BE: ó Elvas, ó Elvas, Portugal à vista

08-10-2015
marcar artigo

Num blogue de apoio à candidatura autárquica do Bloco de Esquerda à Câmara de Elvas podiam-se ler vários pequenos textos ofensivos para toda a comunidade cigana. Toda ela, sem exceção, era associada à criminalidade. A que se acrescentavam acusações gratuitas a trabalhadores da autarquia, ofensas a sem-abrigo e um discurso que até ao CDS criaria incómodo.

A coisa espalhou-se nas redes sociais e o Bloco de Esquerda nacional foi obrigado a tomar posição. Não podendo retirar a candidatura, retirou-lhe o apoio político, logístico e financeiro. Em plena pré-campanha, penso que esta posição é inédita. Sei que o racismo contra os ciganos é generalizado no nosso País e as coisas que foram escritas naquele blogue (já indisponível) até seriam, infelizmente, subscritas pela maioria dos cidadãos. Mas um partido com o discurso que o Bloco de Esquerda tem sobre estes assunto não pode tolerar, nas suas próprias candidaturas, posições racistas. Mesmo (ou sobretudo) quando esses discursos são populares. Seria o seu completo descrédito.

O episódio é interessante. Porque, a partir dele, podemos falar no processo de crescimento e popularização de um partido. De qualquer partido. No círculos restrito de dirigentes e quadros, os partidos tendem, quando não são apenas plataformas de partilha de poder, a ser coesos nos seus valores fundamentais. Quando são pequenos e a sua militância se resume a esse núcleo central é relativamente fácil manter alguma coerência no discurso e até nos comportamentos éticos. Sim, um partido mais pequeno e sem grandes ambições de poder chama menos oportunistas. Mas não é apenas porque tem menos poder para oferecer. É também porque num partido pequeno é mais fácil manter uma cultura política própria e fazer funcionar os mecanismos de controlo e pressão sobre a base. Isso muda quando crescem (e se não crescem transformam-se na caricatura oposta, da seita sem influência social e política). E isto aplica-se a um partido como a qualquer outra organização.

Não há partidos completamente "diferentes dos outros", a não ser nas propostas que apresentem. Pelo menos a diferença de comportamento e cultura política nunca será tão radical que satisfaça as mais ingénuas e utópicas esperanças. Há sempre ambiciosos, corruptos, oportunistas, vaidosos e tolos. Os partidos são organizações feitas de pessoas e têm os defeitos de todas as organizações e de todas as pessoas. Esses defeitos serão mais controláveis quando são poucas as pessoas. Mas mal um partido se implanta no terreno e se mistura com a sociedade ganha todas as fraquezas dessa sociedade.

Essa é, mais do que qualquer posição ideológica, a razão porque PS e PCP eram, até surgir o BE, tão conservadores nos costumes. Porque, tendo uma forte implantação, correspondiam, em parte, à sociedade onde se implantavam. O mesmo acontece ao BE quando entra no terreno autárquico e se afasta do seu centro de decisão: numa sociedade profundamente racista com os ciganos é provável que haja militantes racistas e que, quando são eles a construir o discurso do partido na sua localidade, isso se torne público. Ainda mais quando querem ganhar votos. Crescesse mais o Bloco e mais vezes isso aconteceria.

Há, no entanto, um dado importante nesta história: a direção nacional do Bloco de Esquerda retirou a confiança política ao candidato de Elvas. Ou seja, a cúpula exerceu o seu poder junto da base para manter a coerência de valores do partido. Há uns anos Marques Mendes fez o mesmo no PSD: afastou os candidatos acusados de corrupção e aceitou, com isso, perder várias câmaras. Ou seja, não é inevitável perder os valores quando se cresce. É apenas a escolha mais fácil para não enfrentar quem, dentro do partido, nos pode dar votos.

Mas isto levanta outra questão mais complicada para o discurso dominante sobre os partidos políticos: estas decisões corretivas, indispensáveis para que um partido mantenha alguma coerência política e ética, só podem acontecer quando há algum centralismo partidário. Um partido que seja um mero espelho da sociedade, que responda acriticamente aos anseios dos seus militantes e eleitores, está condenado ao oportunismo político.

Sim, os partidos têm de se abrir à sociedade, como se costuma dizer por aí. Mas abrir-se à sociedade não quer apenas dizer que recebem a sua influência. Tem de querer dizer que exercem influência sobre ela. E que, porque nem tudo o que é dominante na sociedade é recomendável, lhe resistem, lutando por posições socialmente minoritárias. Se a abertura à sociedade for absoluta, os partidos serão apenas suas emanações indistintas, sem qualquer capacidade de agir sobre ela para a mudar. Sem capacidade, sequer, para representar a sua diversidade, através de um discurso distintivo. Perdem, portanto, a capacidade de agir politicamente. Apenas reagem. Apenas representam. Serão um mero retrato do "país real".

É por tudo isto que, contra o discurso dominante, considero que as formas inorgânicas e basistas de participação política têm muitas limitações. Porque a política sem programa escrito e sem liderança com rosto é, por não responsabilizar ninguém e apenas reagir à vontade maioritária de cada momento, destituída de limites éticos.

