Em louvor e glória dos egrégios avós

21-11-2014
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Anda pela nossa extrema-direita dita liberal uma vaga de revisionismo histórico (ou de regresso à historiografia à moda do séc. XIX, mas essa deixo para outro dia).

Agora é o Ferreira, putativo candidato a salazarinho que quer fazer “fazer uma carta aberta aos portugueses a explicar porque é que a história é muito maior do que se diz. Escrever uma carta aos portugueses sobre “A tua história foi muito maior do que te dizem”, por exemplo. É que nós somos mesmo bons.” Modéstia e ignorância.

Já o ex-maoísta, ex-pioneiro do eduquês de Boston, ex-formador de professores mal formados, ex-autor de um blogue que apagou porque ali defendeu a escola pública contra os ataques da dupla Valter/ Rodrigues, aliás também ex-apagador de calúnias sobre um conhecido cronista que se lixe a colega que as reproduziu e deu com os costados em tribunal, e actual e único grande defensor do Crato e do “ensino” vocacionado para a mão-de-obra desqualificada e barata, Ramiro Marques, vem em defesa, imaginem, de Putin, e proclama que o Ocidente tem motivos para se orgulhar do seu passado e para celebrar os seus valores comuns. Não há sítio melhor para fazer isso do que as escolas.

De que falam eles quando se orgulham? Suponho que da História de Portugal versão Mattoso pai, o autor dos manuais únicos e obrigatórios do salazarismo.

Da fantástica teoria do ermamento, tão bem baptizada como do rolo compressor por Borges Coelho, uma imbecilidade do tamanho da ideia de que os cristãos (já agora uma religião que nos foi imposta pelo colonizador Constantino) perante a chegada do mouros foram todos a correr ou coxear até às Astúrias, prosseguindo para a mítica Reconquista, em que de modo algum os senhores mouros e os senhores cristãos se aliaram e desaliaram.

Do heroísmo de Aljubarrota onde apenas nobres combateram, esquecendo que a humilhação castelhana foi sentida precisamente porque camponeses de pé descalço derrotaram a fina flor da cavalaria portuguesa mais a nada hermana.

Dos feitos gloriosos de além-mar, incluindo um dos mais terríveis massacres (mulheres e crianças de braços cortados lançados ao mar) que a História mundial das ignomínias contempla, de um fabuloso império onde a ganância e atraso substituiu o comércio pela militar conquista, a corrupção se instalou e naturalmente mais depressa se desfez que demorou a ser feito, a lógica que o ano de 2015 anuncia ser berrada pelas efabuladores de Ceuta, que já guincham chamando glória à conquista de Ceuta, provavelmente o mais tolo e ruinoso investimento do estado português, passe o anacronismo.

Do colonialismo sobretudo: a glória da rapina, da perpetuação do esclavagismo sob a forma de contratado até 1962, da exploração dos recursos alheios, dos massacres consecutivos dos povos ocupados, tão bem assumidos onde se defende que nada tirámos porque aquilo era nosso, lógica capaz de acabar com a propriedade privada, entro-te em casa, proclamo: isto é meu, e portanto dos teus bens posso livremente dispor.

Deve ser destas estórias (perdoem-me o anglicismo) que se orgulham. Ora a História é uma ciência que não trata nem do orgulho nem da vergonha, mas dos sucessos e insucessos havidos.

Não nutro nenhum desses sentimentos pelos meus antepassados, que fizeram mal umas vezes, outras bem, outras assim-assim, tal como hoje assim mesmo fazemos, nem faltava mais nada: nenhum povo tem uma História nesse aspecto diferente, nenhum povo foi superior ou inferior aos restantes, cada um faz o que pode, sabe, e a bem dizer a mais não é obrigado.

O que já não pertence à História (embora seja seu objecto de estudo), mas à política, é essa devoção por feitos que foram crimes, por glórias que resultaram em fracassos, como se ao invés de com eles aprendermos o desígnio fosse desaprender com as lendas e falsificações da historiografia passada. É política e é um clássico; chama-se nacionalismo, pai de tantas guerras, inspiração predilecta de tanta ditadura, precisamente o que se deve evitar, aqui ou na Rússia, tal como precisamente a História nos ensina.

Esse apelo ao orgulho nacionalista tem tanto de absurdo como de pragmático, é por demais conhecido o seu papel. E bate certo, nacional-liberalismo é um designação perfeita para o tempo que nos querem fazer atravessar.

