Há Merkels a mais na Alemanha

24-11-2014
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Comecemos por colocar os pontos nos ii:

1) O ensino técnico em Portugal é tratado como um ensino de segunda, ou pior, olhado frequentemente como uma via para delinquentes e marginais. Isso está muito errado. Deveria ser a base de uma carreira digna, responsável pela introdução de mais qualidade e de novas tecnologias na sociedade. Uma oportunidade para a criação de emprego com potencial para gerar novos empregos;

2) Gosto da Alemanha. Na Alemanha há mulheres e homens com intervenções políticas fantásticas (a minha onda é o bloco de esquerda: Verdes e Die Linke) contra a austeridade. A CDU/CSU de Angela Merkel é apenas a formação política mais votada, não é mais nem menos do que isso. Por isso não me revejo e repudio gracinhas anti-alemãs a roçar a xenofobia.

O que é grave no discurso de Merkel é que a afirmação sobre o excesso de licenciados ibéricos tem a sua dose de ignorância. A percentagem de licenciados portugueses situa-se bem abaixo da percentagem espanhola e alemã (ver gráfico acima). Estamos a falar de realidades distintas. Tem a sua dose de surrealismo porque Merkel assinou uma série de documentos estratégicos da UE (quase todos os tratados e documentos do programa Horizonte 2020) que vão no sentido oposto do que afirma. Tem a sua dose de contradição histórica quando analisamos o desenvolvimento da Alemanha e da Europa do pós-guerra. Se observarmos a produtividade dos países europeus de cada um dos antigos blocos é evidente que esta reflecte bem o efeito acumulado – os licenciados espanhóis e portugueses são muito recentes – de décadas de investimento no ensino secundário e superior. Parece evidente que os países da Europa Ocidental que apostaram mais cedo na educação geral e superior têm hoje uma produtividade superior aos que começaram mais tarde (Portugal e Espanha). Mesmo entre o bloco de leste o efeito é semelhante: a Checoslováquia (hoje Rep. Checa e Eslováquia) foi o país que mais cedo chegou aos 20% de licenciados e aos 80% de população com o ensino secundário concluído. Finalmente, a afirmação de Merkel tem a sua dose de um discurso político defensivo, em jeito de desespero político resultante do início da crise alemã. Depois de inúmeros avisos da esquerda alemã de que a austeridade europeia poderia reflectir-se na Alemanha, sobretudo no consumo de produtos alemães, esta é hoje uma hipótese que tudo indica se começou a materializar no quotidiano do país. E os alemães começam a senti-la.

Continuo a visitar a Alemanha com regularidade e cada vez mais observo situações que raramente ou nunca tinha encontrado: trabalhadores não declarados, gente a dormir na rua, empregados incompetentes e sem experiência nos serviços, comércio a não passar recibos e o pior de tudo é que se nota que a sociedade está mais estratificada. Algo que apreciava na Alemanha era o seu igualitarismo que funcionava relativamente bem entre os 10% e os 90% mais ricos, e isso está-se a perder. Se há algo que está a mais na Alemanha, em Portugal e na Europa é a política de austeridade.

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Comecemos por colocar os pontos nos ii:

1) O ensino técnico em Portugal é tratado como um ensino de segunda, ou pior, olhado frequentemente como uma via para delinquentes e marginais. Isso está muito errado. Deveria ser a base de uma carreira digna, responsável pela introdução de mais qualidade e de novas tecnologias na sociedade. Uma oportunidade para a criação de emprego com potencial para gerar novos empregos;

2) Gosto da Alemanha. Na Alemanha há mulheres e homens com intervenções políticas fantásticas (a minha onda é o bloco de esquerda: Verdes e Die Linke) contra a austeridade. A CDU/CSU de Angela Merkel é apenas a formação política mais votada, não é mais nem menos do que isso. Por isso não me revejo e repudio gracinhas anti-alemãs a roçar a xenofobia.

O que é grave no discurso de Merkel é que a afirmação sobre o excesso de licenciados ibéricos tem a sua dose de ignorância. A percentagem de licenciados portugueses situa-se bem abaixo da percentagem espanhola e alemã (ver gráfico acima). Estamos a falar de realidades distintas. Tem a sua dose de surrealismo porque Merkel assinou uma série de documentos estratégicos da UE (quase todos os tratados e documentos do programa Horizonte 2020) que vão no sentido oposto do que afirma. Tem a sua dose de contradição histórica quando analisamos o desenvolvimento da Alemanha e da Europa do pós-guerra. Se observarmos a produtividade dos países europeus de cada um dos antigos blocos é evidente que esta reflecte bem o efeito acumulado – os licenciados espanhóis e portugueses são muito recentes – de décadas de investimento no ensino secundário e superior. Parece evidente que os países da Europa Ocidental que apostaram mais cedo na educação geral e superior têm hoje uma produtividade superior aos que começaram mais tarde (Portugal e Espanha). Mesmo entre o bloco de leste o efeito é semelhante: a Checoslováquia (hoje Rep. Checa e Eslováquia) foi o país que mais cedo chegou aos 20% de licenciados e aos 80% de população com o ensino secundário concluído. Finalmente, a afirmação de Merkel tem a sua dose de um discurso político defensivo, em jeito de desespero político resultante do início da crise alemã. Depois de inúmeros avisos da esquerda alemã de que a austeridade europeia poderia reflectir-se na Alemanha, sobretudo no consumo de produtos alemães, esta é hoje uma hipótese que tudo indica se começou a materializar no quotidiano do país. E os alemães começam a senti-la.

Continuo a visitar a Alemanha com regularidade e cada vez mais observo situações que raramente ou nunca tinha encontrado: trabalhadores não declarados, gente a dormir na rua, empregados incompetentes e sem experiência nos serviços, comércio a não passar recibos e o pior de tudo é que se nota que a sociedade está mais estratificada. Algo que apreciava na Alemanha era o seu igualitarismo que funcionava relativamente bem entre os 10% e os 90% mais ricos, e isso está-se a perder. Se há algo que está a mais na Alemanha, em Portugal e na Europa é a política de austeridade.

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