Tempo Político: O Pacto de Não-Agressão entre o BE e o PCP

21-01-2012
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Esta semana, Bloco de Esquerda e PCP realizaram um encontro formal entre os líderes onde ficou claro que está em causa uma aproximação táctica dos dois partidos. Partindo do pressuposto que Francisco Louçã não pretende tornar-se na próxima Heloísa Apolónia, o que temos é uma estratégia dupla de não-agressão e de ataque concertado ao PS. Com objectivos eleitorais e também por razões ideológicas. De facto, este entendimento deve ser visto como uma primeira consequência do pedido de ajuda externa feito por Sócrates. Ele marca o abandono definitivo por parte do BE de um posicionamento moderadamente pró-UE que o partido defendia. E tem consequências não só para as coligações na esquerda do espectro partidário como para o funcionamento do sistema partidário português. Do ponto de vista eleitoral o PCP e o BE decidiram agora não se rivalizar para melhor susterem o impacto de um potencial voto útil à esquerda. Na última década, a única eleição em que estes dois partidos juntos ficaram aquém dos dez por cento foi em 2002, precisamente a única eleição da década ganha pelo PSD. E, nem por acaso, a eleição de Junho de 2011 tem semelhanças com a de 2002. Não só o PSD aparece nas sondagens como incapaz de vencer com maioria absoluta, o que a torna mais competitiva, como o PS também surge a aproximar-se daquele partido. Quanto maior for a incerteza sobre o resultado eleitoral a 5 de Junho, maior a pressão para o voto útil no PS à esquerda. E isso já se está a verificar, pelo menos a acreditar na última sondagem realizada pela Universidade Católica. É certo que os imponderáveis políticos até Junho são muitos. Mas para já, as notícias das sondagens não têm sido muito boas para os dois partidos. É preciso também perceber que embora as pressões para o voto útil estejam a aumentar estas não se repartem igualmente entre PCP e Bloco. Aliás, não é por acaso que foi Francisco Louçã que procurou Jerónimo de Sousa, e não vice-versa. De facto, o Bloco foi o partido que nasceu e cresceu à sombra da governação do PS. No ocaso deste governo, as lideranças do partido parecem estar nervosas. O PCP mantém-se na solidez das suas estruturas, embora estas sejam mais frágeis hoje do que ontem. Continua com uma retaguarda assegurada nos sindicatos e nas autarquias, enquanto o Bloco de Esquerda tem subsistido essencialmente à custa do mediatismo de alguns e potenciado por líderes que souberam valorizar os erros de um PS no poder ao longo dos últimos anos. Sem organização e sem presença nas autarquias, o Bloco também tem vindo a perder a originalidade programática que o tinha caracterizado inicialmente. No final da década de noventa, o partido apresentou-se como uma agenda nova. Uma agenda libertária, que defendia um conjunto de temas que nunca ou raramente tinham sido prioritários em Portugal. A saber, a descriminalização do aborto, o consumo de droga, a igualdade para os casais homossexuais, etc. Acontece que a maioria destes temas foi absorvida nos programas eleitorais de Sócrates, pelo que o BE ficou sem agenda que o diferenciasse à esquerda. De facto, do ponto de vista programático pouco ou nada separa hoje o BE do PCP. No que diz respeito a temas económicos, estes dois partidos são indistinguíveis. Ambos são contra a redução do papel do Estado na economia, a diminuição do número de funcionários públicos, as Parcerias Público-Privadas, a tentativa de saneamento das contas na Saúde, a avaliação dos professores do Ensino Básico e Secundário, para mencionar alguns dos temas mais importantes que foram discutidos recentemente. Sobrava no entanto, entre o BE e o PCP uma diferença em relação à União Europeia. Enquanto o PCP sempre foi contra a Europa tanto enquanto projecto económico como político, o Bloco sempre disse que era contra a UE no plano económico mas não no plano político. O PCP era nacionalista, enquanto o Bloco se assumia como cosmopolita e federalista. Essas nuances parecem agora ter sido finalmente abandonadas pelo Bloco. Perante um clima de altíssima incerteza política daqui até Junho, o Bloco de Esquerda decidiu apostar tudo na colagem do PS à direita devido às medidas que virão associadas ao pedido de ajuda externa e à entrada do FMI em Portugal, que precisam do acordo do PS com o PSD. Assim, o sucesso destes dois partidos PCP e BE será um bom indicador da resistência da sociedade portuguesa às reformas necessárias para a convergência com a UE. Na verdade, estamos de volta à velha política de sempre. A esquerda portuguesa em 1974 começou por estar dividida entre aqueles que pensavam que Portugal deveria ser uma democracia liberal e pertencer à então CEE dos que consideravam que o nosso país deveria enveredar por caminhos alternativos, esquerdizantes, eventualmente com os países não alinhados. O Bloco de Esquerda primeiro assumiu-se como uma nova esquerda, mas agora preferiu alinhar-se com o PCP. Tem o mérito de ser uma clarificação. Mas é também uma estratégia de risco, por duas razões. Primeiro, porque ao tomar esta posição o partido se assume frontalmente como eurocéptico, algo que o partido sempre negou, e apaga a última diferença que o distinguia do PCP e o aproximava do PS. Segundo, porque assim o BE coloca-se completamente de fora da orla dos partidos com ambições governativas e portanto assume-se exclusivamente como partido de protesto. E confirma que as coligações entre um PS europeísta e os partidos à sua esquerda são uma miragem. Este sempre foi o principal problema do sistema partidário português e terá pois tendência a agravar-se. Resta saber se o eleitorado do PS resiste – europeísta – perante os choques de austeridade que se avizinham provenientes da ajuda de Bruxelas. (publicado no Público de hoje)