Num blogue de apoio à candidatura autárquica do Bloco de Esquerda à Câmara de Elvas podiam-se ler vários pequenos textos ofensivos para toda a comunidade cigana. Toda ela, sem exceção, era associada à criminalidade. A que se acrescentavam acusações gratuitas a trabalhadores da autarquia, ofensas a sem-abrigo e um discurso que até ao CDS criaria incómodo.

A coisa espalhou-se nas redes sociais e o Bloco de Esquerda nacional foi obrigado a tomar posição. Não podendo retirar a candidatura, retirou-lhe o apoio político, logístico e financeiro. Em plena pré-campanha, penso que esta posição é inédita. Sei que o racismo contra os ciganos é generalizado no nosso País e as coisas que foram escritas naquele blogue (já indisponível) até seriam, infelizmente, subscritas pela maioria dos cidadãos. Mas um partido com o discurso que o Bloco de Esquerda tem sobre estes assunto não pode tolerar, nas suas próprias candidaturas, posições racistas. Mesmo (ou sobretudo) quando esses discursos são populares. Seria o seu completo descrédito.

O episódio é interessante. Porque, a partir dele, podemos falar no processo de crescimento e popularização de um partido. De qualquer partido. No círculos restrito de dirigentes e quadros, os partidos tendem, quando não são apenas plataformas de partilha de poder, a ser coesos nos seus valores fundamentais. Quando são pequenos e a sua militância se resume a esse núcleo central é relativamente fácil manter alguma coerência no discurso e até nos comportamentos éticos. Sim, um partido mais pequeno e sem grandes ambições de poder chama menos oportunistas. Mas não é apenas porque tem menos poder para oferecer. É também porque num partido pequeno é mais fácil manter uma cultura política própria e fazer funcionar os mecanismos de controlo e pressão sobre a base. Isso muda quando crescem (e se não crescem transformam-se na caricatura oposta, da seita sem influência social e política). E isto aplica-se a um partido como a qualquer outra organização.

Não há partidos completamente "diferentes dos outros", a não ser nas propostas que apresentem. Pelo menos a diferença de comportamento e cultura política nunca será tão radical que satisfaça as mais ingénuas e utópicas esperanças. Há sempre ambiciosos, corruptos, oportunistas, vaidosos e tolos. Os partidos são organizações feitas de pessoas e têm os defeitos de todas as organizações e de todas as pessoas. Esses defeitos serão mais controláveis quando são poucas as pessoas. Mas mal um partido se implanta no terreno e se mistura com a sociedade ganha todas as fraquezas dessa sociedade.

Essa é, mais do que qualquer posição ideológica, a razão porque PS e PCP eram, até surgir o BE, tão conservadores nos costumes. Porque, tendo uma forte implantação, correspondiam, em parte, à sociedade onde se implantavam. O mesmo acontece ao BE quando entra no terreno autárquico e se afasta do seu centro de decisão: numa sociedade profundamente racista com os ciganos é provável que haja militantes racistas e que, quando são eles a construir o discurso do partido na sua localidade, isso se torne público. Ainda mais quando querem ganhar votos. Crescesse mais o Bloco e mais vezes isso aconteceria.

Há, no entanto, um dado importante nesta história: a direção nacional do Bloco de Esquerda retirou a confiança política ao candidato de Elvas. Ou seja, a cúpula exerceu o seu poder junto da base para manter a coerência de valores do partido. Há uns anos Marques Mendes fez o mesmo no PSD: afastou os candidatos acusados de corrupção e aceitou, com isso, perder várias câmaras. Ou seja, não é inevitável perder os valores quando se cresce. É apenas a escolha mais fácil para não enfrentar quem, dentro do partido, nos pode dar votos.

Mas isto levanta outra questão mais complicada para o discurso dominante sobre os partidos políticos: estas decisões corretivas, indispensáveis para que um partido mantenha alguma coerência política e ética, só podem acontecer quando há algum centralismo partidário. Um partido que seja um mero espelho da sociedade, que responda acriticamente aos anseios dos seus militantes e eleitores, está condenado ao oportunismo político.

Sim, os partidos têm de se abrir à sociedade, como se costuma dizer por aí. Mas abrir-se à sociedade não quer apenas dizer que recebem a sua influência. Tem de querer dizer que exercem influência sobre ela. E que, porque nem tudo o que é dominante na sociedade é recomendável, lhe resistem, lutando por posições socialmente minoritárias. Se a abertura à sociedade for absoluta, os partidos serão apenas suas emanações indistintas, sem qualquer capacidade de agir sobre ela para a mudar. Sem capacidade, sequer, para representar a sua diversidade, através de um discurso distintivo. Perdem, portanto, a capacidade de agir politicamente. Apenas reagem. Apenas representam. Serão um mero retrato do "país real".

É por tudo isto que, contra o discurso dominante, considero que as formas inorgânicas e basistas de participação política têm muitas limitações. Porque a política sem programa escrito e sem liderança com rosto é, por não responsabilizar ninguém e apenas reagir à vontade maioritária de cada momento, destituída de limites éticos.

marcar artigo