EXPRESSO: Opinião

09-05-2002
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O camarada Bento Luís

«O suposto camarada Bento Luís aparece assim não como um homem que vai à luta pelos seus ideais, mas como um mero intriguista. Escondidos num nome falso, em pleno século XXI com a democracia consolidada, aqueles que estão por detrás de Bento Luís mais parecem um conjunto de maldizentes que fazem o enorme favor de dar razão à direcção do PCP. E - quem sabe - se tudo não passa de uma manobra (esta sim claramente estalinista) para desacreditar quem dá a cara pela crítica?»

O CAMARADA Bento Luís não existe, trata-se apenas de um pseudónimo, provavelmente colectivo, que dá cobertura a uma série de críticas à orientação do PCP. Tudo leva a crer (e o jornal «Público» dá-o como certo) que este nome seja uma homenagem a dois ex-dirigentes do PCP: Bento Gonçalves, que morreu no campo de concentração do Tarrafal em 1942, e Luís Sá, um militante da nova geração comunista, recentemente falecido. Em comum, Bento e Luís têm pouco. O primeiro era o secretário-geral do PCP desde 1929 e pagou com a prisão e a vida a sua dedicação ao comunismo. O segundo era um intelectual e professor universitário que fez a sua carreira política em plena democracia, tendo falecido subitamente. O único traço que os liga, além da óbvia militância comunista, é o facto de ambos terem sido, em momentos diferentes e por razões diversas, críticos da direcção do partido que abraçaram. E, curiosamente, apesar da brutal diferença de idades (Bento poderia ser avô de Luís), os dois chegaram a dirigir as suas críticas à mesma pessoa: Álvaro Cunhal.

Claro que na época em que Bento formulou as suas críticas, Álvaro Cunhal não era o líder do partido. Mas alinhava - como se pode ler na excepcional biografia que Pacheco Pereira tem vindo a publicar - com a direcção do PCP que a partir do Tarrafal foi derrubada precisamente por Bento, Júlio Fogaça, Militão Ribeiro, José de Sousa e outros. Cunhal, na altura, deixou a direcção criticada e passou-se para o lado dos críticos, mas iria ter de se haver com todos eles, mais tarde, até controlar totalmente o partido.

No entanto, nesse tempo, apesar da clandestinidade, as críticas não eram feitas através de comunicados anónimos. Naturalmente, os pseudónimos usavam-se para dirigentes e militantes se protegerem da polícia, mas dentro do partido sabia-se quem era quem.

É neste contexto que não deixa de ser muito estranho que um conjunto de críticos à direcção do PCP sinta a necessidade de se esconder por detrás de um nome falso.

É certo que estes críticos acusam aspectos graves: falta de democracia, concepções estalinistas, etc. Além de revelarem factos ainda mais duros: por exemplo, que o «Avante!», o órgão do PCP, vende hoje menos do que no final da época clandestina.

Mas longe vão os tempos em que o PCP resolveu divergências ou traições com a denúncia à polícia ou a eliminação física dos «provocadores». Não se entende, por isso mesmo, o afã de clandestinidade daqueles que não concordam com a linha oficial dos comunistas, o que, aliás, não faz jus à coragem de Bento ou de Luís, para não falar de João Amaral, que encarou quase sozinho um congresso que ele sabia ser-lhe hostil.

O suposto camarada Bento Luís aparece assim não como um homem que vai à luta pelos seus ideais, mas como um mero intriguista. Escondidos num nome falso, em pleno século XXI com a democracia consolidada, aqueles que estão por detrás de Bento Luís mais parecem um conjunto de maldizentes que fazem o enorme favor de dar razão à direcção do PCP. E - quem sabe - se tudo não passa de uma manobra (esta sim claramente estalinista) para desacreditar quem dá a cara pela crítica?

E-mail: hmonteiro@mail.expresso.pt

O camarada Bento Luís

«O suposto camarada Bento Luís aparece assim não como um homem que vai à luta pelos seus ideais, mas como um mero intriguista. Escondidos num nome falso, em pleno século XXI com a democracia consolidada, aqueles que estão por detrás de Bento Luís mais parecem um conjunto de maldizentes que fazem o enorme favor de dar razão à direcção do PCP. E - quem sabe - se tudo não passa de uma manobra (esta sim claramente estalinista) para desacreditar quem dá a cara pela crítica?»

O CAMARADA Bento Luís não existe, trata-se apenas de um pseudónimo, provavelmente colectivo, que dá cobertura a uma série de críticas à orientação do PCP. Tudo leva a crer (e o jornal «Público» dá-o como certo) que este nome seja uma homenagem a dois ex-dirigentes do PCP: Bento Gonçalves, que morreu no campo de concentração do Tarrafal em 1942, e Luís Sá, um militante da nova geração comunista, recentemente falecido. Em comum, Bento e Luís têm pouco. O primeiro era o secretário-geral do PCP desde 1929 e pagou com a prisão e a vida a sua dedicação ao comunismo. O segundo era um intelectual e professor universitário que fez a sua carreira política em plena democracia, tendo falecido subitamente. O único traço que os liga, além da óbvia militância comunista, é o facto de ambos terem sido, em momentos diferentes e por razões diversas, críticos da direcção do partido que abraçaram. E, curiosamente, apesar da brutal diferença de idades (Bento poderia ser avô de Luís), os dois chegaram a dirigir as suas críticas à mesma pessoa: Álvaro Cunhal.

Claro que na época em que Bento formulou as suas críticas, Álvaro Cunhal não era o líder do partido. Mas alinhava - como se pode ler na excepcional biografia que Pacheco Pereira tem vindo a publicar - com a direcção do PCP que a partir do Tarrafal foi derrubada precisamente por Bento, Júlio Fogaça, Militão Ribeiro, José de Sousa e outros. Cunhal, na altura, deixou a direcção criticada e passou-se para o lado dos críticos, mas iria ter de se haver com todos eles, mais tarde, até controlar totalmente o partido.

No entanto, nesse tempo, apesar da clandestinidade, as críticas não eram feitas através de comunicados anónimos. Naturalmente, os pseudónimos usavam-se para dirigentes e militantes se protegerem da polícia, mas dentro do partido sabia-se quem era quem.

É neste contexto que não deixa de ser muito estranho que um conjunto de críticos à direcção do PCP sinta a necessidade de se esconder por detrás de um nome falso.

É certo que estes críticos acusam aspectos graves: falta de democracia, concepções estalinistas, etc. Além de revelarem factos ainda mais duros: por exemplo, que o «Avante!», o órgão do PCP, vende hoje menos do que no final da época clandestina.

Mas longe vão os tempos em que o PCP resolveu divergências ou traições com a denúncia à polícia ou a eliminação física dos «provocadores». Não se entende, por isso mesmo, o afã de clandestinidade daqueles que não concordam com a linha oficial dos comunistas, o que, aliás, não faz jus à coragem de Bento ou de Luís, para não falar de João Amaral, que encarou quase sozinho um congresso que ele sabia ser-lhe hostil.

O suposto camarada Bento Luís aparece assim não como um homem que vai à luta pelos seus ideais, mas como um mero intriguista. Escondidos num nome falso, em pleno século XXI com a democracia consolidada, aqueles que estão por detrás de Bento Luís mais parecem um conjunto de maldizentes que fazem o enorme favor de dar razão à direcção do PCP. E - quem sabe - se tudo não passa de uma manobra (esta sim claramente estalinista) para desacreditar quem dá a cara pela crítica?

E-mail: hmonteiro@mail.expresso.pt

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