Esta semana, Bloco de Esquerda e PCP realizaram um encontro formal entre os líderes onde ficou claro que está em causa uma aproximação táctica dos dois partidos. Partindo do pressuposto que Francisco Louçã não pretende tornar-se na próxima Heloísa Apolónia, o que temos é uma estratégia dupla de não-agressão e de ataque concertado ao PS. Com objectivos eleitorais e também por razões ideológicas. De facto, este entendimento deve ser visto como uma primeira consequência do pedido de ajuda externa feito por Sócrates. Ele marca o abandono definitivo por parte do BE de um posicionamento moderadamente pró-UE que o partido defendia. E tem consequências não só para as coligações na esquerda do espectro partidário como para o funcionamento do sistema partidário português. Do ponto de vista eleitoral o PCP e o BE decidiram agora não se rivalizar para melhor susterem o impacto de um potencial voto útil à esquerda. Na última década, a única eleição em que estes dois partidos juntos ficaram aquém dos dez por cento foi em 2002, precisamente a única eleição da década ganha pelo PSD. E, nem por acaso, a eleição de Junho de 2011 tem semelhanças com a de 2002. Não só o PSD aparece nas sondagens como incapaz de vencer com maioria absoluta, o que a torna mais competitiva, como o PS também surge a aproximar-se daquele partido. Quanto maior for a incerteza sobre o resultado eleitoral a 5 de Junho, maior a pressão para o voto útil no PS à esquerda. E isso já se está a verificar, pelo menos a acreditar na última sondagem realizada pela Universidade Católica. É certo que os imponderáveis políticos até Junho são muitos. Mas para já, as notícias das sondagens não têm sido muito boas para os dois partidos. É preciso também perceber que embora as pressões para o voto útil estejam a aumentar estas não se repartem igualmente entre PCP e Bloco. Aliás, não é por acaso que foi Francisco Louçã que procurou Jerónimo de Sousa, e não vice-versa. De facto, o Bloco foi o partido que nasceu e cresceu à sombra da governação do PS. No ocaso deste governo, as lideranças do partido parecem estar nervosas. O PCP mantém-se na solidez das suas estruturas, embora estas sejam mais frágeis hoje do que ontem. Continua com uma retaguarda assegurada nos sindicatos e nas autarquias, enquanto o Bloco de Esquerda tem subsistido essencialmente à custa do mediatismo de alguns e potenciado por líderes que souberam valorizar os erros de um PS no poder ao longo dos últimos anos. Sem organização e sem presença nas autarquias, o Bloco também tem vindo a perder a originalidade programática que o tinha caracterizado inicialmente. No final da década de noventa, o partido apresentou-se como uma agenda nova. Uma agenda libertária, que defendia um conjunto de temas que nunca ou raramente tinham sido prioritários em Portugal. A saber, a descriminalização do aborto, o consumo de droga, a igualdade para os casais homossexuais, etc. Acontece que a maioria destes temas foi absorvida nos programas eleitorais de Sócrates, pelo que o BE ficou sem agenda que o diferenciasse à esquerda. De facto, do ponto de vista programático pouco ou nada separa hoje o BE do PCP. No que diz respeito a temas económicos, estes dois partidos são indistinguíveis. Ambos são contra a redução do papel do Estado na economia, a diminuição do número de funcionários públicos, as Parcerias Público-Privadas, a tentativa de saneamento das contas na Saúde, a avaliação dos professores do Ensino Básico e Secundário, para mencionar alguns dos temas mais importantes que foram discutidos recentemente. Sobrava no entanto, entre o BE e o PCP uma diferença em relação à União Europeia. Enquanto o PCP sempre foi contra a Europa tanto enquanto projecto económico como político, o Bloco sempre disse que era contra a UE no plano económico mas não no plano político. O PCP era nacionalista, enquanto o Bloco se assumia como cosmopolita e federalista. Essas nuances parecem agora ter sido finalmente abandonadas pelo Bloco. Perante um clima de altíssima incerteza política daqui até Junho, o Bloco de Esquerda decidiu apostar tudo na colagem do PS à direita devido às medidas que virão associadas ao pedido de ajuda externa e à entrada do FMI em Portugal, que precisam do acordo do PS com o PSD. Assim, o sucesso destes dois partidos PCP e BE será um bom indicador da resistência da sociedade portuguesa às reformas necessárias para a convergência com a UE. Na verdade, estamos de volta à velha política de sempre. A esquerda portuguesa em 1974 começou por estar dividida entre aqueles que pensavam que Portugal deveria ser uma democracia liberal e pertencer à então CEE dos que consideravam que o nosso país deveria enveredar por caminhos alternativos, esquerdizantes, eventualmente com os países não alinhados. O Bloco de Esquerda primeiro assumiu-se como uma nova esquerda, mas agora preferiu alinhar-se com o PCP. Tem o mérito de ser uma clarificação. Mas é também uma estratégia de risco, por duas razões. Primeiro, porque ao tomar esta posição o partido se assume frontalmente como eurocéptico, algo que o partido sempre negou, e apaga a última diferença que o distinguia do PCP e o aproximava do PS. Segundo, porque assim o BE coloca-se completamente de fora da orla dos partidos com ambições governativas e portanto assume-se exclusivamente como partido de protesto. E confirma que as coligações entre um PS europeísta e os partidos à sua esquerda são uma miragem. Este sempre foi o principal problema do sistema partidário português e terá pois tendência a agravar-se. Resta saber se o eleitorado do PS resiste – europeísta – perante os choques de austeridade que se avizinham provenientes da ajuda de Bruxelas. (publicado no Público de hoje)

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