BE. Francisco e Catarina, a passagem do testemunho

29-09-2015
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Rei morto, rainha posta. Na noite desta segunda-feira, em Coimbra, Francisco Louçã falou pela primeira vez num comício desta campanha. Um momento simbólico na história do Bloco de Esquerda

Dia 28 de setembro de 2015, 22h40. Francisco Louçã acaba de discursar na tenda do Bloco de Esquerda montada no Pátio da Inquisição, em Coimbra. Desce do palco e regressa à primeira fila, para se sentar, mas antes disso dirige-se a Catarina Martins, que está de pé. Dão um beijo e um abraço, sob o aplauso das cerca das 300 pessoas presentes. Há um antes e um depois deste momento na história do BE.

Francisco Louçã foi um dos quatro fundadores do partido, o coordenador da sua direção durante largos anos. Mas mais do que o estatuto, foi na prática (para dentro e para fora) o líder incontestado do Bloco desde a sua fundação até 2012, quando saiu de cena.

À era Louçã sucedeu o modelo de liderança bicéfala de João Semedo & Catarina Martins, que aguentou o barco da forma possível, até ao momento em que a nau bloquista já ameaçava adornar.

No congresso de novembro do ano passado, a tensão (e a confrontação) atingiu o auge e o naufrágio estava iminente. Não para todos, que alguns saíram entretanto, uns surfando certas ondas, outros buscando mesmo outros mares.

Com o partido quebrado ao meio, emergiu uma solução de compromisso sem dar a alguém os poderes substantivos de um chefe clássico (também não é, nunca foi, a genética bloquista): uma comissão permanente de seis membros, tendo Catarina Martins como porta-voz.

Nuno Botelho

Uma primeira reanimação

Com o BE a definhar, ou pelo menos a parecer que isso poderia acontecer, na comissão parlamentar do BES surge o garrote que estanca a hemorragia, e depois se torna em suplemento vitamínico e de alma: Mariana Mortágua.

Mas é nos debates televisivos entre os líderes partidários que o Bloco é puxado para o lado solar da campanha, por força do brilho alcançado, ante a surpresa de muitos, por Catarina Martins (frente a Jerónimo de Sousa, Passos Coelho, Paulo Portas ou António Costa).

De repente, a simples “porta-voz nacional” do BE passa a ser muito mais do que isso: é a cara reconhecida em feiras e mercados, alguns em pontos recônditos, a quem sobretudo mulheres (e também alguns homens de mais idade) dão palavras de reconhecimento e de incentivo. E de muito afeto, em bastantes casos.

Em Coimbra, na noite de segunda-feira, Louçã estreou-se num comício desta campanha (voltará a falar na sessão de encerramento, sexta-feira, na Alfândega do Porto). Acompanhado por João Semedo, entrou na tenda erguida junto ao antigo Colégio da Artes, uns metros atrás de Catarina Martins (ladeada por José Manuel Pureza e Marisa Matias), como que a querer mostrar a todos, se dúvidas houvesse, que a cabeça do pelotão passa agora bem sem ele.

Ou talvez a distância fosse apenas consequência da necessidade de corresponder aos abraços, beijos e cumprimentos de quem parecia estar a reencontrar um amigo que não via desde há muito.

Nuno Botelho

Sem paternalismos

No palco, Louçã começou a sua intervenção por apresentar Catarina “como o melhor valor que a esquerda tem” (e na frase imediatamente anterior introduzira Marisa Matias como “o maior orgulho que Portugal pode ter na Europa”).

Fernando Rosas, um dos quatro pais-fundadores do BE (a par de Francisco Louçã, Luís Fazenda e Miguel Portas), reconhecia há dias ao Expresso que “a saída de Francisco Louçã foi traumática para o Bloco, como sempre o é a saída de dirigentes carismáticos”.

Esse tempo, a avaliar por esta campanha eleitoral, está ultrapassado e enterrado. Se há coisa que se percebe bem por quem desde há dias acompanha as ações do Bloco pelo país é que nunca se vislumbraram vestígios de qualquer orfandade de Francisco Louçã.

Um mérito de Catarina, como é óbvio, que soube ganhar a pulso o seu espaço. E igualmente um tributo a Francisco: são muito raras assim as “saídas limpas” na política.