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Anda pela nossa extrema-direita dita liberal uma vaga de revisionismo histórico (ou de regresso à historiografia à moda do séc. XIX, mas essa deixo para outro dia).

Agora é o Ferreira, putativo candidato a salazarinho que quer fazer “fazer uma carta aberta aos portugueses a explicar porque é que a história é muito maior do que se diz. Escrever uma carta aos portugueses sobre “A tua história foi muito maior do que te dizem”, por exemplo. É que nós somos mesmo bons.” Modéstia e ignorância.

Já o ex-maoísta, ex-pioneiro do eduquês de Boston, ex-formador de professores mal formados, ex-autor de um blogue que apagou porque ali defendeu a escola pública contra os ataques da dupla Valter/ Rodrigues, aliás também ex-apagador de calúnias sobre um conhecido cronista que se lixe a colega que as reproduziu e deu com os costados em tribunal, e actual e único grande defensor do Crato e do “ensino” vocacionado para a mão-de-obra desqualificada e barata, Ramiro Marques, vem em defesa, imaginem, de Putin, e proclama que o Ocidente tem motivos para se orgulhar do seu passado e para celebrar os seus valores comuns. Não há sítio melhor para fazer isso do que as escolas.

De que falam eles quando se orgulham? Suponho que da História de Portugal versão Mattoso pai, o autor dos manuais únicos e obrigatórios do salazarismo.

Da fantástica teoria do ermamento, tão bem baptizada como do rolo compressor por Borges Coelho, uma imbecilidade do tamanho da ideia de que os cristãos (já agora uma religião que nos foi imposta pelo colonizador Constantino) perante a chegada do mouros foram todos a correr ou coxear até às Astúrias, prosseguindo para a mítica Reconquista, em que de modo algum os senhores mouros e os senhores cristãos se aliaram e desaliaram.

Do heroísmo de Aljubarrota onde apenas nobres combateram, esquecendo que a humilhação castelhana foi sentida precisamente porque camponeses de pé descalço derrotaram a fina flor da cavalaria portuguesa mais a nada hermana.

Dos feitos gloriosos de além-mar, incluindo um dos mais terríveis massacres (mulheres e crianças de braços cortados lançados ao mar) que a História mundial das ignomínias contempla, de um fabuloso império onde a ganância e atraso substituiu o comércio pela militar conquista, a corrupção se instalou e naturalmente mais depressa se desfez que demorou a ser feito, a lógica que o ano de 2015 anuncia ser berrada pelas efabuladores de Ceuta, que já guincham chamando glória à conquista de Ceuta, provavelmente o mais tolo e ruinoso investimento do estado português, passe o anacronismo.

Do colonialismo sobretudo: a glória da rapina, da perpetuação do esclavagismo sob a forma de contratado até 1962, da exploração dos recursos alheios, dos massacres consecutivos dos povos ocupados, tão bem assumidos onde se defende que nada tirámos porque aquilo era nosso, lógica capaz de acabar com a propriedade privada, entro-te em casa, proclamo: isto é meu, e portanto dos teus bens posso livremente dispor.

Deve ser destas estórias (perdoem-me o anglicismo) que se orgulham. Ora a História é uma ciência que não trata nem do orgulho nem da vergonha, mas dos sucessos e insucessos havidos.

Não nutro nenhum desses sentimentos pelos meus antepassados, que fizeram mal umas vezes, outras bem, outras assim-assim, tal como hoje assim mesmo fazemos, nem faltava mais nada: nenhum povo tem uma História nesse aspecto diferente, nenhum povo foi superior ou inferior aos restantes, cada um faz o que pode, sabe, e a bem dizer a mais não é obrigado.

O que já não pertence à História (embora seja seu objecto de estudo), mas à política, é essa devoção por feitos que foram crimes, por glórias que resultaram em fracassos, como se ao invés de com eles aprendermos o desígnio fosse desaprender com as lendas e falsificações da historiografia passada. É política e é um clássico; chama-se nacionalismo, pai de tantas guerras, inspiração predilecta de tanta ditadura, precisamente o que se deve evitar, aqui ou na Rússia, tal como precisamente a História nos ensina.

Esse apelo ao orgulho nacionalista tem tanto de absurdo como de pragmático, é por demais conhecido o seu papel. E bate certo, nacional-liberalismo é um designação perfeita para o tempo que nos querem fazer atravessar.

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