Interdição do "barco do aborto" surpreendeu PSD e CDS

31-08-2004
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Interdição do "Barco do Aborto" Surpreendeu PSD e CDS

Por HELENA PEREIRA E MARIA JOSÉ OLIVEIRA

Domingo, 29 de Agosto de 2004 O ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Paulo Portas, foi o principal defensor da interdição do navio da "Woman on Waves", que surpreendeu alguns membros da maioria que apoia o Governo, tanto no PSD como no CDS. Apesar de ter sido anunciada uma espécie de "task force" de ministros que acompanhavam a situação, a decisão foi essencialmente "cozinhada" na secretaria de Estado dos Assuntos do Mar e tomada anteontem ao início da noite, depois do primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, ter chegado a Lisboa. Na sexta-feira à tarde, contudo, quando pela primeira vez o Governo aborda o assunto, as declarações do ministro dos Assuntos Parlamentares não apontam no sentido de uma proibição. Ao longo desta semana, os dois partidos que apoiam o Governo emitiram sinais em sentido contrário ao que veio a ser feito. O PSD, que não tem posição oficial sobre o aborto, não deu muita importância. O líder parlamentar e o secretário-geral do PSD remeteram este assunto para a deputada Ana Manso, que pertence à minoria do seu partido que defende a despenalização do aborto e que não censurou a iniciativa do barco, esperando que viesse contribuir para o debate interno. Ontem, em declarações ao PÚBLICO, o líder da JSD, Jorge Nuno Sá, disse não ter "nada a objectar" contra a iniciativa e que iria contribuir para "aprofundar o debate", acrescentando que se o Governo tomou a decisão de proibir deverá ter motivos legais para o fazer, que desconhece. O líder parlamentar do CDS/PP, Nuno Melo, começou por não se opor à vinda do barco da "Women on Waves" para Portugal no fim-de-semana passado, sublinhando apenas que os promotores da acção estariam a "cometer um crime" na eventualidade de realizarem abortos dentro das águas territoriais. Não admitiu a possibilidade do barco ser proibido de entrar. Ontem, Nuno Melo já veio invocar a saúde pública e a eventualidade de existirem "desacatos" como razões para a interdição: "Por um lado, o barco não garante condições de saúde, uma vez que perante uma qualquer situação de emergência não poderia garantir os cuidados necessários às mulheres, e por outro, nos países que visitou aconteceram desacatos que o Governo quer evitar". Guilherme Silva também se congratulou com a decisão, acrescentado que o Governo teve, "desde o início, uma posição cautelosa, sem antecipar a decisão até avaliar o que fazer". O ex-primeiro-ministro, Durão Barroso, admitia um novo referendo na próxima legislatura e o CDS, onde tem vindo a crescer a defesa da descriminalização do aborto, também. O secretário-geral do CDS admitiu ontem que este é um assunto "em aberto" para a próxima legislatura. Governo diz é decisão "jurídica" e não "moral" O comandante e o armador do navio "Borndiep" e o cônsul da Holanda em Lisboa foram notificados por volta das 22h30 de sexta-feira a proibição do Governo português. A argumentação, que consta no despacho enviado, invoca a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar de Montego Bay que define em que circunstâncias um país pode impedir a entrada de um navio nas suas águas. O Governo alega questões de "protecção de saúde pública", incitamento "à prática de actos ilícitos" (o aborto), "o desembarque, distribuição e publicitação de produtos farmacêuticos não autorizados pelas autoridades sanitárias portuguesas" e a existência, no navio, de "uma instalação sanitária sem licenciamento ou fiscalização pelas autoridades portuguesas". A mensagem que o Ministério da Defesa quer passar é a de que se trata de uma decisão essencialmente jurídica e não moral, ou seja, não quer misturar isso com juízos sobre se deve-se consentir no aborto ou não, embora a posição oficial do CDS seja muito clara e é diferente da do PSD. "Não é uma questão de moralidade, mas de legalidade", insistiu, em declarações ao PÚBLICO, o secretário de Estado dos Assuntos do Mar, Nuno Fernandes Thomaz, acrescentando que o Governo estava preocupado com "um golpe publicitário que iria originar uma série de conflitos muito desagradáveis como aconteceu na Irlanda e na Polónia" onde, recordou, chegou a haver "apedrejamentos e rastreios". O entendimento do Governo foi o de que os prejuízos para o país eram maiores com a autorização para o navio atracar do que com a sua proibição. Por outro lado, o Ministério entendeu que se não arranjasse forma de proibir o navio, não havia mais nada que pudesse fazer para controlar depois a sua actividade, deitando por terra o discurso da autoridade e soberania, que é imagem de marca de Portas na Defesa. Com alguns membros do Governo a gozar dias de férias, Portas não desvalorizou a iniciativa do "Women on Waves" e desde o fim-de-semana passado que começou a tentar encontrar uma saída para o caso do "barco do aborto". O Ministério alega que só agiu quando teve a certeza que o barco vinha para Portugal, depois de pedir autorização, pois no controle marítimo de Espanha dissera que o destino final era Vigo. Segundo o secretário de Estado, o assunto foi tratado pelo "Ministério da Defesa em coordenação com o primeiro-ministro [que chegou sexta-feira de uns dias de férias em Espanha] foi basicamente tratado ao nível da secretaria de Estado". O Ministério da Saúde recusou-se ontem a pronunciar-se sobre o que entende ser uma questão de saúde pública, remetendo quaisquer declarações para o Ministério da Defesa. Segundo o gabinete de Luís Filipe Pereira, as diligências feitas por este ministério durante esta semana foram as de fornecer informação sobre a pílula abortiva que é proibida em Portugal e que vem a bordo do navio do "Women on Waves". O Executivo diz estar "seguro" da sua fundamentação. No entanto, Fernandes Thomaz lembra que, "em termos jurídicos, tudo pode ser rebatido". Caso a Comissão Europeia ou a Holanda exijam explicações a Portugal, o Ministério tem um dossier preparado pelos seus serviços jurídicos com os fundamentos da sua decisão, em que aparecem os casos idênticos registados na Polónia e Irlanda, as notícias dos últimos dias na comunicação social, declarações da "Women on Waves" e informações sobre abortos já feitos no barco. As ordens que as Forças Armadas têm são as que normalmente são seguidas para este caso. Os meios navais e aéreos que fazem diariamente inspecções nas águas marítimas estão de alerta para o caso do navio entrar em zona de soberania portuguesa. Tal como aconteceu com o "Prestige", o navio do "Women on Waves" será, nesse caso, acompanhado por um navio de guerra para o obrigar a mudar de rota. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Interdição do "barco do aborto" surpreendeu PSD e CDS