Em Coimbra, o ex-coordenador não se limitou a uma intervenção para cimentar a (re)união do bloco, das suas diversas sensibilidades e gerações (agora que na linha da frente está gente bem mais nova), ou a galvanizar ainda mais quem já anda bastante entusiasmado.

Não resistir a meter as mãos na massa

No Pátio da Inquisição, não surgiu um velho patriarca a exibir o seu alto patrocínio a um jovem turco (ou “jovem turca” neste caso, que no BE as questões de género são idiossincráticas). Louçã meteu as mãos na massa no aceso combate político destas horas. Esgrimiu com a imagem, eficaz, do “homo troikensis”; brincou com os medos de Passos, Portas e Costa; e identificou expressamente às hostes quais os “votos decisivos” que é preciso captar até 4 de outubro: os abstencionistas; “os votos dos socialistas que não sabem o que o seu partido quer”; e os eleitores que “foram enganados por PSD e CDS”.

Foi como se o velho general tivesse voltado ao campo de batalha para, tão-só, desempenhar a missão que estava na escala de serviço. Não deixou, contudo, de aconselhar publicamente quem agora lidera o Bloco. E fê-lo sobre o tópico mais importante por estes dias para (toda) a esquerda: saber se há combinações e entendimentos que permitam uma maioria parlamentar que retire a direita do Governo.

“Catarina: não te surpreendas porque há duas semanas António Costa não te respondeu ao que lhe disseste olhos nos olhos” no debate televisivo, disse o ex-coordenador do BE, neste regresso à primeira trincheira da luta. Referia-se às duas condições colocadas pelo Bloco para negociar a viabilização de um Governo chefiado por António Costa: o PS teria de recusar no congelamento das pensões e desistir do despedimento conciliatório.

Nuno Botelho

Nas palavras finais, quando a sala já se levantava para o aplaudir e o barulho mal deixava ouvir o que dizia, Francisco Louçã faz um último apelo à nova líder, instando-a a manter na luta “essa paixão” que transporta nesta campanha.

Em Coimbra, numa muito amena noite de outono e a seis dias das eleições, Francisco e Catarina operaram, aos olhos dos seus, uma passagem de testemunho. Mas a avaliar pelo que se passou na noite de ontem, até 4 de outubro vão caminhar bem a par.

Rei morto, rainha posta. Na noite desta segunda-feira, em Coimbra, Francisco Louçã falou pela primeira vez num comício desta campanha. Um momento simbólico na história do Bloco de Esquerda

Dia 28 de setembro de 2015, 22h40. Francisco Louçã acaba de discursar na tenda do Bloco de Esquerda montada no Pátio da Inquisição, em Coimbra. Desce do palco e regressa à primeira fila, para se sentar, mas antes disso dirige-se a Catarina Martins, que está de pé. Dão um beijo e um abraço, sob o aplauso das cerca das 300 pessoas presentes. Há um antes e um depois deste momento na história do BE.

Francisco Louçã foi um dos quatro fundadores do partido, o coordenador da sua direção durante largos anos. Mas mais do que o estatuto, foi na prática (para dentro e para fora) o líder incontestado do Bloco desde a sua fundação até 2012, quando saiu de cena.

À era Louçã sucedeu o modelo de liderança bicéfala de João Semedo & Catarina Martins, que aguentou o barco da forma possível, até ao momento em que a nau bloquista já ameaçava adornar.

No congresso de novembro do ano passado, a tensão (e a confrontação) atingiu o auge e o naufrágio estava iminente. Não para todos, que alguns saíram entretanto, uns surfando certas ondas, outros buscando mesmo outros mares.

Com o partido quebrado ao meio, emergiu uma solução de compromisso sem dar a alguém os poderes substantivos de um chefe clássico (também não é, nunca foi, a genética bloquista): uma comissão permanente de seis membros, tendo Catarina Martins como porta-voz.

Nuno Botelho

Uma primeira reanimação

Com o BE a definhar, ou pelo menos a parecer que isso poderia acontecer, na comissão parlamentar do BES surge o garrote que estanca a hemorragia, e depois se torna em suplemento vitamínico e de alma: Mariana Mortágua.

Mas é nos debates televisivos entre os líderes partidários que o Bloco é puxado para o lado solar da campanha, por força do brilho alcançado, ante a surpresa de muitos, por Catarina Martins (frente a Jerónimo de Sousa, Passos Coelho, Paulo Portas ou António Costa).

