U.E. é o pior de dois males: são políticos sem políticas).

Nesta encruzilhada, a ideia da Presidência alemã de relançar o processo de ratificação da Constituição europeia é de uma curteza de vistas assustadora.

Primeiro porque, por mais debates que se façam sobre o futuro da Europa, eles nunca hão-de interessar muita gente – porque ninguém se apaixona, em país nenhum do mundo, e muito menos na U.E., que nem sequer é um país, por discussões puramente “procedurais” (passe o galicismo): co-decisão para aqui, maiorias reforçadas para ali, subsidariedade para acolá.

Segundo, porque é não perceber nada da França nem da história francesa julgar que, depois de um referendo falhado, a ratificação pode passar agora por um simples voto parlamentar, mesmo que este seja empurrado por um(a) Presidente acabado(a) de eleger (e isto porque se presume muito justamente que, caso a Constituição Europeia vá outra vez a votos, é outra vez chumbada).

Na Alemanha, o Bundestag aprovou a moeda única contra a grande maioria do eleitorado – mas isso nunca seria possível em França.

A supremacia de uma legitimidade parlamentar sobre uma legitimidade referendária só é possível em dois dos três grandes da União: na Alemanha (porque razões históricas evidentes afastaram para sempre o recurso ao referendo, e porque o comportamento das massas é geralmente submisso e disciplinado) e no Reino Unido (devido ao ascendente político e simbólico do Parlamento e dos seus actos no sistema político britânico – mas mesmo aqui a questão não se põe com tanta clareza como na Alemanha, porque é sabido que a constituição deste país está permanentemente aberta à revisão e o referendo está progressivamente a entrar nos seus mores políticos).

Em França, a legitimidade parlamentar ou representativa será sempre vista como uma representatividade formal e fraca, insusceptível de concorrer com a mais forte legitimidade de um voto directo: a qui, a tradição parlamentar é fraca, a tradição referendária é forte e as massas são famosamente mal-comportadas.

Dizia ainda há poucos anos Aron (que sabia do que falava): Ce peuple, apparamment tranquille, est encore dangereux…

Ora se querem que a Europa seja percebida positivamente pelos eleitores, dêem-lhe conteúdo, dêem-lhe substância, identifiquem-na com uma causa, delimitem os seus apoiantes e definam os seus adversários – antes de se preocuparem com a Constituição.

Só há duas causas susceptíveis de cumprir este papel: a defesa do “modelo social europeu” (contra a violência da globalização) e a defesa da paz (enquanto outro avatar da não-violência).

O Iraque foi a grande oportunidade da União Europeia: se a Europa fosse o partido da paz, a Europa seria o partido dos europeus.

Foi uma oportunidade perdida.

A Europa – ou seja, a União Europeia ou a Europa política – está numa situação quase impossível.

Por um lado é importante demais, e visível demais, para que possa continuar a ser governada pelos faceless bureaucrats do costume, como dizia a Senhora Thatcher: a época do benign consent acabou para sempre, vai para quinze anos (o referendo dinamarquês sobre Maastricht, lembram-se?)

Por outro, não há opinião pública europeia digna desse nome e, pior, não há causas europeias – e por isso os europeus votam sempre contra a Europa (porque a U.E. é o pior de dois males: são políticos sem políticas).

Nesta encruzilhada, a ideia da Presidência alemã de relançar o processo de ratificação da Constituição europeia é de uma curteza de vistas assustadora.

Primeiro porque, por mais debates que se façam sobre o futuro da Europa, eles nunca hão-de interessar muita gente – porque ninguém se apaixona, em país nenhum do mundo, e muito menos na U.E., que nem sequer é um país, por discussões puramente “procedurais” (passe o galicismo): co-decisão para aqui, maiorias reforçadas para ali, subsidariedade para acolá.

Segundo, porque é não perceber nada da França nem da história francesa julgar que, depois de um referendo falhado, a ratificação pode passar agora por um simples voto parlamentar, mesmo que este seja empurrado por um(a) Presidente acabado(a) de eleger (e isto porque se presume muito justamente que, caso a Constituição Europeia vá outra vez a votos, é outra vez chumbada).

Na Alemanha, o Bundestag aprovou a moeda única contra a grande maioria do eleitorado – mas isso nunca seria possível em França.

A supremacia de uma legitimidade parlamentar sobre uma legitimidade referendária só é possível em dois dos três grandes da União: na Alemanha (porque razões históricas evidentes afastaram para sempre o recurso ao referendo, e porque o comportamento das massas é geralmente submisso e disciplinado) e no Reino Unido (devido ao ascendente político e simbólico do Parlamento e dos seus actos no sistema político britânico – mas mesmo aqui a questão não se põe com tanta clareza como na Alemanha, porque é sabido que a constituição deste país está permanentemente aberta à revisão e o referendo está progressivamente a entrar nos seus mores políticos).

Em França, a legitimidade parlamentar ou representativa será sempre vista como uma representatividade formal e fraca, insusceptível de concorrer com a mais forte legitimidade de um voto directo: a qui, a tradição parlamentar é fraca, a tradição referendária é forte e as massas são famosamente mal-comportadas.

Dizia ainda há poucos anos Aron (que sabia do que falava): Ce peuple, apparamment tranquille, est encore dangereux…

Ora se querem que a Europa seja percebida positivamente pelos eleitores, dêem-lhe conteúdo, dêem-lhe substância, identifiquem-na com uma causa, delimitem os seus apoiantes e definam os seus adversários – antes de se preocuparem com a Constituição.

Só há duas causas susceptíveis de cumprir este papel: a defesa do “modelo social europeu” (contra a violência da globalização) e a defesa da paz (enquanto outro avatar da não-violência).

O Iraque foi a grande oportunidade da União Europeia: se a Europa fosse o partido da paz, a Europa seria o partido dos europeus.

Foi uma oportunidade perdida.

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