o que diz a Convenção

Organizações envolvidas na iniciativa

Associações anti-aborto contratulam-se

Oposição acusa Governo de violar direito à liberdade de expressão

Interdição do "Barco do Aborto" Surpreendeu PSD e CDS

Por HELENA PEREIRA E MARIA JOSÉ OLIVEIRA

Domingo, 29 de Agosto de 2004 O ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Paulo Portas, foi o principal defensor da interdição do navio da "Woman on Waves", que surpreendeu alguns membros da maioria que apoia o Governo, tanto no PSD como no CDS. Apesar de ter sido anunciada uma espécie de "task force" de ministros que acompanhavam a situação, a decisão foi essencialmente "cozinhada" na secretaria de Estado dos Assuntos do Mar e tomada anteontem ao início da noite, depois do primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, ter chegado a Lisboa. Na sexta-feira à tarde, contudo, quando pela primeira vez o Governo aborda o assunto, as declarações do ministro dos Assuntos Parlamentares não apontam no sentido de uma proibição. Ao longo desta semana, os dois partidos que apoiam o Governo emitiram sinais em sentido contrário ao que veio a ser feito. O PSD, que não tem posição oficial sobre o aborto, não deu muita importância. O líder parlamentar e o secretário-geral do PSD remeteram este assunto para a deputada Ana Manso, que pertence à minoria do seu partido que defende a despenalização do aborto e que não censurou a iniciativa do barco, esperando que viesse contribuir para o debate interno. Ontem, em declarações ao PÚBLICO, o líder da JSD, Jorge Nuno Sá, disse não ter "nada a objectar" contra a iniciativa e que iria contribuir para "aprofundar o debate", acrescentando que se o Governo tomou a decisão de proibir deverá ter motivos legais para o fazer, que desconhece. O líder parlamentar do CDS/PP, Nuno Melo, começou por não se opor à vinda do barco da "Women on Waves" para Portugal no fim-de-semana passado, sublinhando apenas que os promotores da acção estariam a "cometer um crime" na eventualidade de realizarem abortos dentro das águas territoriais. Não admitiu a possibilidade do barco ser proibido de entrar. Ontem, Nuno Melo já veio invocar a saúde pública e a eventualidade de existirem "desacatos" como razões para a interdição: "Por um lado, o barco não garante condições de saúde, uma vez que perante uma qualquer situação de emergência não poderia garantir os cuidados necessários às mulheres, e por outro, nos países que visitou aconteceram desacatos que o Governo quer evitar". Guilherme Silva também se congratulou com a decisão, acrescentado que o Governo teve, "desde o início, uma posição cautelosa, sem antecipar a decisão até avaliar o que fazer". O ex-primeiro-ministro, Durão Barroso, admitia um novo referendo na próxima legislatura e o CDS, onde tem vindo a crescer a defesa da descriminalização do aborto, também. O secretário-geral do CDS admitiu ontem que este é um assunto "em aberto" para a próxima legislatura. Governo diz é decisão "jurídica" e não "moral" O comandante e o armador do navio "Borndiep" e o cônsul da Holanda em Lisboa foram notificados por volta das 22h30 de sexta-feira a proibição do Governo português. A argumentação, que consta no despacho enviado, invoca a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar de Montego Bay que define em que circunstâncias um país pode impedir a entrada de um navio nas suas águas. O Governo alega questões de "protecção de saúde pública", incitamento "à prática de actos ilícitos" (o aborto), "o desembarque, distribuição e publicitação de produtos farmacêuticos