De repente, a simples “porta-voz nacional” do BE passa a ser muito mais do que isso: é a cara reconhecida em feiras e mercados, alguns em pontos recônditos, a quem sobretudo mulheres (e também alguns homens de mais idade) dão palavras de reconhecimento e de incentivo. E de muito afeto, em bastantes casos.

Em Coimbra, na noite de segunda-feira, Louçã estreou-se num comício desta campanha (voltará a falar na sessão de encerramento, sexta-feira, na Alfândega do Porto). Acompanhado por João Semedo, entrou na tenda erguida junto ao antigo Colégio da Artes, uns metros atrás de Catarina Martins (ladeada por José Manuel Pureza e Marisa Matias), como que a querer mostrar a todos, se dúvidas houvesse, que a cabeça do pelotão passa agora bem sem ele.

Ou talvez a distância fosse apenas consequência da necessidade de corresponder aos abraços, beijos e cumprimentos de quem parecia estar a reencontrar um amigo que não via desde há muito.

Nuno Botelho

Sem paternalismos

No palco, Louçã começou a sua intervenção por apresentar Catarina “como o melhor valor que a esquerda tem” (e na frase imediatamente anterior introduzira Marisa Matias como “o maior orgulho que Portugal pode ter na Europa”).

Fernando Rosas, um dos quatro pais-fundadores do BE (a par de Francisco Louçã, Luís Fazenda e Miguel Portas), reconhecia há dias ao Expresso que “a saída de Francisco Louçã foi traumática para o Bloco, como sempre o é a saída de dirigentes carismáticos”.

Esse tempo, a avaliar por esta campanha eleitoral, está ultrapassado e enterrado. Se há coisa que se percebe bem por quem desde há dias acompanha as ações do Bloco pelo país é que nunca se vislumbraram vestígios de qualquer orfandade de Francisco Louçã.

Um mérito de Catarina, como é óbvio, que soube ganhar a pulso o seu espaço. E igualmente um tributo a Francisco: são muito raras assim as “saídas limpas” na política.

Em Coimbra, o ex-coordenador não se limitou a uma intervenção para cimentar a (re)união do bloco, das suas diversas sensibilidades e gerações (agora que na linha da frente está gente bem mais nova), ou a galvanizar ainda mais quem já anda bastante entusiasmado.

Não resistir a meter as mãos na massa

No Pátio da Inquisição, não surgiu um velho patriarca a exibir o seu alto patrocínio a um jovem turco (ou “jovem turca” neste caso, que no BE as questões de género são idiossincráticas). Louçã meteu as mãos na massa no aceso combate político destas horas. Esgrimiu com a imagem, eficaz, do “homo troikensis”; brincou com os medos de Passos, Portas e Costa; e identificou expressamente às hostes quais os “votos decisivos” que é preciso captar até 4 de outubro: os abstencionistas; “os votos dos socialistas que não sabem o que o seu partido quer”; e os eleitores que “foram enganados por PSD e CDS”.

Foi como se o velho general tivesse voltado ao campo de batalha para, tão-só, desempenhar a missão que estava na escala de serviço. Não deixou, contudo, de aconselhar publicamente quem agora lidera o Bloco. E fê-lo sobre o tópico mais importante por estes dias para (toda) a esquerda: saber se há combinações e entendimentos que permitam uma maioria parlamentar que retire a direita do Governo.

“Catarina: não te surpreendas porque há duas semanas António Costa não te respondeu ao que lhe disseste olhos nos olhos” no debate televisivo, disse o ex-coordenador do BE, neste regresso à primeira trincheira da luta. Referia-se às duas condições colocadas pelo Bloco para negociar a viabilização de um Governo chefiado por António Costa: o PS teria de recusar no congelamento das pensões e desistir do despedimento conciliatório.

Nuno Botelho

Nas palavras finais, quando a sala já se levantava para o aplaudir e o barulho mal deixava ouvir o que dizia, Francisco Louçã faz um último apelo à nova líder, instando-a a manter na luta “essa paixão” que transporta nesta campanha.

Em Coimbra, numa muito amena noite de outono e a seis dias das eleições, Francisco e Catarina operaram, aos olhos dos seus, uma passagem de testemunho. Mas a avaliar pelo que se passou na noite de ontem, até 4 de outubro vão caminhar bem a par.

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