Acácio Barreiros

08-03-2004
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Acácio Barreiros

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Sábado, 21 de Fevereiro de 2004

Acácio Barreiros foi morrendo à vista de toda a gente, no Parlamento. Emagreceu. Foi perdendo o cabelo, por causa dos tratamentos. Percebia-se-lhe uma imensa tristeza no olhar, além dos movimentos extenuados. Mas não se envergonhou disso e continuou, nunca invocando a doença para recusar o que quer que fosse. Não escondeu a doença, mas não se fez de vítima. Em Janeiro passado foi o "pivot" do PS num debate acerca do sobreendividamento dos consumidores. Na semana passada participou numa reunião da direcção da bancada. Morreu quarta-feira, em casa, vítima de cancro, quando se preparava para ir ao médico, cujos conselhos disciplinadamente seguia.

Acácio Barreiros chegou ao Parlamento eleito pela UDP. Um orador brilhante, diz quem o conheceu nessa altura, mesmo adversários. Depois transitou do radicalismo leninista para o socialismo democrático e percebeu que esse caminho implicaria uma mudança profunda no seu registo político público. Tornou-se um homem discreto. Foi já nessa fase que o conheci. Acho que nos cruzámos pela primeira vez em 1995, no Parlamento, quando o PS regressou ao poder.

Criou-se um relacionamento permanente, diário, porque integrava a direcção do grupo parlamentar socialista, um grupo em permanente convulsão pelas mais diversas razões. Acácio Barreiros desempenhava (embora não sendo o único) um papel-chave, o de fornecedor oficial de lucidez e bom senso, nomeadamente a Francisco Assis, líder do grupo durante a segunda metade dessa legislatura.

Detinha, por exemplo, a importante responsabilidade de representar o PS nas conferências de líderes parlamentares. Quem está de fora acha isto uma irrelevância - porque confunde irrelevância mediática com irrelevância "de facto". Já quem domina minimamente o funcionamento da Assembleia sabe que esta função é essencial para que um partido não perca os "jogos" parlamentares mesmo antes de eles terem lugar à vista de toda a gente, no plenário ou nas comissões.

Nesse contacto permanente, uma vezes conversámos em "on" e outras em "off". Permito-me agora esta inconfidência porque, nestas alturas, há algo de muito importante que um jornalista pode dizer de um político que conheceu bem, como acho que conheci Acácio Barreiros: ele - sempre disponível - nunca me mentiu. Quando podia falar, falava. Quando não podia, não falava. Nunca lhe ouvi uma mentira (ou meias-verdades) para desculpar o silêncio. Dizia "Sobre isso não tenho nada a dizer" ou uma formulação do género. E eu ia à minha vida, bater a outras portas. No jornalismo, a questão da verdade não é de somenos, como se calcula.

Grande parte da opinião publicada nacional (políticos, jornalistas, eu incluído, às vezes) acha "bem" desvalorizar personalidades políticas como Acácio Barreiros, muitas vezes achincalhando-os. Pode-se dizer de Acácio Barreiros que era, na bancada do PS, uma figura "baça", "cinzenta", etc., etc. Seria, admito-o perfeitamente.

Acrescento, porém, que não há rigorosamente nenhum líder político que dispense homens assim: discretos, eficazes, humildes, inteligentes, rápidos, organizados, atentos, profissionais para quem a política não é uma insana busca dos holofotes. Políticos que têm de si a exacta imagem do que são.

Nestes tempos de "circo", políticos como Acácio Barreiros fazem muito mais falta do que se pensa.

Acácio Barreiros

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Sábado, 21 de Fevereiro de 2004

Acácio Barreiros foi morrendo à vista de toda a gente, no Parlamento. Emagreceu. Foi perdendo o cabelo, por causa dos tratamentos. Percebia-se-lhe uma imensa tristeza no olhar, além dos movimentos extenuados. Mas não se envergonhou disso e continuou, nunca invocando a doença para recusar o que quer que fosse. Não escondeu a doença, mas não se fez de vítima. Em Janeiro passado foi o "pivot" do PS num debate acerca do sobreendividamento dos consumidores. Na semana passada participou numa reunião da direcção da bancada. Morreu quarta-feira, em casa, vítima de cancro, quando se preparava para ir ao médico, cujos conselhos disciplinadamente seguia.

Acácio Barreiros chegou ao Parlamento eleito pela UDP. Um orador brilhante, diz quem o conheceu nessa altura, mesmo adversários. Depois transitou do radicalismo leninista para o socialismo democrático e percebeu que esse caminho implicaria uma mudança profunda no seu registo político público. Tornou-se um homem discreto. Foi já nessa fase que o conheci. Acho que nos cruzámos pela primeira vez em 1995, no Parlamento, quando o PS regressou ao poder.

Criou-se um relacionamento permanente, diário, porque integrava a direcção do grupo parlamentar socialista, um grupo em permanente convulsão pelas mais diversas razões. Acácio Barreiros desempenhava (embora não sendo o único) um papel-chave, o de fornecedor oficial de lucidez e bom senso, nomeadamente a Francisco Assis, líder do grupo durante a segunda metade dessa legislatura.

Detinha, por exemplo, a importante responsabilidade de representar o PS nas conferências de líderes parlamentares. Quem está de fora acha isto uma irrelevância - porque confunde irrelevância mediática com irrelevância "de facto". Já quem domina minimamente o funcionamento da Assembleia sabe que esta função é essencial para que um partido não perca os "jogos" parlamentares mesmo antes de eles terem lugar à vista de toda a gente, no plenário ou nas comissões.

Nesse contacto permanente, uma vezes conversámos em "on" e outras em "off". Permito-me agora esta inconfidência porque, nestas alturas, há algo de muito importante que um jornalista pode dizer de um político que conheceu bem, como acho que conheci Acácio Barreiros: ele - sempre disponível - nunca me mentiu. Quando podia falar, falava. Quando não podia, não falava. Nunca lhe ouvi uma mentira (ou meias-verdades) para desculpar o silêncio. Dizia "Sobre isso não tenho nada a dizer" ou uma formulação do género. E eu ia à minha vida, bater a outras portas. No jornalismo, a questão da verdade não é de somenos, como se calcula.

Grande parte da opinião publicada nacional (políticos, jornalistas, eu incluído, às vezes) acha "bem" desvalorizar personalidades políticas como Acácio Barreiros, muitas vezes achincalhando-os. Pode-se dizer de Acácio Barreiros que era, na bancada do PS, uma figura "baça", "cinzenta", etc., etc. Seria, admito-o perfeitamente.

Acrescento, porém, que não há rigorosamente nenhum líder político que dispense homens assim: discretos, eficazes, humildes, inteligentes, rápidos, organizados, atentos, profissionais para quem a política não é uma insana busca dos holofotes. Políticos que têm de si a exacta imagem do que são.

Nestes tempos de "circo", políticos como Acácio Barreiros fazem muito mais falta do que se pensa.

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