não autorizados pelas autoridades sanitárias portuguesas" e a existência, no navio, de "uma instalação sanitária sem licenciamento ou fiscalização pelas autoridades portuguesas". A mensagem que o Ministério da Defesa quer passar é a de que se trata de uma decisão essencialmente jurídica e não moral, ou seja, não quer misturar isso com juízos sobre se deve-se consentir no aborto ou não, embora a posição oficial do CDS seja muito clara e é diferente da do PSD. "Não é uma questão de moralidade, mas de legalidade", insistiu, em declarações ao PÚBLICO, o secretário de Estado dos Assuntos do Mar, Nuno Fernandes Thomaz, acrescentando que o Governo estava preocupado com "um golpe publicitário que iria originar uma série de conflitos muito desagradáveis como aconteceu na Irlanda e na Polónia" onde, recordou, chegou a haver "apedrejamentos e rastreios". O entendimento do Governo foi o de que os prejuízos para o país eram maiores com a autorização para o navio atracar do que com a sua proibição. Por outro lado, o Ministério entendeu que se não arranjasse forma de proibir o navio, não havia mais nada que pudesse fazer para controlar depois a sua actividade, deitando por terra o discurso da autoridade e soberania, que é imagem de marca de Portas na Defesa. Com alguns membros do Governo a gozar dias de férias, Portas não desvalorizou a iniciativa do "Women on Waves" e desde o fim-de-semana passado que começou a tentar encontrar uma saída para o caso do "barco do aborto". O Ministério alega que só agiu quando teve a certeza que o barco vinha para Portugal, depois de pedir autorização, pois no controle marítimo de Espanha dissera que o destino final era Vigo. Segundo o secretário de Estado, o assunto foi tratado pelo "Ministério da Defesa em coordenação com o primeiro-ministro [que chegou sexta-feira de uns dias de férias em Espanha] foi basicamente tratado ao nível da secretaria de Estado". O Ministério da Saúde recusou-se ontem a pronunciar-se sobre o que entende ser uma questão de saúde pública, remetendo quaisquer declarações para o Ministério da Defesa. Segundo o gabinete de Luís Filipe Pereira, as diligências feitas por este ministério durante esta semana foram as de fornecer informação sobre a pílula abortiva que é proibida em Portugal e que vem a bordo do navio do "Women on Waves". O Executivo diz estar "seguro" da sua fundamentação. No entanto, Fernandes Thomaz lembra que, "em termos jurídicos, tudo pode ser rebatido". Caso a Comissão Europeia ou a Holanda exijam explicações a Portugal, o Ministério tem um dossier preparado pelos seus serviços jurídicos com os fundamentos da sua decisão, em que aparecem os casos idênticos registados na Polónia e Irlanda, as notícias dos últimos dias na comunicação social, declarações da "Women on Waves" e informações sobre abortos já feitos no barco. As ordens que as Forças Armadas têm são as que normalmente são seguidas para este caso. Os meios navais e aéreos que fazem diariamente inspecções nas águas marítimas estão de alerta para o caso do navio entrar em zona de soberania portuguesa. Tal como aconteceu com o "Prestige", o navio do "Women on Waves" será, nesse caso, acompanhado por um navio de guerra para o obrigar a mudar de rota. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Interdição do "barco do aborto" surpreendeu PSD e CDS

o que diz a Convenção

Organizações envolvidas na iniciativa

Associações anti-aborto contratulam-se

Oposição acusa Governo de violar direito à liberdade de expressão

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