O exercício da maioria

19-05-2003
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O Exercício da Maioria

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Segunda-feira, 19 de Maio de 2003 Assim que tomou posse, o Governo fez saber: tinha intenção de virar o país do avesso, refazer as orientações políticas de gestão nacional e, para isso, ia deitar mãos à construção de um outro edifício legislativo que suportasse os projectos de José Manuel Durão Barroso para Portugal. Mas esta fúria legislativa esbarrava com o poder legislativo do Parlamento, que é soberano em diversos assuntos. O obstáculo era apenas formal, já que a coligação entre o PSD e o CDS garantia, desde a primeira hora, uma vida parlamentar sem sobressaltos. O ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, tratou de dar a cara a essa fúria reformista do Governo e o Parlamento foi inundado de diplomas para serem despachados em tempo recorde. Durante o primeiro ano a tarefa foi cumprida. Até 15 de Abril estavam aviadas 37 dessas propostas de lei. Só que a batalha da produção do Governo revela o outro lado da medalha, o baixíssimo contributo que os deputados, da coligação maioritária ou da oposição, deram para o processo legislativo: só quatro leis em 41 foram produzidas apenas por deputados e em outras três a oposição pôde concorrer para influenciar propostas do Governo, num total de sete diplomas com base em contributos da Assembleia da República. Há 34 casos em que o Parlamento não foi tido nem achado, tão-só votou e, destes, em 13 nem sequer debateu o assunto na especialidade, delegou a competência no Governo. A oposição ainda tentou ir a jogo nalguns assuntos (ensino e saúde, por exemplo), mas sem êxito. Foram chumbados 38 projectos. É um facto, assumido por todos os estudiosos do tema, que hoje em dia, devido à complexidade da governação e à aceleração do tempo histórico, a gestão governativa assenta mais na produção de leis do executivo. E que a capacidade legislativa dos parlamentos está cada vez mais diminuída. Essa desvalorização da autonomia parlamentar e do papel legislativo deste órgão de soberania, o segundo na hierarquia do Estado e de onde emana o poder do Governo, foi manifesta ao longo do primeiro ano: das 37 propostas de lei aprovadas, 13 são de autorização legislativa. Soma-se a esta tendência o facto de, na presente legislatura, a existência de uma maioria absoluta de deputados garantir ao Governo uma base sólida sem contestação. Daí que o Governo de José Manuel Durão Barroso esteja à vontade para usar o Parlamento como uma espécie de sede administrativa, que aprova, sem alteração, as suas propostas. Isto porque a certeza do sufrágio parlamentar permite-lhe nem sequer ensaiar negociar o que quer que seja com a oposição. Certa e segura é a impossibilidade de que, na actual legislatura, os corredores e o hemiciclo de São Bento venham a viver momentos como os vividos nos governos de António Guterres, desde o "Totonegócio", em que a lei só passou porque um deputado do PSD se juntou ao PS ou como o episódio da co-incineração, na segunda legislatura de Guterres, em que os deputados do PS de Coimbra descolaram da maioria e contribuíram de forma decisiva para que a oposição chumbasse a medida do Governo. A manifestação da noção exacta de quem sabe que está nessa posição de força e pode exercer o poder da maioria tem sido usual ao longo do ano até na recusa de simples reconhecimento de espaço de intervenção da oposição. Veja-se a intransigência da maioria na aprovação no novo regimento em que foi diminuído o tempo de intervenção dos partidos que acompanham na apresentação de projectos de lei o partido requerente de um debate. O exercício do poder da maioria é visível também no tipo de assuntos que são agendados, com a maioria em conferência de líderes a impor que debates marcados por grupos parlamentares da oposição sejam desmarcados mesmo contra vontade dos partidos proponentes. Isto para já não falar da forma como algumas leis estruturantes da sociedade, como é a reforma da segurança social, a reforma do sistema de ensino, a privatização de hospitais ou o Código Laboral, não foram negociadas com a oposição no Parlamento. E se é facto que Durão Barroso tem cumprido religiosamente a obrigação de debater mensalmente com os deputados, numa atitude inédita de reconhecimento do papel do contraditório, a valorização do Parlamento fica por aí. De resto, a Assembleia tem servido para aprovar as leis que o Governo não pode fazer sozinho, sem que estas sequer recebam contributos de monta da oposição. Quanto ao trabalho próprio, à iniciativa legislativa do Parlamento, o balanço do ano é praticamente nulo. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Governo domina Parlamento

O exercício da maioria

A produção própria dos deputados

Ao serviço de Durão

Aquilo que a maioria não quis

Israelitas dizem que AR se reúne pouco

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